Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu

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Por ANDREW KORYBKO*

A Rússia esquivou-se de uma bala ao optar sabiamente por não se aliar ao agora derrotado Eixo da Resistência

O Eixo da Resistência liderado pelo Irã foi derrotado por Israel. O ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023 levou Israel a punir coletivamente os palestinos em Gaza, o que deu início a uma série de conflitos que se expandiram para o Líbano e a Síria. Israel também bombardeou o Iêmen e o Irã. As lideranças do Hamas e do Hezbollah foram destruídas, o que resultou num cessar-fogo no Líbano, enquanto o governo de Assad acabou de ser derrubado por uma blitz terrorista apoiada pela Turquia que cortou a logística militar do Irã para o Hezbollah.

Esses resultados já seriam surpreendentes o suficiente para aqueles que acreditavam na afirmação do falecido Nasrallah de que “Israel é mais fraco do que uma teia de aranha”, mas muitos ficaram chocados por terem ocorrido sem que a Rússia erguesse um dedo para salvar a Resistência, com quem pensavam ter-se aliado contra Israel há muito tempo. Essa segunda falsa noção mencionada cairá em infâmia como uma das operações psicológicas mais bem-sucedidas já realizadas contra a Comunidade de Mídia Alternativa (AMC) e, ironicamente, por seus próprios influenciadores principais.

Isso foi explicado no início de outubro em “Por que as falsas percepções sobre a política russa em relação a Israel continuam a se proliferar”, que os leitores devem ler para mais detalhes, mas que pode ser resumido como os principais influenciadores da AMC dizendo a seu público o que achavam que eles queriam ouvir por razões de interesse próprio. Isso inclui gerar influência, promover sua ideologia e/ou solicitar doações de membros bem-intencionados, mas ingênuos, de seu público, dependendo da personalidade envolvida.

A análise anterior também lista cinco outras relacionadas sobre a política russa em relação a Israel desde o início das guerras da Ásia Ocidental, incluindo esta “Esclarecendo a comparação de Lavrov sobre a última guerra entre Israel e o Hamas com a operação especial da Rússia”, que por si só tem links para várias dezenas de outras. Todas elas também fazem referência a este relatório de maio de 2018 acerca de “Presidente Putin sobre Israel: citações do site do Kremlin (2000-2018)”. Todos estes materiais baseiam-se em fontes russas oficiais e autorizadas para chegar às suas conclusões.

Elas provam que Putin é, há tempos, um filo-semita orgulhoso que nunca compartilhou a ideologia antissionista unificadora da Resistência, expressando sempre um profundo respeito pelos judeus e pelo Estado de Israel. Dessa forma, como o último a tomar decisões sobre a política externa russa, ele encarregou seus diplomatas de manter o equilíbrio entre Israel e a Resistência. Para isso, a Rússia nunca tomou partido de nenhum dos dois lados e sempre se manteve neutra em suas disputas, inclusive nas guerras da Ásia Ocidental.

O máximo que ele fez pessoalmente foi condenar a punição coletiva de Israel contra os palestinos, mas sempre no mesmo tom da condenação do infame ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023. Quanto à Rússia, o máximo que ela fez foi repetir a mesma retórica e, ocasionalmente, condenar os ataques de Israel contra o IRGC [Corpo de Guardas da Revolução Islâmica] e o Hezbollah na Síria, nos quais a Rússia nunca interferiu. Em nenhum momento tentou dissuadir ou interceptar os ataques, retaliá-los posteriormente ou dar à Síria capacidade e autorização para fazê-lo.

Isso deveu-se ao mecanismo para evitar o conflito acordado por Putin e Bibi no final de setembro de 2015, pouco antes da operação na Síria. Isso nunca foi confirmado por motivos diplomáticos óbvios, mas essas ações (ou melhor, a falta delas) sugeriram que Putin acreditava que as atividades anti-israelenses do Irã na Síria representavam uma ameaça legítima a Israel. Por isso, a Rússia sempre manteve-se de lado toda vez que Israel bombardeava o Irã no local, mas por vezes reclamava, dado que os ataques de Israel violavam formalmente a lei internacional.

