A urgência é a fome!

Imagem: Ryutaro Tsukata
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ECONOMISTAS PELA DEMOCRACIA*

Se há fome, não há democracia!

São tantas as mazelas enfrentadas atualmente pelo povo brasileiro que fica difícil estabelecer prioridade entre elas. Junto com a insuficiência de vacina contra a Covid-19, o elevado desemprego, a falta de moradia, o nível de violência contra os jovens negros, mulheres e LGBT, e outros tantos infortúnios, entre os quais não podemos esquecer o acelerado processo de desmonte do Estado que está sendo realizado pelo governo central do país e a crescente ameaça à democracia, destaca-se a situação de pobreza e a fome que assola milhões de pessoas em todo o país.

E por mais importante e urgente que seja a resolução do conjunto dessas demandas que hoje estão postas na sociedade brasileira, sem a qual não superaremos a situação quase distópica em que estamos imersos, o combate à pobreza e a resposta à fome assumem total prioridade. Sem alimento não há vida, pois de luz natural, de fé e de esperança não se pode viver.

Não é de hoje que a pobreza e a fome ameaçam o povo brasileiro dos extratos de renda mais baixos, pois constituem traço estrutural de nossa sociedade extremamente desigual. Contudo, como sabido, a pobreza foi significativamente reduzida com a implementação do Programa Bolsa Família, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, e a fome praticamente extinta. O impacto desse programa sobre a pobreza foi imediato, já se manifestando nos primeiros anos de sua vigência.

Se em 2003, um ano antes do início do Bolsa Família, o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimava que a população abaixo da linha de pobreza, atingia 12% da população, em 2008, esse percentual já havia caído para 4,8%. Em 2012, esse indicador tinha caído ainda mais, estando em 3,5%. Entre 2003 e 2008, a pobreza havia se reduzido de 26,1% para 14,1%. Esses dados podem ser acessados nos relatórios de acompanhamento dos objetivos do milênio, publicados pela IPEA em 2010 e 2014.

A partir de 2015, a tendência de melhora desses indicadores começou a se reverter. Isso foi fruto da semiestagnação da economia brasileira que se seguiu à queda acumulada do PIB de 6,8% nos anos 2015 e 2016 e da não intervenção ativa do governo federal, após o impeachment de Dilma Rousseff, no sentido de apoiar adequadamente a população mais carente do país. Em 2019, isto é, na pré-pandemia, a 11% das famílias estavam em situação de pobreza e a extrema pobreza havia aumentado significativamente, atingindo 6,7% da população segundo o IBGE. Chegada a pandemia e iniciados os aportes do Auxílio Emergencial, o percentual de famílias em situação de pobreza chegou a cair para a 5,5%, mas a redução do valor do benefício que se seguiu e sua descontinuidade elevaram novamente esse indicador para níveis há muito não vistos, de 15%, segundo a Fundação Getúlio Vargas.

Ao mesmo tempo em que esse auxílio foi descontinuado, a taxa de desemprego se manteve extremamente alta, atingindo 14.7% no primeiro trimestre de 2021, o que envolve 14,8 milhões de brasileiros, sem levar em conta outros 6 milhões de pessoas que desistiram de procurar emprego e por isso não são contabilizados como desempregados. Essa taxa é a maior já observada desde o início da série iniciada, em 2012, pelo IBGE. Para agravar a situação, a renda domiciliar média registrou queda de 10% no mesmo período e foi ainda muito mais acentuada junto aos domicílios de mais baixa renda, que inclusive são os que mais sofrem com a alta dos preços observada durante a pandemia. Situação que se torna ainda mais dramática com a inflação crescente que onera especialmente o preço dos alimentos, do gás e da energia elétrica, itens essenciais da condição de vida da população pobre.

Desemprego, queda nos rendimentos, carestia e ausência de um auxílio adequado à população de mais baixa renda constituem a sustentação do aumento da pobreza e da fome no Brasil desse período de pandemia. Para além das estatísticas, a elevação da pobreza é visível nas cidades brasileiras, destacando-se a quantidade de famílias que hoje se encontram em situação de rua. A fome, que não está restrita à população sem teto, é o que está por trás das filas que se formam nos locais de oferta de refeições e de distribuição de alimentos e de cestas básicas. São incontáveis as iniciativas de todos os tipos que tentam dar alguma resposta à fome que hoje se alastra no país: de movimentos sociais, empresas, grupos comunitários religiosos ou não, de prefeituras e estados, entre outras.

