Por OSVALDO COGGIOLA*
Relato pormenorizado dos dilemas da política revolucionária após 1917
Para os bolcheviques, a República Soviética surgida da Revolução de Outubro de 1917 seria o primeiro elo de uma república mundial operária e socialista, os bolcheviques faziam com que a nova ordem nascesse proclamando sua vocação mundial: a revolução soviética era internacional e internacionalista. Em inícios de 1918, Lênin escrevia: “Nossa revolução é o prólogo da revolução socialista mundial, um passo em direção a ela. O proletariado russo não pode, pelas suas próprias forças, concluir vitoriosamente a revolução socialista. Mas pode dar à sua revolução uma extensão que crie melhores condições para a revolução socialista, e até certo ponto começá-la. Pode tornar a situação mais favorável para a entrada em cena, nas batalhas decisivas, de seu colaborador principal e mais seguro, o proletariado socialista europeu e norte-americano”. Mas, ainda em plena guerra mundial, enquanto a revolução internacional não chegasse, a efetivação da paz era o problema mais urgente: um armistício com a Alemanha foi selado a 2 de dezembro de 1917 na base do status quo bélico territorial e da organização das relações com o novo governo.
Durante as negociações com os representantes alemães, no quadro da preparação dos acordos, a delegação bolchevique exigiu que qualquer paz geral fosse baseada nos seguintes princípios: (a) Não seria tolerada a união pela violência dos territórios conquistados durante a guerra. A imediata evacuação das tropas dos territórios ocupados; (b) A completa restauração da independência política dos povos privados de sua independência no curso da presente guerra; (c) Os grupos de diferentes nacionalidades que não possuíam independência política antes da guerra deveriam ser garantidos o direito de decidirem livremente se queriam pertencer a um ou outro Estado, ou se por meio de um referendum gozariam da independência nacional. Neste referendum todos os habitantes do território em questão, incluindo imigrantes refugiados, teriam total liberdade para votar.
Trotsky esteve à cabeça da delegação soviética nas negociações com o Estado-Maior alemão, em Brest Litovsk, quando adotou uma atitude politicamente ofensiva, ao tempo que progredia a confraternização entre tropas russas e alemãs no front. A 5 de janeiro de 1918, houve um ultimato alemão com condições leoninas: os bolcheviques se dividiram entre a posição de Lênin (partidário de aceitá-lo) e a de Bukhárin (que defendia uma “guerra revolucionária” contra a Alemanha). Venceu a posição intermediária de Trotsky: parar a guerra, mas sem assinar a paz. Resultado: nova ofensiva alemã e nova debandada russa. Nessas condições, os bolcheviques foram obrigados a aceitar condições ainda mais duras: pelo Tratado de Brest-Litovsk, a República Soviética perdeu 26% da sua população, 27% das terras férteis, 26% das estradas de ferro, 75% do carvão, do ferro e do aço, 40% do proletariado industrial.
A Rússia soviética abriu mão do controle sobre a Finlândia, os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Polônia, Bielorrússia e Ucrânia, bem como dos distritos turcos de Ardaham e Kars, e do distrito georgiano de Batum. O IV Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia examinou o Tratado, que era combatido pelos SRs (socialistas revolucionários) de esquerda e pela fração dos “comunistas de esquerda” do bolchevismo chefiada por Bukhárin e Kalinin – que defendiam uma guerra revolucionária que se combinaria com a revolução proletária no Ocidente. Os “esquerdistas” possuíam sua própria revista, que circulava livremente na Rússia soviética: “Entre abril e junho de 1918, quatro edições da revista Kommunist serão publicadas em Moscou. Ela contém as análises e críticas elaboradas pela primeira fração de esquerda a aparecer dentro do partido bolchevique após a tomada do poder em outubro de 1917. Ele se cristalizou em janeiro de 1918 em oposição à política de Lênin de defender uma paz separada com a Alemanha. Esta fração, animada por Bukhárin, Ossinski, Radek e Smirnov, rejeitou a política de ‘compromisso’ defendida por Lênin porque acreditava que assinar uma paz separada com a Alemanha iria contra o desenvolvimento da revolução em outros países, uma vez que permitiria que o militarismo das potências centrais se concentrasse na frente ocidental e reprimisse mais facilmente os movimentos revolucionários.
