Por JORGE PRADO TEIXEIRA*
O preconceito não se manifesta por uma atitude franca, sincera, clara, mas por atitudes inibitórias, ou melhor, por meio de um jogo psicológico hábil que leva o homem de cor a constranger-se e “voltar para o seu lugar”
Sancionada a lei contra os preconceitos de raça e cor, entrará em vigor dentro de quinze dias. O fato vem revelar o reconhecimento, por parte dos poderes constituídos, da existência desse preconceito entre nós, apesar de muito se afirmar que no Brasil existe apenas “preconceito econômico”. [i]
Na verdade, o preconceito de cor, muito mais do que o de raça, faz-se sentir, principalmente, em São Paulo. Todavia, ele não se manifesta por uma atitude franca, sincera, clara, mas por atitudes inibitórias, ou melhor, por meio de um jogo psicológico hábil que leva o homem de cor a constranger-se e “voltar para o seu lugar”. [ii]
O preconceito existe, independente do grau de cultura dos indivíduos e, não se manifesta declaradamente, mas disfarçado. A sanção da lei contra os preconceitos levou a reportagem do JORNAL DE NOTÍCIAS a ouvir o prof. Jorge Prado Teixeira, membro da Comissão de Pesquisas sobre as Relações Raciais para UNESCO. [iii]
A respeito da lei em questão, assim se manifestou o entrevistado:
A lei é muito oportuna, porque demonstra que o próprio governo reconhece a existência de uma situação de desigualdade no tratamento dispensado ao negro brasileiro. Essa lei procura redimir parte das culpas coletivas que envergonham os nossos corações de brasileiros, amantes da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
Não existe um ódio racial declarado, como nos Estados Unidos, mas tão somente um preconceito disfarçado, fruto em parte da mania de imitação e do “snobismo” imperante nas classes sociais elevadas, e, de outra feita, motivado pela precária situação econômica do negro que, com a moral abatida e um baixíssimo nível intelectual, representa, dentro da comunidade brasileira, o seu marginal.
Leis não modificam costumes nem taras. O que se torna necessário é a apresentação de leis que proporcionem níveis econômico e cultural dessas camadas menos favorecidas, para que as mesmas se integrem perfeitamente dentro da sociedade brasileira, formando um todo uno e coeso. [iv] O que é preciso é orientar o negro e proporcionar-lhe meios para se constituir em elemento útil para si e para a coletividade.
A lei beneficiará a minoria
Cada vez que nos aprofundamos mais no estudo da constatação do preconceito de cor em São Paulo, temos a certeza absoluta de que esse fenômeno social está bem enraizado em nossa sociedade. Não será com leis coibidoras que se poderá dar solução ao problema.
Essa lei virá beneficiar, apenas, a minoria da população negra do Brasil que, no caso, é a visada, isto é, a lei visa beneficiar os componentes do grupo que estão em situação privilegiada. A maioria, quase absoluta, ficará sofrendo todas as manifestações hostis que lhe são dirigidas.
Plano de reerguimento do negro
O Estado e a União têm dado todo apoio e amparo possível ao incremento da imigração em prejuízo de um melhor cuidado que deveriam dar à parte ponderável da população brasileira a fim de evitar o desenvolvimento da mortalidade infantil e das doenças advindas da corrupção sexual que liquidam com milhares de brasileiros incautos, atualmente.
A prova disto está em que há pouco tempo o Estado e União deram a cerca de cem famílias holandesas mais de vinte milhões de cruzeiros para se estabelecerem com uma grande fazenda de criação, no município de Mogi-Mirim. [v]
Vinte milhões de cruzeiros nas mãos de um grupo de negros cultos e esclarecidos e, sobretudo, honestos, seriam suficientes para a realização de um grande plano de reerguimento do negro brasileiro, cobrindo a falha da abolição que quebrou os grilhões da tortura física, mas fez com que esses libertos sofressem as torturas morais do páreo, porque não houve um período de transição para prepará-los convenientemente ao usufruto da condição de homem livre dentro de uma sociedade de homens livres.
