Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
O jornalismo mainstream cometeu crime ao atentar contra a honra de Márcio Pochman e a reputação do IE-Unicamp
Afinal, quem pratica o “terraplanismo econômico”? Os economistas formados de maneira convencional, em defesa de um imaginário autoajuste, vulgo “ancoragem das expectativas”, ou os economistas da Unicamp críticos dessa inércia intelectual?
Afirmações condicionais são feitas com base em teoria sobre as relações causais de um conjunto bem limitado de fenômenos. A teoria convencional estreita o campo de visão.
Muitas perguntas significativas, no mundo real, dentro do mainstream teórico são perguntas sem sentido de serem feitas. Uma revolução na teoria econômica requereu o desenvolvimento de novos instrumentos de pensamento a partir da Teoria Geral de Keynes – e não seguir a tradição “terraplanista” da “corrente principal” (sic) neoclássica.
A teoria econômica padrão, por exemplo, ignora a instabilidade ser inerente ao sistema financeiro capitalista. Ela sequer reconhece essa instabilidade financeira ser um problema necessitado de uma boa explicação teórica.
Ela não demonstra como as forças financeiras interagem com a produção e o consumo para determinar a renda, o emprego e os preços. A ortodoxia constata a economia capitalista enfrentar um desemprego persistente e até reconhece medidas de política fiscal e monetária capazes de combater o desemprego. Porém, argumenta ideologicamente: dentro de mercados livres, descentralizados e descoordenados, existiriam forças autocorretivas capazes de conduzir ao pleno emprego por si só.
O economista-padrão pratica esse autoengano, porque pensa uma coisa e diz outra. Quando está no governo, afirma: sua política intervencionista eliminará o desemprego persistente ou a inflação crônica. Quando está na oposição, pensa: se nada for feito pelo governo, com o passar do tempo e de acordo com seu livre funcionamento, a economia de mercado alcançará preços estáveis e pleno emprego. Quando?!
O economista pós-keynesiano, em contraposição, desenvolve uma teoria explicativa da razão da economia monetária de produção flutuar, demostrando a instabilidade e a inconsistência apresentadas periodicamente estarem relacionadas ao grau de fragilidade financeira. Este é a relação entre despesas financeiras e lucro esperado, seja em dividendos, seja em ganhos de capital, respectivamente, variáveis no processo de financiamento de investimentos e valorização/desvalorização de ações.
A ortodoxia não ultrapassa sua barreira ideológica de reconhecer a economia de mercado ser inerentemente instável. A visão da dinâmica do capitalismo em ciclos econômicos altamente destrutivos não faz parte de sua base teórica. Caso contrário, criticaria as concentrações socialmente indesejáveis de riqueza e poder.
Para ela, a instabilidade se deve a eventos fora do funcionamento econômico, ou seja, exógenos às forças-de-mercado. Seu foco está em defender uma economia de mercado descentralizada como capaz de alcançar por si só coerência e coordenação na produção e distribuição, enquanto o foco da teoria considerada heterodoxa (pós-keynesiana) está na prática do capital financeiro. Esta adota uma abordagem sistêmica financeira.
A tradição do mainstream enfatiza tendências de equilíbrio e estabilização, enquanto a vanguarda teórica analisa as decisões de banqueiros e acionistas, interativas com as de pessoas físicas rentistas, governos emissores de títulos de dívida pública e credores externos. O “terraplanismo econômico” ignora a natureza capitalista da economia, fato fundamental para os leitores de Marx, Keynes, Kalecki e Minsky, entre muitos outros autores dissidentes.
Conceitos pós-keynesianos, ignorados por pré-keynesianos, dizem respeito à precificação dos bens de capital em preço de oferta (custo de construção) e preço de demanda (valor de mercado): há investimento quando este está acima. As instituições financeiras capitalistas servem de base para uma teoria econômica alternativa como melhor guia para interpretar o que de fato acontece no mundo real (“terra redonda”) em lugar da teoria padrão dos economistas neoliberais de sempre na mídia brasileira.
Esses verdadeiros “terraplanistas econômicos” raciocinam com base em uma economia abstrata de troca (escambo sem moeda), exemplificada por qualquer mercado de qualquer povo. Esse modelo desmonetizado não contempla a produção intensiva de capital, finanças capitalistas ou capitalização e endividamento como os conhecemos.