“É por isso que Bukhárin acusará Lênin de “alta traição contra a revolução”. Esse temor era tanto mais justificado quanto, no artigo dois do tratado de paz, os bolcheviques se comprometeram a não mais fazer propaganda revolucionária dentro dos Impérios Centrais, isto é, nada menos que proibir estender a revolução! Conhecendo o conteúdo das concessões que feitas nesse tratado, bem como as inclinações de Lênin de aceitar a ajuda do imperialismo inglês e francês, Bukhárin exclamará: “Você está fazendo do partido um monte de bosta!”. Apesar das severas críticas e acusações dirigidas às orientações defendidas pelos círculos dirigentes do partido bolchevique, esta fração pôde dispor de todos os meios políticos e materiais necessários para defender o seu ponto de vista, inclusive a nível organizacional, com uma imprensa e reuniões separadas”.[i]
Os defensores desta política foram derrotados por 453 votos contra 36 na convenção da fração bolchevique, e obrigados a manter a disciplina desta no Congresso soviético. O Congresso reunia 1.232 delegados, dos quais 64% eram bolcheviques, 25% SRs de esquerda, 25 delegados SRs “centristas”, 21 mencheviques e onze mencheviques internacionalistas (liderados por Martov). O “Tratado de Brest-Litovsk”, assinado entre o governo soviético e as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro, Bulgária e Império Otomano) em 3 de março de 1918, possibilitou a saída da Rússia do conflito mundial. O governo bolchevique também anulou todos os acordos do Império Russo com seus aliados antes e durante a Primeira Guerra Mundial.
Os termos do Tratado eram humilhantes. Mesmo Lênin, defendendo sua assinatura, chamou o tratado de “paz vergonhosa”. Os territórios concedidos aos alemães continham um terço da população da Rússia e 50% de sua indústria. A maior parte desses territórios se tornou, na prática, em partes informais do Império Alemão. Entretanto, após a revolução alemã iniciada em 9 de novembro de 1918, que derrubou o regime monárquico, o Comitê Executivo Central dos Sovietes declarou anulado o Tratado. Paralelamente, a derrota da Alemanha na guerra, marcada pelo armistício firmado com os países aliados, em 11 de novembro de 1918, permitiu que Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia se tornassem Estados independentes. A Bielorrússia e a Ucrânia envolveram-se na guerra civil russa e terminaram por ser novamente anexadas ao território soviético.
Mas, ainda em 1918, a Rússia soviética encontrava-se rodeada de protetorados alemães: a Ucrânia, com Skoropadsky, a Finlândia, com Mannerheim, o Don, com Krasnov; os japoneses, por sua vez, haviam ocupado a fronteira da Manchúria chinesa. Em maio desse ano, a Legião Tcheca, que se encontrava na Rússia desde a guerra mundial, atacou territórios dominados pelo governo soviético, numa campanha militar financiada pelo governo francês. Em Omsk e Samara foram criados governos antissoviéticos, as tropas inglesas desembarcaram ao Norte. Com esse bloqueio externo, a situação nas cidades soviéticas era de penúria alimentar. Meio ano depois do “golpe de outubro”, a 9 de junho de 1918, Trotsky resumia assim a situação do país: “Entre todas as questões que nos apertam o coração, há uma muito simples que pesa mais que todas as outras: a do pão cotidiano. Um só problema domina todas nossas ansiedades e pensamentos: como sobreviver amanhã… Todo é difícil e penoso, o país está em ruínas e não há pão”.
A retirada alemã deu algum fôlego ao governo soviético, mas as tropas estrangeiras e contrarrevolucionárias estavam em toda parte: a Legião Tcheca além do Ural, o almirante “branco” Kolchak no Leste, o general Denikin no Suleste, os japoneses em Vladivostok, os franceses em Baku e nos países bálticos, junto ao geneneral Iudenich, e, também, em Odessa, na Ucrânia. A penúria alimentar se aprofundou, levando à fome em que pereceram milhões de pessoas. Em 6 de julho de 1918, houve o assassinato do embaixador alemão em Moscou, conde Wilhelm von Mirbach, por um jovem militante socialista revolucionário (SR), Jacob Blumkin, numa ação de “boicote ativo” desse partido ao Tratado de Brest-Litovsk.