* Jorge Prado Teixeira estudou ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, foi um dos conferencistas do I Congresso do Negro Brasileiro (1950), dirigiu a Associação José do Patrocínio, foi Secretário da Comissão para o Estudo das Relações Raciais da Pesquisa UNESCO, em São Paulo (1951) e Secretário Geral do Movimento Afro-Brasileiro de Educação e Cultura (MABEC). [vi]
Referências
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Notas
[i] Pesquisa, edição e notas de Diogo Valença de Azevedo Costa (UFRB) e Paulo Fernandes Silveira (FEUSP e GPDH-IEA). Essa entrevista com Jorge Prado Teixeira foi publicada no Jornal de Notícias, no dia 7 de julho de 1951. Agradecemos a Renata de Goes Cordeiro Teixeira dos Reis, funcionária da Universidade de São Paulo (USP), pelas informações sobre seu pai Jorge Teixeira.
[ii] Essa reportagem do Jornal de Notícias traz duas imagens da artista e antropóloga norte-americana Katherine Dunham (REERGUIMENTO, 1951). Em 8 de julho de 1950, quando estava em turnê pelo Brasil apresentando um espetáculo de música e dança, Dunham teve sua reserva de hospedagem no Hotel Esplanada negada pelo fato dela ser uma mulher negra. Alguns dias depois, a artista denunciou na imprensa o caso de racismo:
“Há cerca de dois meses, meus agentes em São Paulo procuraram a gerência do Hotel Esplanada e pediram que fossem reservados aposentos para mim e meu marido, sendo marcada, inclusive, a data da minha chegada. (…) A procura do Esplanada obedeceu, acima de tudo, a proximidade do hotel, situado junto do Teatro Municipal.
Tudo ficou perfeitamente entendido, até que, sábado último, meu representante foi procurado pelo chefe de recepção do estabelecimento, que o cientificou não ser possível a reserva de aposentos para mim, porque o regulamento interno proibia que no Esplanada se hospedassem pessoas de cor. Essa informação do chefe de recepção do hotel foi confirmada pelo gerente.
Causou-nos espécie essa resolução e esse regulamento, porque em nenhuma parte do mundo onde estive ocorreu um fato idêntico. No Rio de Janeiro, estive hospedada no Hotel Copacabana, onde sempre fui tratada com máxima deferência. Estamos realmente surpreendidos com o fato porque jamais soubemos que no Brasil, terra generosa e boa, houvesse distinção de raça e preconceito de cor” (REVOLTANTE, 1950, p. 12).
No fim da turnê, Katherine Dunham abriu uma ação por crime de injúria contra a Companhia Brasileira de Grandes Hotéis, que administrava o Hotel Esplanada (KATHERINE DUNHAM, 1950).
Na sessão do dia 17 de julho da Câmara, o deputado Afonso Arinos apresentou o projeto de lei nº 562, contra o preconceito de raça ou de cor (BRASIL, 1950c). No dia seguinte, o Correio da Manhã publicou o projeto na íntegra (MEDIDAS LEGISLATIVAS, 1950). O projeto de lei teve o apoio do deputado e sociólogo Gilberto Freyre (DOIS RACISMOS, 1950).
Em 3 julho de 1951, a lei Afonso Arinos foi sancionada (SANCIONADA, 1951). Nesse momento, estava sendo realizada a Pesquisa UNESCO sobre as relações raciais. O caso de racismo contra Katherine Dunham e a eficácia da lei contra o preconceito foram objetos de debate nas mesas redondas com intelectuais e militantes do movimento negro, promovidas por Roger Bastide e Florestan Fernandes, coordenadores da pesquisa, em São Paulo. Esses temas também são analisados por Bastide e Florestan (1955) nos textos que compuseram a pesquisa.
