Um imposto mínimo para os super-ricos

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Por DARON ACEMOGLU, GEORGE AKERLOF, ABHIJIT BANERJEE, ESTHER DUFLO, SIMON JOHNSON, PAUL KRUGMAN & JOSEPH STIGLITZ*

A introdução de um imposto mínimo sobre os ultrarricos, como proposto por diversos economistas renomados, visa corrigir a injustiça tributária atual

1.

Nunca foram tão ricos e, no entanto, contribuem muito pouco para os cofres públicos: de Bernard Arnault a Elon Musk, os bilionários têm taxas de imposto significativamente mais baixas do que o contribuinte médio.

Pesquisas pioneiras feitas em parceria com as autoridades fiscais de vários países mostram isso: esses super-ricos pagam algo entre 0% e 0,6% do seu patrimônio em imposto de renda individual. Em um país como os Estados Unidos, sua alíquota efetiva é de cerca de 0,6%, enquanto em um país como a França, é mais próxima de 0,1%.

Levando em conta todas as outras taxas obrigatórias (impostos corporativos, contribuições para a previdência social, impostos sobre o consumo, etc.), e expressos desta vez em porcentagem da renda, suas alíquotas efetivas acabam sendo mais baixas do que as dos contribuintes das classes populares, classe média e classe média alta. Os ultra-ricos contribuem menos do que os secretários ou os motoristas deles.

Como chegamos a este ponto? Resumindo, porque as grandes fortunas podem estruturar o seu patrimônio de forma a escapar ao imposto de renda, que deveria ser a pedra angular da justiça tributária. Nos países europeus, essa otimização passa pela criação de holdings familiares, nas quais os dividendos se acumulam protegidos da tributação.

Nos Estados Unidos, o uso de holdings para sonegar impostos é proibido desde a década de 1930, o que explica por que os ricos são mais tributados lá do que na Europa – embora alguns ainda tenham conseguido encontrar brechas.

Mas, felizmente, essa situação não é resultado de uma lei natural ou de um destino antigo: é o resultado de decisões humanas e escolhas políticas. Portanto, não é inevitável. Não só é preciso impor uma carga tributaria maior sobre os bilionários, mas, acima de tudo, isso é possível.

Uma das abordagens mais promissoras é a introdução de um imposto mínimo para os ultra-ricos, expresso em percentagem do seu património. Este dispositivo é eficaz, pois combate todas as formas de otimização, independentemente da sua natureza. É direcionado, pois se aplica apenas aos contribuintes mais ricos e apenas àqueles que recorrem à otimização fiscal. E é necessário, porque é difícil pedir a qualquer grupo social que faça sacrifícios antes de garantir que os mais ricos não escapem da tributação.

Em nível global, uma taxa mínima de 2% sobre a fortuna dos bilionários geraria cerca de 250 bilhões de dólares em receitas fiscais, provenientes de apenas cerca de 3.000 pessoas. Na Europa, cerca de US$ 50 bilhões poderiam ser arrecadados. E, ao estender essa alíquota mínima a indivíduos com patrimônio superior a US$ 100 milhões, esses valores aumentariam significativamente.

2.

Na França, os deputados da Assembleia Nacional votaram em fevereiro a favor da criação de um imposto mínimo de 2% sobre patrimônios superiores a 100 milhões de euros. Mesmo que o Senado se oponha a esse avanço, não há dúvida de que essa proposta está do lado certo da história. Em 2024, o Brasil colocou a questão na agenda do G20. Em 30 de junho de 2025, o Brasil e a Espanha anunciaram sua intenção de trabalhar juntos na tributação dos ultra-ricos, logo acompanhados pela África do Sul e pelo Chile. O movimento internacional está em andamento.

Numa época de contas públicas em desequilíbrio e explosão da extrema riqueza, o governo francês precisa pegar o projeto aprovado pela Assembleia Nacional. Não há motivo para esperar que um acordo internacional seja finalizado – pelo contrário, a França deve dar o exemplo, como fez no passado. Ainda mais porque os super-ricos são especialmente prósperos na França. Os bilionários do mundo têm um patrimônio equivalente a 14% do PIB mundial, segundo a revista Forbes; os franceses, quase 30% do PIB francês.

É claro que, assim como quando o imposto de renda foi introduzido no início do século XX, os oponentes dessa medida prevêem todo tipo de desastre. No entanto, nem a experiência histórica nem o conhecimento econômico sustentam suas alegações.

Claro, como na época da votação do imposto de renda no início do século XX, os que são contra essa medida dizem que vai dar tudo errado. Nem a experiência histórica, nem o conhecimento econômico lhes dão razão. O crescimento e a inovação não foram aniquilados pela tributação progressiva da renda. Ora, o imposto mínimo sobre os ultra-ricos apenas completaria a revolução iniciada há um século, submetendo às regras comuns as grandes fortunas que hoje escapam a elas.

Quanto ao risco de exílio fiscal, o projeto de lei aprovado pela Assembleia Nacional prevê que os contribuintes continuariam sujeitos ao imposto mínimo por cinco anos após deixar o país. O governo poderia ir mais longe e propor o alargamento desse período para dez anos, o que provavelmente reduziria ainda mais o risco de expatriação.

Em 1954, a França foi o primeiro país a introduzir um Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Em poucos anos, todos os países do mundo (exceto os Estados Unidos) adotaram-no. Tributar o consumo – e isentar a poupança – podia justificar-se no final da Segunda Guerra Mundial, quando os estoques de capital e as desigualdades patrimoniais estavam em níveis historicamente baixos.

Mas se o IVA foi o imposto do pós-guerra, o imposto sobre os ultra-ricos é o que precisamos hoje, numa era de fortunas crescentes. A França tem agora a oportunidade, mais uma vez, de liderar o caminho para o resto do mundo.

*Daron Acemoglu é professor de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

*George Akerlof é professor de economia na Universidade Georgetown.

*Abhijit Banerjee é professor de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

*Esther Duflo é professora de economia no Collège de France e no MIT.

*Simon Johnson é professor de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

*Paul Krugman é professor de economia na Universidade da cidade de Nova Iorque (CUNY).

*Joseph Stiglitz é professor de economia na Universidade de Columbia.

Publicado originalmente no jornal Le Monde.


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