Durante o curto período em que os territórios cedidos no Tratado de Brest-Litovsk estiveram em poder do exército alemão, forças antibolcheviques puderam organizar-se e se armar. Estas forças dividiam-se em três grupos básicos que também lutavam entre si: (1) Os generais czaristas e os partidários da monarquia; (2) Os liberais, “esseritas” (SR) e socialistas moderados; (3) Os anarquistas. Com a derrota do Império Alemão, os territórios cedidos tornaram-se novamente alvo de disputa, bem como bases das quais partiram as forças militares que pretendiam derrubar o governo bolchevique. Nessas condições deflagrou-se uma guerra civil que os bolcheviques certamente não desejavam. De um lado, 500 mil soldados em tropas chamadas de “brancas”, restos do antigo exército czarista, comandados por oficiais reacionários ou por aventureiros divididos por ambições e corrupção. Sem nenhuma política, a não ser se apropriar das armas e do dinheiro, que vinha de países sem entusiasmo por entrar numa nova crise internacional.
Menos de um mês depois da Revolução de Outubro, segundo relatou o adido militar francês na Rússia, “Trotsky falou da necessidade urgente de reorganizar o exército”.[ii] Diante das hostilidades internas e externas, o Exército Vermelho foi oficialmente criado em janeiro de 1918, inicialmente integrado por voluntários camponeses e operários. Trotsky, nomeado comissário de guerra, encontrou-se com um exército com uma única divisão regular, a dos fuzileiros letões, muitos dos quais nem sequer falavam russo e haviam sido mobilizados por meses longe de sua terra, entre um conflito internacional e um nacional que havia atingido tanto sua força quanto seu moral. Junto a eles, um punhado de oficiais do Exército Imperial leais ao novo regime e vários milhares de Guardas Vermelhos com pouco treinamento ou disciplina militar. Diante da necessidade de começar do zero, Trotsky dirigiu-se aos comissários militares para instruí-los sobre a organização do novo Exército para que ajudassem a se formar para defender a revolução, começando pela derrota dos exércitos contrarrevolucionários. Um adversário que, embora também tenha baseado sua força em tropas irregulares, teve em todos os momentos o apoio militar do Império Britânico, da França, dos Estados Unidos e do Império Japonês.
O novo comando militar foi formado com a participação de oficiais do antigo exército imperial do Czar que haviam decidido permanecer em seus postos depois da Revolução de Outubro. Isto foi aceito e aproveitado por Trotsky, chefe designado (junto com outros importantes quadros bolcheviques, como Ephraim Skliansky) do novo Exército, que impôs essa posição após aguda polêmica no partido bolchevique. Ao se intensificar a guerra civil desatada por antigos oficiais (Lavr Kornilov e Anton Denikin, entre outros) aliados aos grandes latifundiários, o poder soviético recorreu ao recrutamento obrigatório. O fator decisivo no transcorrer e no desfecho da guerra foi que a massa camponesa escolheu os bolcheviques, apesar das requisições forçadas das colheitas, porque deles esperava a terra (a vitória “branca” equivalia ao retorno dos antigos grandes proprietários); os bolcheviques, por outro lado, conduziram uma guerra estrategicamente unificada contra inimigos divididos e dispersos: essa seria a chave de sua vitória.
A criação do Exército Vermelho não era só uma medida militar, mas parte de um programa de transformação social e política. O Exército Vermelho chegou a contar com cinco milhões de soldados, controlados por “comissários políticos”. Mal armado, mal abastecido, precariamente dirigido militarmente, mas com moral superior e com liderança política unificada. Trotsky dirigiu-se nestes termos à Internacional Comunista: “Temos diante de nós a tarefa de criar um exército organizado com base no princípio da confiança entre os camaradas e a disciplina do trabalho e da ordem revolucionários… A complexa tarefa de pôr fim à opressão de classe. dentro do exército, destruindo conscienciosamente as cadeias de classes e a velha disciplina da obrigação, criando uma nova força armada do Estado revolucionário, na forma de um exército de trabalhadores e camponeses, que atuará no interesse do proletariado e os camponeses pobres… A experiência mostra que a falta de forças técnicas tem um efeito desastroso na formação adequada dos exércitos revolucionários, porque a Revolução não produziu, nas massas trabalhadoras, combatentes com conhecimento da arte militar. Este é o ponto fraco de todas as revoluções, como a história de todas as insurreições anteriores nos mostra”.