Florestan cita essa entrevista de Jorge Teixeira como uma das manifestações de reservas ou restrições à lei Afonso Arinos: “Parece que a lei não satisfez os anseios de igualdade de tratamento a que aspiram os negros nas suas relações com os brancos” (1955, p. 215).
Afonso Arinos não foi o primeiro a propor uma lei antidiscriminatória. Em 1945, ocorreu a primeira edição da Convenção Nacional do Negro Brasileiro, em São Paulo. Na convenção, foi redigido um manifesto com o apoio de diversos militantes, entre os quais, Abdias Nascimento (MEMÓRIA, 2021). Este manifesto apontava para a necessidade da Assembleia Nacional Constituinte, que se formaria no ano seguinte, criar uma lei antidiscriminatória.
Na segunda edição da Convenção, ocorrida em maio de 1946, no Rio de Janeiro, foram convidados: Hamilton Nogueira, que se apresentava como o senador dos negros (PELOS NEGROS, 1946), e os deputados Gilberto Freyre, Benício Fontenelle e Claudino Silva (AS COMEMORAÇÔES, 1946).
Diversos intelectuais que colaboraram com a Pesquisa UNESCO fizeram parte da Convenção Nacional do Negro Brasileiro. Numa das mesas redondas, o jornalista Geraldo Campos de Oliveira teceu algumas considerações sobre a lei Afonso Arinos: “Quero dizer apenas que ela é o resultado lógico de uma luta desenvolvida por algumas entidades de negros, que não é presente, que vem de muitos anos” (QUARTA MESA, 1951, p. 389).
Em março de 1946, o senador Hamilton Nogueira sustentou, na Assembleia Constituinte, que fosse estabelecido em lei: “a igualdade de todas as raças e considerado crime de lesa humanidade a contravenção a essa lei” (BRASIL, 1946a, p. 414).
A princípio, Luís Carlos Prestes, senador e secretário-geral do Partido Comunista do Brasil – PCB, apoiou a reivindicação trazida pelo movimento negro (NASCIMENTO, 1978). Em maio de 1946, Carlos Marighella e Claudino Silva, deputados do PCB e únicos representantes negros no Congresso, trataram da questão numa sessão da Assembleia Constituinte. Nessa ocasião, Silva chegou a sugerir: “Senhores Constituintes, no texto da Carta que estamos elaborando, onde se trata dos direitos dos cidadãos, bem poderíamos incluir os homens de cor” (BRASIL, 1946b, p. 33).
Em junho de 1946, Carlos Marighella, Claudino Silva e outros deputados do PCB propuseram a emenda antidiscriminatória nº 3600, que não foi aprovada: “Toda restrição direta ou indireta dos direitos contidos nessa Constituição ou, inversamente, o estabelecimento de privilégios diretos ou indiretos em razão de raça, religião, credo filosófico ou político, assim como toda propaganda de exclusivismo racial ou de luta religiosa serão punidos por lei” (BRASIL, 1948, p. 215).
Em agosto de 1946, outra emenda antidiscriminatória foi apresentada. Para surpresa das lideranças do movimento negro, o PCB foi o primeiro partido a votar contra esta emenda: “Declaramos ter votado contra a emenda nº 1089, do nobre Deputado Benício Fontenelle, que atribui a todos os brasileiros igualdade perante a lei, sem distinção de raça ou cor. Preferimos a redação do projeto que declara: são iguais todos os brasileiros perante a lei. Tal redação evidentemente atende melhor aos objetivos em causa, ao passo que a emenda do nobre Deputado é restritiva” (BRASIL, 1950a, p. 419).
Segundo Abdias Nascimento, tempos mais tarde, Claudino Silva confessaria, “numa sessão pública da Convenção, no Rio, que apenas seguira uma orientação do partido para votar contra uma aspiração saída de um movimento puramente de negros” (1978, p. 33).
