Os efeitos da eleição de Donald Trump no Brasil

Imagem: Kaboompics Studio
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Por EDUARDO VASCO*

Se na Europa e na Ásia a política externa de Donald Trump pode resultar na debilitação do intervencionismo americano, o cenário na América Latina provavelmente não seguirá essa tendência

Com maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, Donald Trump terá um maior controle sobre a política norte-americana. Além disso, tudo indica que ele aprendeu um pouco com os erros de seu primeiro mandato e desta vez terá homens de alta confiança nos principais postos governamentais. Há muita preocupação, entre os elementos tradicionais do establishment, que ele reorganize toda a burocracia estatal e construa um Deep State próprio.

A força avassaladora de Donald Trump, comprovada nestas eleições, indica que os donos tradicionais do Deep State podem ter de adotar a máxima do “se não pode com ele, junte-se a ele”. Os grandes jornais, prevendo a vitória do republicano, decidiram não declarar apoio a nenhum candidato, apesar de sua cobertura ter sido claramente anti-Trump e pró-Harris.

Nos últimos meses da campanha, também foi possível verificar um aumento no financiamento da candidatura de Donald Trump por grandes corporações, em comparação com o período anterior à entrada de Kamala Harris na disputa (embora esta, mesmo assim, tenha recebido o dobro de dinheiro do republicano). As previsões mais recentes dos mecanismos do mercado financeiro também indicavam uma vitória de Donald Trump, contrastando com o empate técnico verificado nas pesquisas de intenção de voto.

Apesar disso, caso o regime político estadunidense se adapte a Donald Trump, seus representantes farão de tudo para colher concessões do presidente eleito. As principais publicações que orientam os formuladores da política externa americana, como a Foreign Affairs, têm publicado artigos alertando para o mal que uma política trumpista pura representaria para os Estados Unidos. Em outras palavras, como o isolacionismo enfraqueceria o sistema imperialista de dominação global.

O caso brasileiro e latino-americano

Contudo, se na Europa e na Ásia a política externa de Donald Trump pode resultar na debilitação do intervencionismo americano, o cenário na América Latina provavelmente não seguirá essa tendência. Claro, o imperialismo está numa fase histórica de decadência, mas, por ser o quintal dos Estados Unidos, o continente tem maiores dificuldades de reagir contra a dominação imperial. As classes dominantes dos nossos países não passam de vassalas de Washington, que, devido à proximidade geográfica, exerce um controle mais efetivo sobre elas do que sobre as de outros continentes.

Somos um dos pontos de menor divergência entre a ala trumpista e a ala “globalista” da burguesia americana. As duas concordam que o Hemisfério deve ser de controle exclusivo dos Estados Unidos. A Doutrina Monroe faz parte do ABC político dessas duas alas. A armadilha da dívida externa escraviza nossos povos sob o jugo do FMI e do Banco Mundial. Os abundantes recursos naturais nos tornam presas imediatas para os grandes monopólios industriais.

Donald Trump tem uma política extremamente favorável à voracidade das grandes petroleiras, e Brasil e Venezuela cheiram a petróleo. Elon Musk, o mais proeminente magnata trumpista, olha para as reservas de lítio de Brasil, Argentina, Chile e Bolívia com uma cobiça indisfarçável (basta lembrar de suas palavras quando do golpe na Bolívia).

Nos últimos anos, os Estados Unidos escalaram a ofensiva sobre o nosso continente. Se Donald Trump, em seu primeiro mandato, adotou uma política relativamente pacifista com relação ao resto do mundo, na América Latina ele quase derrubou os governos de Nicarágua (2018) e Venezuela (2019), além de ser bem-sucedido com o golpe de Estado na Bolívia (2019) e a eleição de um fantoche no Brasil (2018).

Ao mesmo tempo em que mantinha o espólio dos nossos países, o protecionismo de Donald Trump (seguido, em muitos aspectos, por Joe Biden) afetou duramente as exportações do Brasil. Ele impôs uma tarifa de 25% ao aço brasileiro, acusando-nos de ser uma “ameaça à segurança nacional dos EUA”. Biden manteve essa medida e agora todos consideram que as tarifas também prejudicarão a exportação de milho, soja, ferro, biocombustíveis e partes de maquinário.

As transações comerciais com os EUA já tiveram um déficit de 1,1 bilhão de dólares em 2023 e a redução das exportações, motivada pelas altas tarifas, deverá elevar ainda mais esse déficit. A política econômica de Donald Trump também deverá elevar os juros e valorizar o dólar, conduzindo ao aumento da inflação no Brasil. A grande imprensa monopolista brasileira – sucursal dos veículos estadunidenses – já está usando isso para pressionar ainda mais fortemente por um arrocho fiscal, porque os bancos internacionais precisarão compensar as perdas com o protecionismo nos EUA aumentando o espólio dos outros países.

A necessidade de um reposicionamento do Brasil

Se for mantida a política de submissão (que Lula não tem conseguido superar) diante dos EUA, a crise econômica no Brasil vai piorar vertiginosamente. Claro que os primeiros a senti-la (e os que a sentirão mais profundamente) são os pobres, os trabalhadores e os camponeses. Mas os empresários que não pertencem – totalmente – ao seleto grupo de sanguessugas e parasitas antinacionais também serão fortemente afetados.