O debate sobre a composição do Exército, o reaproveitamento ou não (e em qual posição na hierarquia militar) de setores da antiga oficialidade do Exército imperial, foi parte de um debate mais amplo acerca da “doutrina militar da revolução”, no qual Trotsky defendeu, contra Frunzé, que existia uma ciência militar universalmente válida, enquanto Frunzé defendia uma doutrina proletária única, completamente nova. Trotsky conquistou o apoio da maioria do partido: o regime soviético “reciclou” quase 48.500 soldados e oficiais do exército imperial no novo exército,[iii] incluindo o futuro marechal Tukhachevski. Alguns elementos patrióticos da antiga classe dominante, especialmente oficiais militares, aderiram ao governo soviético contra a intervenção externa: “Os sentimentos patrióticos foram o principal motivo que levou um bom número de oficiais do velho exército a oferecer os seus serviços ao governo soviético, ao qual eram hostis. Compreenderam que a libertação nacional da Rússia estava vinculada ao poder soviético, e viram que as ‘associações patrióticas’ que lutavam contra os sovietes se transformavam em agências de potências imperialistas, que queriam abocanhar os campos de milho e as reservas petroleiras e minerais do solo russo”.[iv]
Os três anos seguintes à instauração do governo soviético foram marcados pela guerra civil, que eclodiu de fato em abril de 1918. Contabilizados os conflitos regionais, ela terminou em 1922, quatro anos depois. Os “brancos”capitularam em 1920, mas a guerra continuou contra os chamados “verdes”, grupos de cossacos e camponeses que assolaram os distritos rurais, e contra as tropas polonesas e japonesas. O conflito com os poloneses terminou em 1921; os japoneses se retiraram da Sibéria russa só em 1922. A dispersão das forças combatentes (inclusive do lado revolucionário) foi a nota dominante: os grupos “brancos” eram chefiados por generais czaristas apoiados pelos “liberais” (os “kadetes”); o Exército Vermelho era dirigido pelo governo bolchevique; havia também milícias anarquistas (o “Exército Insurgente Makhnovista”, também conhecido como “Exército Negro”) na Ucrânia, aliado ou adversário do Exército Vermelho segundo as circunstâncias; o “Exército Verde” camponês e as tropas estrangeiras de intervenção, enviadas pela França, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e mais dez países. As nações beligerantes da Primeira Guerra Mundial resolveram intervir a favor do “Exército Branco”, que estava dividido.
Tropas inglesas, holandesas, americanas e japonesas desembarcaram tanto nas regiões ocidentais (Crimeia e Geórgia) como nas orientais (com a ocupação de Vladivostok e da Sibéria Oriental). Seus objetivos eram derrubar o governo bolchevique e instaurar um regime favorável à continuação da Rússia na guerra; seu objetivo maior, porém, era evitar a propagação do comunismo na Europa, daí a expressão de cordon sanitaire utilizada por Georges Clemenceau (primeiro-ministro da França), na intenção de criar uma barreira de segurança em torno da Rússia soviética. A intervenção dos aliados da Tríplice Entente contra a Rússia soviética foi uma operação militar multinacional: ela envolveu catorze nações e foi conduzida ao longo de uma vasta extensão do território russo.
No início o pretexto foi o de resgatar a Legião Tchecoslovaca para garantir os fornecimentos de armamentos e munições em portos russos, e eventualmente restabelecer a frente oriental da Primeira Guerra Mundial. Com o fim da guerra, os antigos países aliados contra os Impérios Centrais, inclusive os recém-chegados EUA, interviram na guerra civil russa dando apoio às tropas antibolcheviques.[v] No entanto, a oposição à campanha militar em curso tornou-se generalizada nos países da Entente, devido a uma combinação de falta de apoio do público interno e cansaço da guerra; os objetivos divididos e divergentes e a falta de uma estratégia global dificultaram a intervenção externa. Esses fatores, juntamente com a evacuação da Legião Tchecoslovaca e a deterioração da situação internacional obrigaram os aliados se retirarem do Norte da Rússia e da Sibéria, em 1920.
Depois do ataque da Legião Tcheca estacionada na Sibéria, composta por quarenta mil soldados e oficiais, houve uma grande ofensiva “branca” no verão de 1918: os bolcheviques se retiraram da Ásia e da Sibéria e ficaram ameaçados pelo Norte e pelo Sul. Mas depois da vitória de Kazan rejeitaram os brancos até os Urais; a capitulação alemã de fins de 1918 (na guerra mundial) lhes permitiu retomar Riga e penetrar na Ucrânia. Os brancos, reorganizados pelo general Kolchak, deflagraram uma nova ofensiva em 1919, retomando Riga junto aos “Corpos Francos” alemães, ameaçando Petrogrado e Moscou pelo Sul. Neste ponto, a ação e o comando do Exército Vermelho se tornaram decisivos, com Trotsky percorrendo pessoalmente todas as frentes de batalha num trem blindado, misturando comando militar com agitação política entre as tropas: os poderes oratórios de Trotsky viraram lendários.