Por outro lado, o 5º parágrafo do artigo 141, onde figura a única menção ao preconceito de raça na Constituição de 1946, teve a colaboração de Jorge Amado e de outros deputados do PCB: “Não será tolerada, porém, propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe” (BRASIL, 1950b, p. 239).
[iii] Intelectual e militante do movimento negro, Jorge Teixeira foi secretário da Comissão para o Estudo das Relações Raciais da Pesquisa UNESCO, em São Paulo. Na primeira mesa redonda organizada pela pesquisa, realizada na Biblioteca Municipal, em 8 de maio de 1951, Jorge Teixeira sustenta que foi escolhido para ser secretário da comissão pelo fato de estar cursando sociologia (PRIMEIRA MESA REDONDA, 1951).
Ao apresentar os objetivos da pesquisa, Roger Bastide argumenta: “Falando deste assunto com meu amigo Jorge Teixeira, ele teve a ideia muito feliz de fazer uma mesa redonda para discutir entre nós este preconceito de cor, ou da existência de miscigenação racial asiática. Foi por isso que pedi o comparecimento de alguns intelectuais negros e dos líderes de cor, assim como de alguns estudantes brancos que se interessam pelo problema racial” (PRIMEIRA MESA, 1951, p. 1).
Além de presidir e coordenar algumas das mesas redondas, Jorge Teixeira foi o responsável pelo contato com as lideranças negras que colaboraram com a pesquisa. Ele também elaborou o relatório: Casamento de negros qualificados na classe alta da comunidade negra (CAMPOS, 2014).
Como Jorge Teixeira, outras lideranças negras que colaboraram com a Pesquisa UNESCO participaram, um ano antes, do I Congresso do Negro Brasileiro. Nas mesas redondas, algumas se afirmam amigas de Roger Bastide. Outro vínculo importante entre os professores da USP e os intelectuais militantes do movimento negro foi o professor Antonio Candido de Mello e Souza, que fazia parte de um grupo socialista no qual militavam: Luiz Lobato, Geraldo Campos Teixeira e Sofia de Campos Teixeira, lideranças negras que colaboraram com a Pesquisa UNESCO (SOTERO, 2015).
Em A integração do negro na sociedade de classe, Florestan Fernandes retoma as transcrições das mesas redondas da Pesquisa UNESCO. Na introdução, o sociólogo afirma: “Pedimos vênia para prestar uma homenagem a Jorge Prado Teixeira, um colaborador inestimável e um infatigável batalhador pela causa do negro, que infelizmente foi roubado ao círculo dos vivos” (2008, p. 26-27).
Numa nota de rodapé, Florestan refere-se a Jorge Teixeira como um: “promissor intelectual jovem do ‘meio negro’, que morreu prematuramente e que prestou construtiva colaboração à nossa pesquisa” (2008, p. 109, n. 114).
[iv] Nessa passagem, Jorge Teixeira destaca uma questão central no debate sobre o teor e o alcance da lei Afonso Arinos. Como aponta Florestan, tratava-se de “um projeto de lei apresentado por um deputado conservador, o sr. Afonso Arinos de Mello Franco, representante da União Democrática Nacional por Minas Gerais” (1955, p. 211). Ainda que pudesse ser um instrumento relevante contra algumas formas de preconceito de cor ou de racismo, a lei Afonso Arinos ignorava todas as injustiças econômicas e culturais às quais a população negra estava submetida.
Essa questão também foi formulada no parecer do deputado Plínio Barreto para o projeto de lei de Afonso Arinos: “Enquanto o branco mantiver a supremacia econômica, que lhe veio dos antigos senhores de escravos, e os pretos continuarem, pela escassez de recursos, a constituírem as classes mais pobres, os preconceitos persistirão. Não haverá leis que os destruam. Mas isso não impede que por meio delas se eliminem algumas das manifestações públicas desse preconceito” (O ORGULHO, 1950, p. 1; PRECONCEITOS, 1950, p. 3).