O Brasil vai presidir o BRICS no primeiro ano de mandato de Donald Trump nos Estados Unidos. Uma das principais tarefas do país será avançar com o processo de desdolarização dentro do bloco, iniciado e impulsionado por China e Rússia. Dentre os sérios equívocos do governo com relação ao BRICS, está o de optar por um processo mais lento de abandono do dólar como moeda exclusiva de negociação. Diante da nova realidade, isso terá de ser revisto e revertido, porque a redução e – oxalá – o fim da dependência do dólar é uma necessidade imperativa para qualquer nação que pretende ser soberana.

Com efeito, a presidência brasileira do BRICS em meio ao relacionamento econômico crescentemente negativo com os EUA de Donald Trump abre uma oportunidade imperdível de distanciamento dessa dependência quase escravagista. Ao ver dificultada a exportação de soja para os EUA, por exemplo, o Brasil pode orientá-la para a China. O aço também pode ser dirigido para os Emirados Árabes e a América Latina e Caribe, grandes importadores do Brasil.

Além do BRICS, abre-se também uma chance de fortalecimento da integração latino-americana através dos mecanismos regionais como a Celac e o Mercosul (desde que a política desse organismo seja reorientada para os interesses nacionais). Agora que os democratas tomaram uma surra e foram escorraçados da Casa Branca, do Congresso e do Senado, pode ser que o presidente Lula também se sinta menos amarrado às suas pressões, volte atrás nos ataques do governo à Venezuela e à Nicarágua e busque retomar as boas relações com os dois países, o que seria vital para o fortalecimento do Brasil e da região diante da ofensiva que virá.

Porque se o governo continuar com suas hostilidades contra os países irmãos, estará objetivamente aliando-se a Donald Trump. Isso vai deixar claro para todos os ingênuos dirigidos pela rede Globo que o ataque à Venezuela não passa de um alinhamento à extrema direita nacional e internacional.

Aqui entra um ponto delicadíssimo que merece profunda reflexão de Lula e do PT. A vitória de Donald Trump impulsiona os instintos golpistas de toda a oligarquia latino-americana e, particularmente, da extrema direita, ainda em crescimento. Ela não fica apenas animada e motivada, mas vai também receber apoio material para desestabilizar os governos minimamente nacionalistas da região. Se Javier Milei já demonstrou ser a ponta de lança da ofensiva imperialista na América Latina, com Donald Trump no poder nos EUA essa parceria vai crescer.

A pressão sobre o Brasil vai dobrar. Jair Bolsonaro acaba de declarar que a eleição de Donald Trump “é um passo importantíssimo” para ele mesmo voltar ao governo – e, se não for possível, alguém apoiado por ele. Mas o capitão reformado não escondeu suas esperanças no apoio do novo governo dos EUA: “acredito que o Trump gostaria que eu fosse elegível.” Demonstrando sua disposição apaixonada de servir novamente ao imperialismo americano, como se estivesse balançando o rabinho para o dono, Jair Bolsonaro disse que “sabe o seu lugar”: “estou para ele como o Paraguai está para o Brasil”.

É tão claro como a água que a oposição bolsonarista vai tentar tirar o máximo proveito do fato de Donald Trump assumir o governo para prender ainda mais o Brasil sobre o colo do Tio Sam. Porque, embora Donald Trump não seja um representante típico do sistema imperialista americano, os bolsonaristas – amantes da bandeira americana – o veem como o grande símbolo do poder e da força dos Estados Unidos, que devem reinar eternamente sobre a face da Terra. No Congresso brasileiro há muitos exemplos dessa vassalagem, a começar por Eduardo Bolsonaro, que esteve abraçando Donald Trump em Mar-a-Lago.

Mas os agentes dos EUA estão espalhados por todo o Congresso e também pelos governos estaduais, prefeituras e todos os órgãos de poder no Brasil. Lula e o PT terão de enfrentá-los de maneira contundente, o que significa abandonar as alianças que fazem até mesmo com os próprios bolsonaristas – o PT apoia 52 prefeitos que também são apoiados pelo PL. A imprensa está aproveitando tanto o resultado das eleições municipais quanto o das americanas para fazer campanha por um governo de centro, ou seja, da direita oligárquica neoliberal e lacaia dos EUA – ou de uma frente ampla à qual Lula se submetesse com medo do espantalho do bolsonarismo.

Mas essa quinta coluna, que também está dentro do governo, é tão agente do regime americano quanto os bolsonaristas, por isso seus ataques retóricos a Donald Trump ou a Jair Bolsonaro não devem ser mal-interpretados como nacionalismo. Uma deposição de Lula (seja nas eleições ou não) pode servir tanto aos interesses de Donald Trump como aos do establishment imperialista.

A conclusão, mais uma vez, é a de que o governo Lula ainda pode reduzir a dependência brasileira do imperialismo americano, aproveitando-se do enfraquecimento do Deep State e do regime como um todo com o isolacionismo de Donald Trump. Mas para isso terá a obrigação de combater os agentes dos EUA no Brasil, que poderiam se unificar para evitar que o Brasil se afaste dessa dependência.

*Eduardo Vasco é jornalista. Autor, entre outros livros, de O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass. [https://amzn.to/3AjFjdK]


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