É um fato objetivamente existente e facilmente verificável que a oposição da Rússia às atividades regionais de Israel, seja em Gaza, Líbano, Síria, Iêmen ou Irã, sempre permaneceu estritamente confinada ao âmbito político das declarações oficiais. Em nenhum momento a Rússia ameaçou sancionar unilateralmente Israel, muito menos sugeriu, mesmo que remotamente, uma ação militar contra este como punição. A Rússia nem mesmo designa simbolicamente Israel como um “Estado hostil”, embora isso se deva ao fato de que Israel não obedece às sanções dos EUA e não arma a Ucrânia.

Aí reside outro fato que a maioria da AMC desconhecia ou negava: Israel não é um fantoche dos EUA, caso contrário, já teria feito essas duas coisas há muito tempo. Está além do escopo deste artigo explicar isso, bem como o motivo pelo qual o governo Biden tentou desestabilizar e derrubar Bibi, mas esta análise aqui se aprofunda nos detalhes e cita artigos relacionados. A questão é que os laços russo-israelenses continuam cordiais e esses dois países estão longe de ser os inimigos que alguns pensavam.

Portanto, nunca fez sentido imaginar que Putin, que se considera o pragmático consumado, queimaria a ponte entre as duas nações, na construção da qual ele pessoalmente investiu quase um quarto de século de seu tempo junto com Bibi. Afinal de contas, Putin gabou-se em 2019 de que “russos e israelenses têm laços de família e amizade. Essa é uma verdadeira família comum; posso dizer isso sem exagero. Quase 2 milhões de falantes de russo vivem em Israel. Consideramos Israel um país de língua russa”.

Ele estava falando para a Fundação Keren Heyesod, uma das mais antigas organizações de lobby sionista do mundo, durante sua conferência anual em Moscou naquele ano. Sempre que os membros da AMC eram confrontados com esses fatos “politicamente inconvenientes” de fontes oficiais e autorizadas, como o próprio site do Kremlin, eles criavam uma teoria da conspiração do “plano mestre de xadrez 5D”, alegando que ele estava apenas “iludindo os sionistas”. Os principais influenciadores também “cancelaram” agressivamente qualquer pessoa que mencionasse esse assunto.

O resultado final foi que essas falsas percepções das relações russo-israelenses, assim como as opiniões do próprio Putin sobre esse assunto, continuaram proliferando-se sem contestação na AMC, levando à impressão de que eles estavam secretamente aliados ao Irã devido aos ideais antissionistas que supostamente compartilhavam. Essa noção tornou-se uma questão de dogma para muitos na AMC e, consequentemente, transformou-se num axioma de relações internacionais para eles. Qualquer pessoa que afirmasse o contrário era tachada de “sionista”.

Sabe-se agora, depois que a Rússia não mexeu um dedo para salvar a Resistência, que eles nunca foram de fato aliados. Alguns daqueles que ainda não conseguem aceitar que foram enganados por influenciadores confiáveis da AMC que os iludiram por motivos de interesse próprio (influência, ideologia e/ou solicitação de doações) agora especulam que a Rússia “traiu” a Resistência e “se vendeu aos sionistas”, embora a Rússia nunca tenha estado do lado de nenhum deles. Se não se livrarem logo de sua dissonância cognitiva, eles se afastarão ainda mais da realidade.

Retrospectivamente, a Rússia se esquivou de uma bala ao escolher sabiamente não se aliar ao agora derrotado Eixo da Resistência, pois isso teria arruinado desnecessariamente suas relações com Israel, o vencedor indiscutível das Guerras da Ásia Ocidental. Putin fez a escolha certa, que sempre foi orientada por seu cálculo racional do que era do interesse objetivo da Rússia como Estado, e não devido à “influência sionista”, como alguns na AMC agora ridiculamente afirmam para difamá-lo depois de ficarem bravos por ele não ter mexido um dedo para salvar a Resistência.

As conclusões disso são várias: (i) Putin e seus representantes não jogam “xadrez 5D”, eles sempre dizem o que realmente querem dizer; (ii) a Rússia não é anti-Israel nem antissionista, mas também não é anti-Irã nem anti-Resistência; (iii) a AMC está cheia de charlatães que, por motivos de interesse próprio, dizem a seu público o que acham que este quer ouvir; (iv) o público deve, portanto, responsabilizá-los por mentir sobre as relações russo-israelenses e russo-Resistência; (v) e a AMC precisa de uma reforma urgente.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.


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