Aqueles anos foram marcados pela Guerra Fria. Em outubro de 1949, os comunistas chineses tomaram Pequim. Entre 1950 e 1953, os jornais brasileiros cobriram diariamente os conflitos entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul, que tiveram a interferência direta da China e dos Estados Unidos. Em 3 de julho de 1951, dia em que a lei Afonso Arinos foi sancionada, a manchete do jornal paulista A Tribuna foi: “Os comunistas aceitaram a proposta da ONU para negociar a paz” (1951, p. 1).
Por considerar que a Rússia comunista procurou abolir os preconceitos de raça, logo após o deputado Afonso Arinos apresentar o projeto de lei na Câmara, Gilberto Freyre concedeu uma entrevista manifestando sua preocupação com a repercussão do racismo enfrentado por Katherine Dunham. Segundo Freyre, havia o perigo do caso ser utilizado pelos agentes russos “para excitar ódios de classe ou de grupo contra grupos” (DOIS RACISMOS, 1950, p. 3).
Num artigo publicado no calor do debate sobre preconceito de raça no Brasil, Freyre argumenta que o racismo grotesco dos brancos não deveria motivar o desenvolvimento de um racismo inverso: “Isto é, um racismo de gente de cor, contra os brancos, e que faça do preto ou do pardo da pele uma espécie de insígnia de confraria como que religiosa ou mesmo política. Um racismo melanista que pretenda concorrer às eleições com candidatos exclusivamente pretos e pardos” (1950, p. 1).
O deputado Hermes Lima tentou incluir no projeto de lei de Afonso Arinos a “proibição de formação de ‘frentes negras’ ou de quaisquer modalidades de associação com fins políticos baseados na cor” (BRASIL, 1950d, p. 5844).
Em 26 de agosto de 1950, um mês após apresentar o projeto de lei, Afonso Arinos participou da mesa de abertura do I Congresso do Negro Brasileiro, organizado pelo Teatro Experimental do Negro – TEN, que contou com o patrocínio da Câmara dos Deputados (INSTALADO, 1950). A mesa de abertura do Congresso aprovou uma moção destacando o perigo da exploração de preconceitos com objetivos políticos.
Ao que parece, alguns políticos brancos e conservadores temiam que os negros deixassem de votar naqueles que diziam representá-los, para começarem a votar em candidatos negros que, efetivamente, se preocupassem com a realidade econômica e cultural da população brasileira negra.
[v] Essa é uma referência às subvenções do governo brasileiro às famílias holandesas que imigraram, nos anos 1940 e 1950, para o interior de São Paulo, ajudando a criar a cidade de Holambra (PERRIN, 1958). Na conferência “O negro – o preconceito – meios de sua extinção”, apresentada no I Congresso do Negro Brasileiro, em 1950, Jorge Teixeira e Rubens Gordo (1982) desenvolvem este mesmo argumento.
Em 1951, Murilo Marroquim, colunista de política do periódico carioca O Jornal, cobriu a viagem do vice-presidente Café Filho à Europa. Num artigo redigido na cidade de Haia, Marroquim defende a imigração dos holandeses como uma estratégia política para construir um: “dique racial e social contra as conquistas do comunismo” (1951, p. 1).
[vi] Apesar de ter falecido com apenas 35 anos, o curto período de vida de Jorge Teixeira (1925-1960) foi repleto de ações na luta pelos direitos da comunidade negra. No livro Quem é quem na negritude brasileira, o poeta Eduardo de Oliveira (1998) destaca alguns feitos importantes do seu companheiro de militância.
Entre os documentos que nortearam a Pesquisa UNESCO, em São Paulo, estão pequenas autobiografias dos intelectuais e militantes do movimento negro. A autobiografia elaborada por Jorge Teixeira (1951) é a mais longa e detalhada. Diversos outros registros das atuações política e acadêmica de Teixeira foram noticiados nos jornais da época.
