Por MARCIO DOS SANTOS*
Avaliações baseadas em critérios duvidosos prejudicam a verdadeira qualidade do ensino e a motivação dos professores
1.
Há pouco tempo resolvi dar uma chance para o filme Sociedade dos poetas mortos – Dead poets society – de 1989, dirigido por Peter Weir e estrelado por Robin Williams. Um filme que tem Robin Williams como um dos protagonistas é como ler qualquer coisa de Dostoiévski ou Machado de Assis, ou seja, não exige uma sinopse ou qualquer apresentação. Mesmo sem saber o que aguarda você com o desenrolar da trama, é impossível se arrepender de ter entrado na história.
No filme, ambientado no ano de 1959, John Keating (Williams) volta a um colégio tradicional (Welton Academy) para lecionar literatura inglesa e encanta seus alunos com sua pedagogia nada tradicional e seu modo de ver a poesia, a vida, o mundo e a sociedade que prega normas e um jeito um tanto engessado de ser. O professor convida seus alunos a pensar por eles mesmos e a fugir dos padrões. É um professor que está profundamente interessado com o pensamento livre, coisa aliás, que nós professores devíamos incentivar nossos alunos, não ocasionalmente, mas sempre.
É claro que a postura, pouco ortodoxa do professor, entrara em conflito com o “projeto político pedagógico” da escola, e é obvio que seu jeito fora da curva irá incomodar a administração do colégio, preocupada em manter as aparências e em formar, como entendi no filme, talvez as futuras classes dirigentes, talvez a nata da sociedade norte-americana, que via, e talvez em alguma medida ainda vê, o futuro de seus filhos sendo desenhado pelo valor mais alto possível que é preenchido o talão de cheque pago a escola no final de cada semestre. Aqui a educação, no sentido estrito do termo, é o futuro de uma geração.
Como não podia deixar de ser, o professor é questionado por não seguir o currículo, e no final das contas é penalizado com a demissão, simplesmente pela postura contrária a “doutrinação” imposta pelo rígido currículo da escola. Aqui, se você não pensa dentro da caixa, não há espaço para qualquer outra coisa. Pensar por si mesmo, independente da idade, e almejar a transcendência do pensamento é subversivo, como o clube “sociedade dos poetas mortos” e, portanto, a expulsão e o “virar de costas” se torna a solução para quem, como Keating, representa contestação.
Por se tratar de uma instituição privada, o colégio tradicional acaba por demitir o professor, para quem pensar ou ensinar a pensar livremente é um ataque direto ao status quo da estrutura do colégio e das famílias que acreditam ser possível moldar as almas através das formas de pensar.
2.
Tenho acompanhado, na medida do possível, as questões referentes a reforma administrativa, que pretende “modernizar” os serviços públicos e tenho me preocupado bastante com a questão da estabilidade do servidor, prevista na constituição de 1988 quando diz no seu artigo 41 que “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”.
A estabilidade visa proteger o servidor público de possíveis perseguições políticas, só lembrando que essa constituição vem até nós depois de duas décadas de opressão militar, frente a um forte contexto de perseguição sobre o funcionalismo público.
Dentro da escola somos perseguidos por ameaças constantes de todos os lados. Diretores preocupados com plataformas, essas, diga-se de passagem, responsáveis por produzirem dados, que visam transferir para o indivíduo a responsabilidade que é das politicas de educação do estado. Se a evasão é grande, a culpa é do diretor da unidade escolar e, portanto, o ônus recai sobre o indivíduo, não na estrutura, que não visa descobrir onde nossas politicas de educação tem falhado, ou se nossas políticas públicas precisam ou não se ajustar aos problemas da nossa sociedade.
Conclui-se que o punitivismo tem duas funções, isto é, identifico o culpado – o diretor e os professores por incompetência para atingir os índices – e ao mesmo tempo mostro para população que algo está sendo feito – remanejo esse diretor. É como o poste urinando no cachorro.
No final desse semestre nas escolas públicas paulistas, a gestão e os professores foram avaliados pelos alunos, gestão e funcionários da escola, em um modelo que já funciona nas escolas de tempo integral. A avaliação é baseada em critérios duvidosos onde faltas docentes – independente da motivação, seja por motivo de saúde ou de qualquer outra natureza – notas atribuídas aos docentes pela equipe gestora e alunos e a participação em curso de formação continuada, de qualidade muito duvidosa – funcionam como motores de avaliação.
Não sabemos ainda o que significa na pratica essa avaliação. A escola é nós professores agora somos um farol de três cores, vermelho, amarelo e verde. Os professores e a escolas que estão no vermelho não atingiram seus índices. Diretores já foram remanejados. O que acontecera aos professores que não atingirem seus índices ainda é incerto.
O problema está justamente na forma como a avaliação é feita. Os alunos têm maturidade para avaliar? Nós professores somos cerceados há anos do nosso direito de avaliar, porque é comum pensar na nossa sociedade que um profissional da educação, comprometido com seu trabalho, fica por aí perseguindo aluno como se fosse ele tão imaturo quanto o próprio educando. Que dizer quando a avaliação se volta contra o professor e passa para as mãos dos alunos?
3.
Embora a questão da estabilidade dos servidores esteja sendo discutida, muito se fala da permanência da estabilidade para carreiras típicas do estado, ou seja, aquelas em que a iniciativa privada é impedida de oferecer, restando apenas ao Estado a obrigatoriedade da oferta, como segurança pública, por exemplo.
O que não é o caso da escola, que vem se tornando nos últimos anos, uma galinha de ovos de ouro para empresas de tecnologia que ofertam plataformas e toda uma parafernália tecnológica sem a contrapartida do resultado. Se o professor perder a estabilidade; teremos menos professores como John Keating nas escolas, porque esses serão os primeiros a conhecer sobre o que acontece quando um funcionário não obedece às diretrizes do patrão. O olho da rua é o cala a boca que nós professores depois de tantos anos dedicados a educação mereceremos a partir dessa ideia esdruxula. Liberdade de pensamento, liberdade de cátedra, tudo se tornara coisa do passado. Obsolescência.
Fiquei pensando sobre o que levaria uma pessoa a escolher o serviço público como opção uma vez que a parca oferta de condições melhores e mais livres de trabalho como a “estabilidade” já não é mais garantia. Vejo todos os dias colegas contratados em condições precárias de relação de trabalho lutando para continuar com seus contratos ativos e cheguei a conclusão de que, não faltara professores por não haver ofertas de estabilidade ou concursos que garantam melhores condições de emprego.
A precarização do serviço tem se tornando regra tão obrigatória, que não temos escolhido mais aquela colocação que nos forneça mais benefícios e que represente de fato uma carreira para o futuro, mas invés disso, entre o precário e o ausente de mínimas condições na figura cada vez maior dos serviços “uberizados” na iniciativa privada, estamos escolhendo aquilo que se apresenta como menos pior. Nossos professores contratados sabem bem do que isso se trata. Infelizmente, cabe a nós a obediência. O livre pensar deixamos para professores como Keating.
*Márcio dos Santos é professor de história da Secretaria da Educação de São Paulo.
Referências
https://filmow.com/sociedade-dos-poetas-mortos-t6252/ficha-tecnica
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/869559/artigo-41-da-constituicao-federal-de-1988
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