Essas iniciativas, por mais importantes que sejam, não resolvem a situação de insegurança em que parte da população brasileira se encontra. É preciso apoiar e incentivar todas as mobilizações de grupos sociais com esse objetivo, mas enquanto os condicionantes da fome estiverem presentes, garantir a manutenção de um fluxo de renda adequado para que a população que está vivendo essa tragédia possa superá-la. Isso implica o retorno do Auxílio emergencial de R$ 600,00, única possibilidade de, ao reduzir drasticamente a pobreza, mesmo que somente no período de sua concessão, dar segurança de que o alimento não faltará no dia de amanhã. É preciso, portanto, colocar o retorno do Auxílio Emergencial no centro das prioridades defendidas por aqueles que hoje se mobilizam contra o quadro de tragédia existente no país.

Se há fome, não há democracia!

*Associação Brasileira de Economistas pela Democracia é uma organização que congrega economistas, profissionais afins e estudantes de Economia comprometidos com a defesa da Democracia e o desenvolvimento econômico sustentável do Brasil.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Lorenzo Vitral Vinício Carrilho Martinez Alexandre Aragão de Albuquerque Kátia Gerab Baggio Jean Marc Von Der Weid Anselm Jappe Francisco Fernandes Ladeira Denilson Cordeiro Luciano Nascimento Antônio Sales Rios Neto Andrés del Río Luiz Carlos Bresser-Pereira Fernão Pessoa Ramos Luis Felipe Miguel Maria Rita Kehl Alexandre de Lima Castro Tranjan Andrew Korybko Alysson Leandro Mascaro José Luís Fiori Ricardo Musse Benicio Viero Schmidt Caio Bugiato Ricardo Abramovay João Sette Whitaker Ferreira João Carlos Salles Daniel Brazil Carla Teixeira Manchetômetro Valerio Arcary Paulo Sérgio Pinheiro Dennis Oliveira Marjorie C. Marona Renato Dagnino Luiz Eduardo Soares Manuel Domingos Neto André Márcio Neves Soares Vanderlei Tenório Rubens Pinto Lyra Elias Jabbour Luiz Roberto Alves Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Dênis de Moraes Mário Maestri Remy José Fontana Luiz Renato Martins Gabriel Cohn Sergio Amadeu da Silveira Mariarosaria Fabris Michael Roberts Jean Pierre Chauvin Henri Acselrad Marcus Ianoni Vladimir Safatle João Carlos Loebens Bento Prado Jr. Tadeu Valadares Paulo Capel Narvai Paulo Nogueira Batista Jr Bruno Machado Eugênio Bucci João Adolfo Hansen Gilberto Lopes Ronald León Núñez Tales Ab'Sáber Osvaldo Coggiola Chico Alencar José Raimundo Trindade Marilena Chauí Thomas Piketty João Paulo Ayub Fonseca Jorge Luiz Souto Maior Everaldo de Oliveira Andrade Henry Burnett Francisco de Oliveira Barros Júnior Antonino Infranca Boaventura de Sousa Santos Marcos Aurélio da Silva Flávio Aguiar Luís Fernando Vitagliano Paulo Martins Rafael R. Ioris Sandra Bitencourt Airton Paschoa Chico Whitaker Priscila Figueiredo José Dirceu Slavoj Žižek Luiz Bernardo Pericás João Feres Júnior Liszt Vieira José Micaelson Lacerda Morais Eleonora Albano Marcelo Módolo Ari Marcelo Solon Luiz Werneck Vianna Otaviano Helene Berenice Bento Ricardo Antunes Heraldo Campos Leonardo Boff Lucas Fiaschetti Estevez Marilia Pacheco Fiorillo Ricardo Fabbrini Salem Nasser Eliziário Andrade Lincoln Secco Luiz Marques Claudio Katz José Machado Moita Neto Daniel Afonso da Silva Leonardo Avritzer Marcelo Guimarães Lima Plínio de Arruda Sampaio Jr. Celso Frederico Paulo Fernandes Silveira Bernardo Ricupero Érico Andrade Eleutério F. S. Prado Gilberto Maringoni Tarso Genro Afrânio Catani Julian Rodrigues Bruno Fabricio Alcebino da Silva Alexandre de Freitas Barbosa Ladislau Dowbor Carlos Tautz Igor Felippe Santos José Geraldo Couto Celso Favaretto Armando Boito Juarez Guimarães Michael Löwy Milton Pinheiro Fábio Konder Comparato Eugênio Trivinho Rodrigo de Faria Fernando Nogueira da Costa Marcos Silva Ronald Rocha Ronaldo Tadeu de Souza Yuri Martins-Fontes Annateresa Fabris Antonio Martins Eduardo Borges Daniel Costa Jorge Branco Gerson Almeida André Singer José Costa Júnior Michel Goulart da Silva Leonardo Sacramento Leda Maria Paulani Francisco Pereira de Farias Atilio A. Boron João Lanari Bo Flávio R. Kothe Samuel Kilsztajn Matheus Silveira de Souza Walnice Nogueira Galvão Valerio Arcary

NOVAS PUBLICAÇÕES