Em seu relato autobiográfico, Jorge Teixeira (1951) analisa uma série de violências racistas que sofreu desde a infância, em Ribeirão Preto, cidade onde nasceu e completou o ensino básico, antes de mudar-se para a cidade de São Paulo. Criado por uma família branca com boa situação econômica e cultural, Teixeira completou os sete anos do ensino secundário. Ao terminar o colégio, convencido por um amigo branco, Teixeira entrou num curso preparatório para carreira diplomática:
“Já tinha algum conhecimento de inglês e nessa língua esmerei-me, assim como no francês. Sabia, no final de dois anos de estudos, todo o programa solicitado para os exames a se efetuarem no Instituto Rio Branco. Também tinha bom conhecimento de que solicitavam sobre Direito Internacional, etc. Entretanto, no decorrer dessa preparação, fiquei ciente de que negro não podia seguir carreira diplomática, e, sendo assim, resolvi não tentar uma recusa formal no Rio de Janeiro” (1951, p. 15).
Em São Paulo, mesmo passando em segundo lugar num concurso, Jorge Teixeira enfrentou dificuldades para assumir o cargo, uma vez que a diretoria da repartição não queria contratar um jovem negro: “Creio que a cor limita muito as oportunidades de trabalho para os negros. Conheço vários casos em que se manifestou essa limitação. Relativamente a mim, tenho a dizer que sofri a manifestação de preconceito quando ingressei no serviço público” (1951, p. 2).
Guardadas as enormes diferenças entre as oportunidades de estudo e de trabalho das pessoas brancas e das pessoas negras, a biografia de Florestan Fernandes tem alguns pontos semelhantes com a biografia de Jorge Teixeira. Filho de uma empregada doméstica, na infância, Florestan (1977) morou na casa de uma família com boa situação econômica e cultural, o que lhe permitiu sonhar. Todavia, por conta da sua situação financeira, teve restringidas suas oportunidades de estudo e de trabalho.
Aos quinze anos de idade, Jorge Teixeira começou a militar nas associações negras de Ribeirão Preto (TEIXEIRA, 1951). No início de 1950, o militante negro Oswaldo Conceição levou exemplares do jornal Quilombo para militantes das associações negras de Ribeirão Preto, e convidou-os para participar do I Congresso do Negro Brasileiro, que seria realizado naquele ano, no Rio de Janeiro (REPERCUTE, 1950).
Os representantes do interior de São Paulo no I Congresso do Negro foram os jovens Jorge Teixeira e Rubens Gordo. Na comitiva de intelectuais e militantes paulistas que fizeram parte do congresso, estavam Roger Bastide e Florestan Fernandes.
Quando participou da Pesquisa UNESCO, Jorge Teixeira era o diretor da Associação José do Patrocínio. Segundo Eduardo de Oliveira, essa e outras instituições afro-negras: “tinham por finalidade última alfabetizar, instruir e fazer com que o negro brasileiro de São Paulo se qualificasse como leitor e como cidadão pleno” (1998, p. 152).
Anúncios dos anos 1950 informam que a José do Patrocínio oferecia cursos gratuitos de alfabetização de adultos, corte e costura, inglês, extensão de português e matemática, desenho mecânico e preparação para o exame de admissão ao ginásio, curso precursor dos pré-vestibulares comunitários (ADMISSÃO, 1954; ASSOCIAÇÃO, 1956).
A Pesquisa UNESCO promoveu seminários semanais com intelectuais e militantes negros na sede da José do Patrocínio (FERNANDES, 2017).