Os “brancos” foram rejeitados até organizarem uma nova ofensiva em 1920 com o exército do barão Wrangel, armado e equipado pela França, e com a guerra russo-polonesa, na qual a França também interveio através da sua missão militar em Varsóvia. Apesar da evidente vontade de intervir contra a revolução soviética e de importantes investimentos materiais, as potências ocidentais, finalmente, renunciaram a uma operação de grande envergadura devido à sua própria crise: houve motins nas frotas francesa e inglesa, manifestações de operários e soldados no Canadá e a formação do “Conselho de Ação” pelos sindicatos britânicos, que ameaçaram com uma greve geral, o que impediu o apoio direto de Inglaterra à Polônia contra a Rússia soviética.
A falta de união, coordenação e estratégia comuns entre os líderes “brancos”, foram as principais causas da derrota da reação antibolchevique, que chegou a contar com forte apoio externo (principalmente da França, Grã-Bretanha e Japão) durante o primeiro ano do conflito. Mas esse apoio acabou se revelando instável, frágil, e entrou em crise com a continuidade das hostilidades bélicas. As tropas alemãs, desmobilizadas, não pretendiam continuar uma guerra que já perderam: uma parte delas (os marinheiros) protagonizou episódios revolucionários no retorno “em casa”. Com o fim do apoio aliado, o Exército Vermelho foi capaz de infligir derrotas crescentes ao Exército Branco e as restantes forças antissoviéticas. Durante a intervenção externa, a presença de tropas estrangeiras foi usada eficazmente como meio para propaganda patriótica pelos bolcheviques, conquistando o apoio de parcelas do antigo oficialato imperial. A crise internacional somada ao apoio majoritário da população camponesa mais pobre foram fatores da vitória “vermelha” na guerra civil.
Houve motins nas tropas intervencionistas, destacando-se a “revolta do Mar Negro” da armada francesa, quando se encontrava pronta para atacar Odessa:[vi] “Quando, após o armistício de 11 de novembro de 1918, seu navio fazia parte do esquadrão enviado a Odessa para lutar contra a Revolução Russa, André Marty – que teria pedido, sem sucesso, para deixar o exército em novembro de 1918 e janeiro de 1919 – esteve no centro dos motins conhecidos como a Revolta do Mar Negro. Já em fevereiro de 1919, movimentos de recusa em obedecer apareceram no Exército. Em março, uma empresa de engenharia se recusou a abrir fogo contra os ‘vermelhos’ em Odessa. O descontentamento também era evidente entre “os marinheiros (muitas vezes ex-operários), cansados da guerra, pouco inclinados a impedir o avanço dos bolcheviques – que chegaram a Odessa no início de abril – e que exigiam veementemente a melhora da alimentação e sua desmobilização”.[vii]
Em abril de 1919, os navios de guerra Jean Bart e France foram enviados para o Mar Negro para ajudar os “brancos” na guerra civil russa. Em 19 de abril de 1919, as tripulações desses navios se amotinaram contra seus comandantes. Apesar de suas simpatias com os “vermelhos” (e sua hostilidade aos “brancos”), as queixas principais das tripulações eram a lentidão de sua desmobilização após o fim da guerra, e a pequena quantidade e qualidade atroz das rações. O governo francês aceitou, finalmente, as exigências dos amotinados, mas perseguiu seus líderes ao seu retorno à França. Entre eles estavam Charles Tillon e André Marty, que ficariam em estreita associação política ao longo da vida. Marty foi preso, julgado e condenado a vinte anos de prisão com trabalhos forçados. Ele se tornou um herói internacional do comunismo e foi simbolicamente eleito para o soviete de Moscou pelos trabalhadores da fábrica Dynamo, e se tornou, depois de sua libertação, em dirigente do Partido Comunista da França e da Internacional Comunista, tendo um importante papel nas Brigadas Internacionais durante a guerra civil espanhola, na década de 1930.[viii]
O desembarco francês em Odessa, finalmente realizado em que pesem os motins, permitiu às tropas galas, nas quais oficiava como comandante o futuro presidente Charles de Gaulle, controlar o Sul da Ucrânia e a Crimeia. Os ingleses controlavam Batum, Baku, o Cáucaso, Kuban, o Leste do Don, Reval, e apoiavam os governos “brancos” da região. Em 1919, os brancos, dirigidos por Kolchak, ameaçaram o próprio centro do poder soviético, com Kolchak nos Urais, Denikin no Sul, Iudenitch indo da Estônia para a capital. Entre os brancos e os vermelhos, os governos locais passavam de um campo para outro: negociavam na Ásia central com os ingleses, dividiram a Ucrânia entre os partidários do nacionalista Petliura e os do anarquista Makhno, enquanto a população, aterrorizada pelas mudanças (Kiev foi tomada e retomada 16 vezes pelos diversos campos beligerantes) se escondia na floresta. Kolchak não ocultava sua vontade de reconstituir o velho Império Russo.
