Por EDUARDO VASCO*
Os venezuelanos, apesar de mais uma vitória, devem abrir o olho. O secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio, é um anticomunista ferrenho
1.
A oposição golpista vai chiar, mas Nicolás Maduro tomará posse como presidente reeleito da Venezuela no próximo dia 10 de janeiro. Tentou-se criar um clima de instabilidade no país, com os boatos de que o derrotado Edmundo González Urrutia, “exilado” em Madri, voltaria triunfante e seria investido no lugar de Nicolás Maduro.
“Eles estão mais fracos do que nunca”, gritou María Corina Machado, agente dos EUA, ao repetir sua eterna previsão de um colapso iminente do governo chavista. Mas eles mesmos sabem que, ao menos neste momento, não há nenhum clima para uma segunda fase da ofensiva golpista, após dias de intensa violência opositora no final de julho, em resposta à derrota nas urnas.
Edmundo Urrutia, um fantoche de María Corina, não sabe nem mesmo quem seriam os seus ministros, a poucos dias da sua posse de brincadeirinha. “Não pensei nisso ainda”, disse ele no final de dezembro à CNN.
Acreditava-se que se conseguiria repetir com Edmundo Urrutia o que a direita, orientada pelos EUA, fez com Juan Guaidó poucos anos atrás. Naquela vez, a oposição criou uma Assembleia Nacional paralela e conseguiu desviar para ela o dinheiro do governo que havia sido roubado pelos Estados Unidos. Mas a oposição agora está extremamente enfraquecida.
Em seu momento, Juan Guaidó conseguiu o apoio dos governos de Brasil e Colômbia, alinhados com os EUA e a extrema-direita. Chegou a ameaçar uma alegada caravana da liberdade para adentrar território venezuelano e assumir o poder, celebrado pelas massas famintas e cansadas da ditadura. Chegaria com a ajuda humanitária propiciada por Washington e seus regimes satélites, como se fosse uma bênção para os venezuelanos.
Se aquilo soava um conto de fadas com um cenário externo favorável, agora que Brasil e Colômbia não estão alinhados com o plano golpista essa meta parece ainda menos realizável. Restou a Edmundo Urrutia um palco bem mais distante para a sua peça teatral. A Argentina de Javier Milei, ponta de lança do golpismo latino-americano atual, pouco poderia fazer para implantar o opositor em Miraflores. No máximo, um pequeno aporte para adicionar um novo capítulo à trama de ficção. Mas nem os argentinos têm condições de dramatizar esse roteiro no nível daquele de cinco anos atrás.
Durante as últimas eleições, a oposição gastou muito dinheiro produzindo e disseminando propaganda barata contra o governo. Os recursos se esgotaram e não há mais nenhuma coesão entre as lideranças. “Nicolás saiu ileso”, opinou um militante do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Ao menos por ora, o governo tem conseguido um sucesso maior do que no combate às desestabilizações anteriores. De fato, como era previsto, a hegemonia política e institucional e as alianças do chavismo neutralizaram o impacto mais agressivo vindo da direita e do governo dos Estados Unidos.
Miguel Jaimes, analista político venezuelano, concorda que o governo “controlou a situação” política após as eleições. Ele não acredita que a oposição tente escalar novamente a situação em um futuro próximo.
Por outro lado, a população está cansada do desgaste econômico, político e social dos últimos anos. Houve um retrocesso na formação política dos quadros de lideranças e da militância chavista, bem como na política socialista reformadora aplicada pelo governo, segundo a militância. Nicolás Maduro está mais moderado.
Miguel Jaimes pensa que as exigências que virão nos próximos meses para o governo serão da sua própria base política, para melhorar a situação econômica e social do país, e menos da oposição, que precisará se recuperar do enfraquecimento pós-eleitoral.
Agora os recursos energéticos da Venezuela poderão ser destinados a investimentos sociais (77,6%, conforme o orçamento de 2025) e não às matrizes das empresas petrolíferas estrangeiras. China, Rússia e o BRICS elevarão o nível das parcerias com o país, contribuindo para a diversificação da economia venezuelana.
Isso não é o que o imperialismo gostaria. Foi assim que a nova (e já velha) campanha de “fraude” foi montada. Passou o mesmo na maioria das 30 eleições (municipais, estaduais e nacionais) anteriores. O discurso de “fraude” só não se disseminou quando a direita venceu, porque obviamente não convinha.
2.
Na Geórgia acontece o mesmo. O partido Sonho Georgiano — que sempre teve uma política favorável à União Europeia e aos EUA — se tornou mais pragmático e agora propõe uma neutralidade no conflito Ocidente vs. Rússia. Foi o suficiente para todo o aparato da propaganda imperialista rotulá-lo como “pró-russo” e que sua vitória nas eleições parlamentares teria sido fraudada. Uma revolução colorida foi tentada (aos moldes do Maidan ucraniano e das guarimbas venezuelanas), mas com pouca força.
Salomé Zurabishvili, presidenta da Geórgia de cidadania francesa, cumpriu o mesmo papel de María Corina. Não reconheceu a vitória dos seus rivais nas eleições parlamentares nem presidenciais e não quis deixar a presidência após o término de seu mandato. Saiu pela porta dos fundos do palácio presidencial, sem o apoio popular que pensou que teria.
A Romênia não teve a mesma sorte. Calin Georgescu, um candidato independente que também buscava uma neutralidade na relação Ocidente-Rússia, venceu o primeiro turno. Dizia-se que ele havia impulsionado sua campanha no Tik Tok de maneira suspeita, mas de repente a grande desculpa para anular sua vitória foi uma “interferência russa” a seu favor. Pura propaganda e nenhuma evidência. Resultado: não apenas a vitória de Calin Georgescu foi anulada, como a eleição inteira. O então presidente, Marcel Ciolacu, foi então declarado o vencedor, mesmo sob os protestos dos outros candidatos.
Na posse, Marcel Ciolacu anunciou um novo arrocho fiscal: “neste mandato, não tenho a intenção de ser popular, mas sim extremamente eficiente.”
Claro que as autoridades eleitorais da Romênia foram aplaudidas pela União Europeia e os EUA, os mesmos que consideram Maduro um ditador ilegítimo.
Os venezuelanos, apesar de mais uma vitória, devem abrir o olho. O secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio, é um anticomunista ferrenho e há anos vem trabalhando, desde quando era senador, pela derrubada do regime chavista. Agora terá mais poder do que nunca para concretizar os seus anseios — que são os mesmos de todo o aparato imperialista, e os do próprio Donald Trump.
*Eduardo Vasco é jornalista. Autor, entre outros livros, de O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass. [https://amzn.to/3AjFjdK]
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