Em outubro de 1941, aproveitando a estadia de Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, no Hotel Esplanada, diretores da José do Patrocínio o procuraram para reclamar dos anúncios de emprego que indicavam preferir pessoas brancas (NOGUEIRA, 1942). A sede da José do Patrocínio ficava na rua Formosa, n. 433, a poucos metros do Hotel Esplanada. Esse encontro foi noticiado pelo Diário da Noite. Os diretores da José do Patrocínio também enviaram cartas para o presidente Getúlio Vargas (ANDREWS, 1998).
No 1º de maio de 1943, Vargas anunciou a Consolidação das Leis de Trabalho – CLT. A demanda da José do Patrocínio e do movimento negro foi contemplada, o artigo 373-A determina: “Ressalvas às disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades nos acordos trabalhistas, é vedado: I- publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir” (Decreto-Lei nº 5.452, 1943).
Mesmo depois de entrar em vigor, a CLT não impediu que grandes jornais continuassem publicando anúncios de emprego com as mesmas determinações racistas (COPEIRA-ARRUMADEIRA, 1947; EMPREGADA DOMÉSTICA, 1951).
O racismo nos anúncios de emprego foi estudado, quase dez anos antes, por Oracy Nogueira (1942), um dos sociólogos que participaram da Pesquisa UNESCO (CAMPOS, 2014). Esse tema foi debatido nas mesas redondas com os intelectuais do movimento negro e, posteriormente, analisado por Bastide e Florestan (1955) nos textos que apresentam os resultados finais da pesquisa.
A principal luta de Jorge Teixeira foi pela arregimentação do negro. Na comunicação que apresentam no I Congresso do Negro Brasileiro, Teixeira e Rubens Gordo sustentam: “Recomendamos, pois, que esse egrégio Congresso nomeie uma comissão permanente, a fim de estudar a organização de uma entidade de âmbito nacional, com as finalidades enquadradas nas letras estatutárias, de se desenvolver atividades no terreno da arregimentação dos negros brasileiros, com planos de assistência social completa, prática intensiva e metódica de todos os esportes, recreação moderada e bem orientada, economia dirigida, dentro de uma bem planejada orientação financeira, incremento das associações de crédito, cooperativas de consumo e produção, creches, orientação escolar, profissional, alfabetização, e coligir dados referentes às atividades das associações negras, de todos os gêneros existentes no terreno nacional, com fins estatísticos e de orientação mútua” (1982, p. 80).
Num texto que era compartilhado no movimento negro (SOTERO, 2016), provavelmente, escrito por Jorge Teixeira, a arregimentação é defendida como uma forma de politizar as pessoas negras para votarem em candidatos e candidatas negras que defendam seus direitos: “O dia em que pudermos elevar no Parlamento Nacional e nas Câmaras Estaduais e Municipais, negros que vieram da luta e têm consciência do seu dever para com a raça, então poderemos nos dispor a conquistas maiores, com a ajuda dos poderes governamentais” (TEIXEIRA, 1950, p. 15).
O texto sugere um conjunto de objetivos educacionais e políticos: “a) arregimentação de eleitores negros, e de brancos que queiram seguir os seus postulados; b) trabalho intenso no sentido da formação de eleitores; c) alfabetização intensiva para a formação de eleitores; d) orientação educacional e profissional; e) politização das massas; f) assistência social” (TEIXEIRA, 1950, p. 27).
Estão anexados ao texto folhetos da campanha de Raul Joviano Amaral, advogado, professor e funcionário público, que participou das mesas redondas da Pesquisa UNESCO, para deputado estadual de São Paulo, em 1950. Ele não foi eleito, mas teve boa votação (SOTERO, 2016).
Em 1947, Geraldo Campos Teixeira, que também participou das mesas redondas da Pesquisa UNESCO, foi candidato a vereador da cidade de São Paulo. Numa reportagem do jornal O Novo Horizonte, Geraldo Teixeira apresentou as diretrizes da sua plataforma política:
“Se o negro está submetido às mesmas contingências a que está submetido a maioria do povo brasileiro, se o negro luta contra a mesma falta de habitação. Luta contra a mesma deficiência de alimentação, contra a falta de carne, de leite e todos os gêneros de primeira necessidade. Luta contra a instrução cara. Contra o transporte deficiente e caro. Luta, é verdade, contra determinados fatores específicos, como a intolerância racial e o preconceito de cor. Mas a luta maior deve ser para a solução dos problemas gerais do nosso povo” (A LUTA, 1947, p. 1).