Os franceses descobriram que as tropas brancas eram lideradas na maioria das vezes por “senhores da guerra”, ineficazes, versáteis e, também, hostis a uma intervenção estrangeira, mas que deveriam vir para ajudá-los. “O exército de Denikin é mais um obstáculo do que uma ajuda, ele tem todos os defeitos do antigo exército russo e não tem suas qualidades”, observou um comandante francês. A posição das poucas tropas estrangeiras envolvidas neste imenso teatro de operações revelou-se extremamente precária desde o início. Seis semanas após o desembarque inicial em Odessa, apenas 3.000 soldados franceses foram destacados para ocupar a Ucrânia, um território maior do que a própria França. Era impossível mover-se para o interior. O moral estava muito baixo: as tropas não entendiam o que estavam fazendo ali e ficaram relutantes: “Os nossos militares, trabalhados por intensa propaganda bolchevique, não sonham em lutar contra um país com o qual a França não está oficialmente em estado de guerra”, afirmava o mesmo oficial. A propaganda que incitava as tropas a desobedecer e se juntar à Revolução Russa alimentava uma paranoia no Estado-Maior francês. Os observadores mais atentos notaram, entretanto, que não era a propaganda bolchevique a que minava o moral das tropas, mas seu cansaço e incompreensão ante uma intervenção que não parecia justificada. Desde o armistício de 11 de novembro de 1918, a guerra, na cabeça das pessoas, tinha acabado, e se a Rússia queria fazer uma revolução, esse era problema dela; a França não devia interferir. Um oficial estacionado em Sebastopol observou que a propaganda bolchevique não tinha muito efeito sobre as tropas, mas a atitude hostil da população tinha um impacto muito profundo.[ix]
Em finais de 1919, os esforços e a capacidade estratégico-militar de Trotsky e seu Estado Maior, a resistência dos aliados a ir mais longe, as inquietudes dos camponeses e das nacionalidades, foram inclinando a balança para o lado bolchevique. A estrutura militar planejada por Trotsky resultou num sucesso; ele próprio supervisou as operações militares viajando para todas as frentes de batalha, durante quase três anos, em um trem blindado. A guerra “vermelha” foi conduzida com mão de ferro. Seu grande cronista literário, ele próprio soldado do Exército Vermelho, relatou que atrocidades foram cometidas pelos cossacos vermelhos, muitas delas descritas no seu grande conto-romance a respeito. Um dos personagens de Isaak Babel disse: “Isto não é uma revolução marxista, é uma rebelião cossaca”. E ainda: “Sinto muito desgosto pelo futuro da Revolução… Nós somos a vanguarda, tudo bem, mas do que mesmo?… Por que não consigo vencer minha tristeza? Porque estou longe de minha família, porque somos destruidores, porque avançamos como um furacão, como uma língua de lava, odiados por todos, a vida se estilhaça, estou numa imensa, numa interminável campanha a serviço de fazer nascerem os mortos”.[x] O livro não foi censurado pelo regime soviético (ao contrário, teve grande popularidade).
