Rabi Nahman de Breslav

Imagem: Zeeshaan Shabbir
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ARI MARCELO SOLON*

A dialética do fundador do existencialismo fenomenológico

1.

A tese de Joseph Weiss submetida a Gershom Scholem, em novembro de 1950, “A teoria dialética e a fé de Rabi Nahman de Breslov”, tinha quatro capítulos. O quarto capítulo sugeria que o neto do fundador do hassidismo, Rabi Nahman de Breslav, tinha uma visão revolucionária não pela mística, não pela razão, o homem se submete a um Deus presente no mundo.

Numa visão acósmica do Maguid de Mezeritch, discípulo do fundador, e do alter rebbe, mas com uma fé paradoxal e atormentada, Deus é absolutamente transcendente, não está ao alcance de nós. O homem nunca tem certeza de sua fé.

Esse paradoxo dialético inaugura uma visão absolutamente antropológica e pessimista do ser humano.

Antecipa a ontologia existencialista de Soren Kierkegaard e Martin Heidegger. Antecipa o contraponto fé e mística, de Emil Brunner e de Karl Barth.

Apenas citado neste capítulo IV, está o orientando de Heidegger, Jonas, e seu livro A gnose tardia. Seu orientador, Gershom Scholem, rejeitou a tese, especialmente o capítulo IV. Gershom Scholem era a favor de uma análise de um método filológico-histórico a la Hegel, jamais um método fenomenológico existencialista a la Heidegger.

Suspeitava que nesse capítulo seu orientando atestava uma enfermidade mental. Rejeitou a tese, e Joseph Weiss foi obrigado a se mudar para Londres. Em 1969, comete suicídio.

2.

Assim eu via a obra antes de ler o excelente livro Tikkun ha-Paradox, da excelente editora radical Blima Books. Jonatan Meir também coloca o contexto apropriado.

Gershom Scholem jamais abandonou seu orientando, apoiou-o em Londres com bolsas, e, depois do suicídio, fez uma conferência em sua memória.

A tese não seria tanto como eu achava, de inspiração cristã-filosófica, mas o próprio professor de Weiss, o autor do perfeito Filosofia do judaísmo, que temos traduzido no Brasil pela Perspectiva.

Já tinha essa visão filosófica do judaísmo. Não existe esse contraponto no qual acreditava, história hermenêutica a la Hegel e fenomenologia existencial a la Heidegger. Tudo era menos dramático.

Eis o contexto do precioso livro de Jonatan Meir.

Joseph G. Weiss (1918–1969) chegou a Jerusalém vindo de Budapeste em dezembro de 1939 e matriculou-se na Universidade Hebraica, onde estudou história judaica, filosofia judaica, Cabala e filosofia geral. Assistiu a palestras de Julius Guttmann, Shmuel Hugo Bergmann, Yitzhak Baer, Gershom Scholem e outros. Joseph Weiss inicialmente pretendia estudar a poesia medieval dos judeus da Espanha, e até escreveu vários artigos sobre literatura hebraica, mas rapidamente se aproximou de Gershom Scholem e do estudo da Cabala.

Ele adotou uma atitude bastante crítica em relação aos desenvolvimentos na Palestina e parece ter-se abstido de envolvimento político nesta altura, apesar do fervor sionista no espírito de Martin Buber que o trouxe à Palestina em primeiro lugar. Ele recebeu seu mestrado pela Faculdade de Humanidades em 1947 e escreveu uma dissertação de doutorado sob a supervisão de Gershom Scholem, primeiro sobre R. Nahman de Bratslav e posteriormente sobre o Baal Shem Tov.

A complicada história da dissertação sobre a fé dialética nos ensinamentos de R. Nahman que ele apresentou em 1950 está há muito tempo envolta em mistério, circunstâncias que deram origem a afirmações como fiz acima. Com isso, um relato completo da dissertação, apresentado em todo o seu contexto, é trazido aqui pela primeira vez.

Longe dos escândalos que havia lido em Jacob Taubes e me inspirado no artigo “O Judaísmo em Hannah Arendt”, do meu livro Direito e tradição. De qualquer forma, mesmo se o contexto da tese eu tenha lido errado, a sua leitura não deixa de ser surpreendente, deixa-nos estupefatos, pois diante dela não consigo ver graça em nenhuma tese acadêmica.