A professora e militante socialista Sofia de Campos Teixeira, que fez parte das mesas redondas e dos seminários da Pesquisa UNESCO, foi candidata à vereadora da cidade de São Paulo, em 1947 (SOTERO, 2015). Em 1950, Sofia de Campos foi candidata à deputada federal. Em defesa de sua candidatura, os editores do jornal Mundo Novo escreveram: “Sofia Campos Teixeira tem participado de todos os movimentos de emancipação não só dos negros como dos trabalhadores em geral, fazendo parte de várias entidades negras e jamais deixou de evidenciar a situação da mulher trabalhadora, concitando a luta em defesa dos seus mais sagrados direitos” (SOFIA CAMPOS, 1950, p. 5).
Num artigo publicado na Revista Senzala, o dentista e jornalista Francisco Lucrécio, que também participou das mesas redondas da Pesquisa UNESCO, e foi candidato a deputado estadual, em 1947, defende a fundação de um partido político dirigido por um grupo de negros: “evitar-se-ia a exploração de indivíduos e grupinhos que surgem nestas ocasiões, teimando em representar, o pensamento e a força eleitoral dos negros junto aos partidos, em benefício próprio” (1946, p. 14).
As candidaturas de pessoas negras foram defendidas pelo TEN e pelo jornal Quilombo. Em 1950, Abdias Nascimento foi candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Num argumento semelhante ao dos militantes de São Paulo, Nascimento afirma: “Nosso candidato precisa conhecer toda essa miséria que nos enlameia e arruína, para então ter a ousadia de levantar conosco a bandeira de igualdade tangível de oportunidades, já nossos direitos civis estão assegurados apenas pela letra da Constituição que rege nossos destinos” (1949, p. 4).
Entre 1948 e 1950, os 10 números do Quilombo, dirigido por Abdias Nascimento, analisou diversos problemas relacionados à população negra: a proibição do ingresso de alunos e alunas negras em algumas escolas particulares; o trabalho infantil de crianças negras; a precariedade da vida nos morros e nas favelas cariocas; a ausência de direitos das empregadas domésticas; a falta de oportunidades de ensino profissionalizante.
Em meados de 1954, Jorge Teixeira ajudou a criar o Movimento Afro-Brasileiro de Educação e Cultura – MABEC, que promoveu uma arregimentação com o objetivo de “tornar o negro uma força política atuante” (ARREGIMENTAÇÃO, 1954, p. 2). O MABEC surgiu vinculado aos diretores e demais militantes da Associação José do Patrocínio.
A principal incumbência do MABEC era selecionar e indicar pessoas negras que pudessem ser candidatas fortes em cada uma das eleições. Em 1954, os primeiros candidatos lançados pelo MABEC foram Raul Joviano Amaral e Aurino dos Santos, para deputado estadual, e o próprio Jorge Teixeira, para deputado federal (NEGROS, 1954).
No decorrer de sua campanha, Jorge Teixeira publicou um belo artigo sobre os problemas específicos da população negra brasileira. Numa análise que evoca algumas das ideias desenvolvidas nas mesas redondas da Pesquisa UNESCO, Teixeira nos convoca a refletir sobre a condição das pessoas negras após a abolição: “dos que, palmatória de tudo, enxameiam as favelas e os cortiços; dos que integram as legiões dos subnutridos; dos que não vivem; dos que, baldos de oportunidade, de recursos, de meios, alistam-se em maioria nos exércitos da miséria” (1954, p. 5).
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