Os problemas na condução da guerra revolucionária se manifestaram, já nesse momento, como conflitos entre a liderança do Exército Vermelho, principalmente Trotsky, e o grupo partidário chefiado por Stalin: “Como Comissário das Nacionalidades, Stalin exerceu uma influência decisiva em vários dos principais cenários da guerra civil. Em Tsaritsyn [futura Stalingrado], ele rapidamente se envolveu na ‘oposição militar’ de Voroshilov e Budienny contra os antigos oficiais czaristas recrutados por Trotsky, encorajando a desobediência militar contra essas figuras ‘burguesas’. Insurgido contra Trotsky, a quem ele criticava cada vez que tinha a oportunidade, Stalin tomou o controle da defesa militar de Tsaritsyn imediatamente depois de Lênin tê-lo enviado para garantir o embarque dos suprimentos de grãos da região. ‘Preciso possuir poderes militares’, ele escreveu a Lênin em meados de julho. ‘Eu vou remover esses comandantes militares e comissários que estão arruinando tudo’… Grandiloquente e arrogante, prometeu a captura de Baku, do Norte do Cáucaso e até do Turquestão [o que não aconteceu]”.[xi] Esses conflitos levaram a uma crise na liderança do bolchevismo: a primeira protofração stalinista se constituiu, provavelmente, dando vazão ao ressentimento social, não precisamente de base operária.
Chegou a haver atos de insubordinação na frente de Tsaritsyn, conduzindo a derrotas militares, que levaram Trotsky a pedir ao Sovnarkom que removesse Stalin de suas responsabilidades. O governo, sob proposta de Lênin, concordou parcialmente e deslocou Stalin, enviando-o para sua região natal no Cáucaso, mas recusou puni-lo politicamente. Sverdlov, que exercia funções de chefia de Estado, chegou a escrever a Trotsky, tentando apaziguá-lo, que Stalin estava rodeado de “velhos camaradas” contra os quais seria inconveniente se indispor, o que aconteceria se fosse sancionado (a sanção deflagraria uma crise no partido, em condições de guerra civil).[xii] O passado “não bolchevique” de Trotsky poderia ser utilizado contra sua liderança do Exército Vermelho (e, de fato, o foi).[xiii] Esses episódios e os conflitos militares marcaram a futura relação entre Stalin e Trotsky: o primeiro desenvolveu uma forte animosidade contra o “recém-chegado” que, além de superá-lo com seu brilho intelectual, conquistara imediatamente posições políticas e militares dirigentes.
No terreno econômico, devido à situação de emergência social e ao ímpeto revolucionário vigente, o partido bolchevique instituiu o “comunismo de guerra”. O dinheiro e o mercado foram praticamente abolidos, substituídos por uma economia dirigida baseada na tributação em gênero sobre os cereais e outros gêneros produzidos pelos camponeses. Uma das consequências economicamente negativas dessas medidas foi desencorajarem o plantio, por levarem os camponeses a sentir que bastaria produzir para sustento de suas famílias; os centros urbanos ficaram quase sem alimentos, provocando um êxodo das cidades para o campo. Petrogrado (São Petersburgo) e Moscou viram sua população reduzir-se pela metade. Um conflito cidade-campo desenhou-se, e teve suas primeiras manifestações na guerra civil de 1918-1921, antes de explodir com força enorme no final da década de 1920.
Em 6 de julho de 1918, após o assassinato do embaixador alemão em Moscou, conde Wilhelm von Mirbach, por um militante socialista revolucionário, houve uma série de levantes e rebeliões camponesas que se estenderam até dezembro de 1922, quando os opositores do regime bolchevique foram definitivamente derrotados. No V Congresso dos Sovietes de Toda Rússia, com esmagadora maioria bolchevique, os discursos antibolcheviques dos anarquistas e dos socialistas-revolucionários não receberam apoio e provocaram repulsa da grande maioria dos delegados. Derrotadas no congresso soviético, essas correntes decidiram sabotar o Tratado de Brest-Litovsk procurando arrastar a Rússia soviética para uma nova guerra com a Alemanha: o assassinato do embaixador alemão pelos SRs fez parte dessa tentativa (seu autor, Sklansky, depois de um período na prisão, foi anistiado e tornou-se bolchevique e assistente militar de Trotsky; “opositor de esquerda” durante a ascensão de Stalin, foi fuzilado). O assassinato do diplomata alemão foi repudiado por Lênin para a imprensa internacional.[xiv]
Outros graves problemas foram causados pelas dissidências, que chegaram ao enfrentamento militar, entre forças do campo revolucionário. A mais célebre foi a dos anarquistas na Ucrânia. O movimento anarquista ucraniano iniciou-se no vilarejo de Gulai-Pole, sob a liderança de Nestor Makhno (1888-1934), e se alastrou pelas regiões vizinhas de Aleksandrovsk até alcançar Kiev. Makhno fora eleito presidente do soviete de Gulai-Pole, seu berço natal, em agosto de 1917 e organizou uma pequena milícia para expropriar os latifúndios e dividi-los entre os camponeses mais pobres. Após o tratado de Brest-Litovsk, que cedeu a Ucrânia ao Império Austro-Húngaro, uma milícia “makhnovista” se formou e executou com sucesso ações de guerrilha contra o exército invasor alemão. Com o armistício de novembro de 1918, as tropas estrangeiras se retiraram. A milícia makhnovista se voltou nesse momento contra o líder nacionalista ucraniano Petliura. Em seguida, Petliura foi derrotado pelo Exército Vermelho; durante o embate entre “vermelhos” e nacionalistas, Gulai-Pole ficou sob o domínio dos makhnovistas. Makhno aproveitou a temporária calmaria para convocar congressos de camponeses com a finalidade de implantar o “comunismo libertário”: suas discussões se voltaram principalmente para a defesa da região contra os outros exércitos.