Com o uso dessa construção artificial de abstratas relações comerciais, a teoria convencional defende: a “sua” economia de mercado descentralizada sempre alcançaria um resultado consistente. Nessa teoria qualquer desvio da igualdade entre a oferta e a demanda de trabalho seria eliminado por meio das interações do mercado, ou seja, pressupõe o salário ser rebaixado para a força de trabalho ser empregada!
Portanto, o pleno emprego seria alcançado por meio das próprias operações de mercado. Porém, essa mesma teoria não explica como o desemprego surge como resultado de processos econômicos. Incoerentemente, as interações contribuiriam para o equilíbrio, mas jamais desestabilizariam os processos endógenos…
Um sistema complexo seria coerente quando as conexões entre suas variáveis fossem estáveis de modo suas reações aos choques exógenos serem previsíveis. Em uma economia, vista de maneira convencional e imposta por autênticos “terraplanistas”, a coerência implica haver sempre uma progressiva aproximação do equilíbrio entre as quantidades ofertadas e demandadas dos vários bens e serviços, inclusive mão de obra.
Essa igualdade virtual é alcançada e mantida por meio de pequenos ajustes econômicos. Nesse tipo de cenário idílico, planejamento estatal, intervenções governamentais, regulamentação legislativa e controles monetários não seriam necessários.
Infelizmente, essa coerência do sistema de mercado se rompe, periodicamente, em Grandes Crises Financeiras (GCF). A teoria econômica deve, portanto, explicar tanto a coerência do processo de precificação quanto a possibilidade de um colapso.
Ao recusar fazer isso os conservadores dessa teoria econômica não admitem a inconsistência ser resultado do próprio processo interno da economia capitalista. Para eles, o processo de precificação só entraria em colapso quando algum choque incomum ou uma aberração institucional ocorresse. Culpando forças externas (exógenas como a oferta monetária – sic) como responsáveis pela inconsistência, então, a desordem esporádica “vinda de fora” conviveria com a manutenção da coerência subjacente.
Os terraplanistas defendem “como deveria ser” – e desconhecem “o que é” na realidade. Qualquer incoerência é explicada por fatores externos, como instituições imperfeitas (Estado, Banco Central, sindicatos, monopólios, cartel estrangeiro) ou erro humano. Daí, agora, quando a economia brasileira está em processo de melhora, os ciumentos antipetistas querem acusar por antecipação, quanto a um desastre projetado, os social-desenvolvimentistas formados no Instituto de Economia da Unicamp e nomeados no atual governo!
Para haver coerência na regulação de um conjunto de mercados, aplicam um princípio de substituição. Preços relativos mais altos tendem a desencorajar e preços relativos mais baixos tendem a encorajar o uso de um produto ou serviço.
Entretanto, em mercados de ações e títulos de dívida, onde os comportamentos especulativos são fortes, o princípio da substituição não se aplica. Um aumento nos seus preços relativos pode aumentar a quantidade demandada desses ativos financeiros ou de capital. Portanto, uma retroalimentação leva a boom e posterior crash.
O núcleo teórico do mainstream, baseado em preços relativos, são as preferências das pessoas e as funções de produção das plantas industriais. As unidades da teoria são apenas famílias e empresas não-financeiras. Abstraem os demais setores institucionais, como houvesse apenas finanças pessoais e corporativas – e não fossem interconectadas com finanças públicas, bancárias e internacionais!
Os terraplanistas ditam a ordem-unida: qualquer tomador de decisão individual assume o preço de tudo o que compra e vende como já estabelecido. Nessas circunstâncias, todos e cada um dos participantes são impotentes: O Mercado é um mecanismo de controle sobrenatural, pois é onipresente, onisciente e onipotente.
Ninguém, nenhum indivíduo pode fazer nada diante de O Mercado impessoal… Inconsistentemente, os preços determinantes do comportamento do mercado são transformações do comportamento individual determinadas pelo mercado. ‘tendeu?
Talvez por causa dessa retroalimentação, um círculo vicioso de um pensamento em 360 graus, onde sem estresse sempre se volta ao ponto-de-partida, os difamadores se imaginam atuar em defesa de A Terra é Redonda!
Na verdade, eles cometeram um crime ao atentar contra a honra do meu ex-aluno e colega, o honrado (e gentil-homem) Márcio Pochman, e a reputação de nossa instituição (IE-Unicamp), com a intenção de torná-lo passível de descrédito na opinião pública. Em disputa de cargo, valeram-se do oportunista jornalismo-fofoca brasileiro… As jornalistas de O Globo cometeram difamação, um dos crimes contra honra, com a sua previsão no art. 139 do Código Penal.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).
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