Você é comunista?

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Por MICHEL GOULART DA SILVA*

Uma organização britânica lançou campanha com o mote “Você é comunista?” em pouco tempo ela ganhou as ruas. Isso mostra a importância da difusão das ideias comunistas e de revolução

Recentemente, a organização britânica Socialist Appeal lançou a campanha “Você é comunista? Então organize-se!”. Em poucas semanas, as ruas de todo o país estavam tomadas por cartazes anunciando a campanha e orientando os interessados a entrar em contato com a organização. E muitas pessoas, ao que parece centenas delas, se interessaram por aquele convite, a ponto de as organizações irmãs do Socialist Appeal assumirem a campanha em seus países. Além disso, a internacional da qual Socialist Appeal faz parte, a Corrente Marxista Internacional (CMI), assumiu essa campanha em âmbito mundial em seu recente congresso, realizado na Itália.

Fazendo o recorte para o Brasil, nas últimas semanas também se levou a público a dissidência de um grupo de dirigentes do PCB, expulsos do partido depois de levantarem algumas importantes polêmicas, como em relação à guerra na Ucrânia ou a política em relação ao governo de unidade nacional encabeçado por Lula. Sem entrar no conteúdo das polêmicas, o interessante nesse processo é especialmente a proposta de discutir o processo de construção da organização por meio de uma Tribuna de Debates pública, aberta pela nova organização, que traz o legado da “reconstrução revolucionária” em seu nome. Esse espaço tem permitido a discussão franca e aberta sobre o comunismo e a organização revolucionária.

Portanto, seja pela campanha do chamado aos comunistas a se organizar, que recentemente chegou ao Brasil pelas mãos da corrente local da CMI, seja pela experiência de discutir os rumos do PCB, parece haver um importante espaço para se pensar não apenas a organização dos marxistas, como, também, o sentido que pode ter o debate sobre transformação social na atual conjuntura.

Essa possibilidade de discussão não se dá no vazio. Nos últimos anos, onde muitas análises equivocadas viram o ascenso de um fantasioso fascismo que ameaçava dominar todo o planeta, o que a realidade mostrou foi uma profunda polarização, como expressão da luta de classes, e a crise do reformismo, possibilitando uma onda de crescimento de demagogos como Jair Bolsonaro, Donald Trump e Boris Johnson.

Esse cenário não esmoreceu as lutas. Depois de 2010, em especial, o que se viu foi o acirramento dos processos de luta, como na França e nos Estados Unidos, e mesmo a ocorrência de insurreições, como no Chile e no Equador. O termo “socialismo” voltou a aparecer com força nas campanhas eleitorais de países imperialistas, como na Inglaterra e nos Estados Unidos. Inclusiva, começamos o texto falando dos britânicos, então daria para destacar também o fato de ter ocorrido a maior onda de greves em décadas naquele país e de o movimento sindical estar passando por um profundo processo de reorganização. Outros exemplos poderiam ser mencionados, mas esses são suficientes para exemplificar a disposição de luta dos trabalhadores e da juventude em todo o mundo.

Essa conjuntura de lutas faz com que, nos últimos anos, tenha crescido o interesse pelo comunismo, o que vem sendo atestado por pesquisas de opinião realizadas em países como Estados Unidos e Inglaterra. No Brasil, se tem são pesquisas que mostram o crescimento de posições de esquerda, especialmente durante a recente eleição que elegeu Lula.

Certamente essas enquetes são superficiais e se limitam à aparência dos fenômenos sociais, mas são um sintoma claro de que, em meio ao suposto ascenso fascista, os trabalhadores e a juventude olham para uma alternativa política que propõem uma saída que vai para além da sociedade capitalista. Observa-se, curiosamente, o fato de que não se trata da defesa do “socialismo”, palavra gasta talvez pela aplicação do projeto burguês por partidos operários em países como França e Inglaterra quando chegaram ao governo, mas de “comunismo”, ou seja, uma nova sociedade. Portanto, não se trata de se confundir com reformas da sociedade capitalista, associadas ao socialismo e o Welfare state, mas de superar essa sociabilidade, rompendo a lógica de exploração e opressão.

Portanto, há um momento propício para a organização política da esquerda, na medida em que crescem a quantidade de pessoas que querem a transformação da sociedade, e os exemplos disso estão, entre outras coisas, na campanha da CMI e no processo de discussão em torno da dissidência do PCB. Cabe destacar e elogiar, nesses dois exemplos, o processo de formação política e teórica que vem sendo feito, especialmente com atividades de formação política e teórica e pelo debate em torno da necessidade de discutir as formas de organização dos comunistas.

Nesse sentido, é fundamental a continuidade da difusão das ideias comunistas e de revolução, ampliando os espaços de discussão, superando o dogmatismo, esclarecendo as mentiras propagadas pelos reacionários e, especialmente, buscando se organizar em torno dos princípios legados pela tradição operária e comunista.

*Michel Goulart da Silva é doutor em história pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e técnico-administrativo no Instituto Federal Catarinense (IFC).


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