*Ari Marcelo Solon é professor na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prisma). [https://amzn.to/3Plq3jT]

Referências


MEIR, Jonatan. Tikkun ha-Paradox: Joseph G. Weiss, Gershom Scholem, and the Lost Dissertation on R. Nahman of Bratslav. Jewish Thought, v. 4, p. 151-206, 2022.

SOLON, Ari Marcelo. Direito e tradição. São Paulo: Elsevier, 2009.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Carlos Tautz Armando Boito Fernão Pessoa Ramos Jean Marc Von Der Weid Andrew Korybko Lorenzo Vitral Alysson Leandro Mascaro Kátia Gerab Baggio Samuel Kilsztajn Daniel Costa Matheus Silveira de Souza Afrânio Catani Eleutério F. S. Prado Luiz Werneck Vianna Caio Bugiato Luiz Roberto Alves Antônio Sales Rios Neto Marcelo Módolo Sandra Bitencourt Julian Rodrigues Luís Fernando Vitagliano Michael Löwy Michel Goulart da Silva Heraldo Campos Everaldo de Oliveira Andrade Leonardo Boff Daniel Afonso da Silva Ricardo Abramovay Ronald Rocha João Lanari Bo Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Francisco de Oliveira Barros Júnior Ricardo Musse José Geraldo Couto Paulo Capel Narvai Juarez Guimarães Otaviano Helene Ricardo Fabbrini Valerio Arcary Annateresa Fabris Anselm Jappe Vladimir Safatle Daniel Brazil André Singer Jean Pierre Chauvin Antonino Infranca Salem Nasser Marjorie C. Marona Eduardo Borges Rubens Pinto Lyra Slavoj Žižek Eugênio Bucci Liszt Vieira João Paulo Ayub Fonseca Jorge Branco Luiz Bernardo Pericás Plínio de Arruda Sampaio Jr. João Feres Júnior Elias Jabbour Marcus Ianoni José Raimundo Trindade José Luís Fiori Leda Maria Paulani Luis Felipe Miguel Francisco Fernandes Ladeira Vinício Carrilho Martinez Marcelo Guimarães Lima Dênis de Moraes Priscila Figueiredo José Micaelson Lacerda Morais Marilia Pacheco Fiorillo José Machado Moita Neto Henry Burnett José Costa Júnior Denilson Cordeiro Leonardo Sacramento Bruno Machado Osvaldo Coggiola Celso Favaretto Gilberto Lopes Paulo Sérgio Pinheiro Milton Pinheiro Paulo Fernandes Silveira Berenice Bento Sergio Amadeu da Silveira João Adolfo Hansen Manuel Domingos Neto Antonio Martins Lincoln Secco Henri Acselrad Chico Whitaker João Sette Whitaker Ferreira Claudio Katz Chico Alencar Flávio R. Kothe Gerson Almeida Rodrigo de Faria Ari Marcelo Solon Eleonora Albano Thomas Piketty Leonardo Avritzer Érico Andrade Igor Felippe Santos Marcos Aurélio da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Jorge Luiz Souto Maior Benicio Viero Schmidt João Carlos Salles Bernardo Ricupero Tales Ab'Sáber Tadeu Valadares Luiz Marques Carla Teixeira Francisco Pereira de Farias Luiz Carlos Bresser-Pereira Flávio Aguiar Luiz Eduardo Soares Eliziário Andrade Walnice Nogueira Galvão Luciano Nascimento Michael Roberts Mário Maestri Alexandre de Lima Castro Tranjan Fernando Nogueira da Costa José Dirceu Luiz Renato Martins Vanderlei Tenório Alexandre de Freitas Barbosa Lucas Fiaschetti Estevez Remy José Fontana Boaventura de Sousa Santos Dennis Oliveira Maria Rita Kehl Marcos Silva Andrés del Río Gabriel Cohn Gilberto Maringoni Manchetômetro Renato Dagnino Ronald León Núñez Tarso Genro Ladislau Dowbor Rafael R. Ioris Paulo Martins Yuri Martins-Fontes Eugênio Trivinho João Carlos Loebens Fábio Konder Comparato André Márcio Neves Soares Bruno Fabricio Alcebino da Silva Atilio A. Boron Mariarosaria Fabris Bento Prado Jr. Airton Paschoa Ricardo Antunes Paulo Nogueira Batista Jr Anderson Alves Esteves Marilena Chauí Celso Frederico Alexandre Aragão de Albuquerque

NOVAS PUBLICAÇÕES