O poder local permaneceu com o grupo de Makhno, que se esforçou para criar uma economia de trocas livres entre o campo e as cidades, inclusive Kiev, Moscou e Petrogrado. A relativa calmaria terminou em 15 de junho de 1919, quando, após atritos menores entre o exército makhnovista e grupos armados “vermelhos”, o IV Congresso Regional de Gulai-Pole convidou os soldados da base do Exército Vermelho a enviar seus representantes. Isso era um desafio direto ao comando militar bolchevique, exercido pessoalmente por Trotsky. Em 4 de julho um decreto do governo soviético proibiu o congresso e tornou o movimento makhnovista ilegal: suas tropas atacaram Gulai-Pole e dissolveram as “comunas anarquistas”. Poucos dias depois as forças brancas de Denikin chegaram à região, obrigando ambas as facções a se aliarem novamente. Durante os meses de agosto e setembro, Denikin avançou a passo firme em direção a Moscou, enquanto makhnovistas e comunistas eram obrigados a retroceder, chegando até as fronteiras ocidentais da Ucrânia. Em setembro de 1919, Makhno, cujas tropas somavam vinte mil soldados, surpreendeu Denikin lançando um ataque vitorioso, cortando as linhas de abastecimento do general branco e semeando pânico e desordem na sua retaguarda; ao final do ano o Exército Vermelho forçou Denikin a recuar até as margens do Mar Negro.
O clímax da “revolução ucraniana” aconteceu nos meses que se seguiram a essa vitória. Durante os meses de outubro e novembro, Makhno esteve no poder nas cidades de Ekaterinoslav e Aleksandrovsk, sua primeira oportunidade de aplicar a concepção anarquista em ambiente urbano. O primeiro ato de Makhno após entrar nessas cidades (depois de esvaziar as prisões) foi anunciar aos cidadãos que a partir deste momento eram livres para organizarem suas vidas conforme preferissem, sem reconhecer qualquer autoridade. Se proclamou a liberdade de imprensa, palavra e reunião; em Ekaterinoslav surgiram imediatamente meia dúzia de periódicos com uma ampla gama de tendências políticas. Makhno dissolveu os “comitês revolucionários” bolcheviques, aconselhando seus membros a se dedicarem a “algum trabalho honesto”.[xv] Para os camponeses “novos proprietários” da Ucrânia a política de total liberdade de comércio era a realização de suas aspirações. O conflito com a centralização econômico-militar defendida pelo governo bolchevique foi inevitável e cresceu sistematicamente. Os makhnovistas adotavam o princípio da eleição direta dos comandos militares, que os bolcheviques já tinham rejeitado. Na sua propaganda e proclamações, os anarquistas maknovistas (os anarquistas urbanos das grandes cidades, em geral, não participaram do movimento) chegaram a equiparar os bolcheviques com as antigas classes dominantes.
A classe operária ucraniana não respondeu ao movimento makhnovista com o mesmo entusiasmo dos camponeses. Ao negar-se a abandonar sua independência em relação ao Exército Vermelho, o movimento makhnovista, qualificado de variante do banditismo, foi novamente declarado ilegal em 1920 pelo governo soviético. O Exército Vermelho voltou a combatê-lo; durante os oito meses que se seguiram ambos os lados sofreram pesadas baixas. Em outubro de 1920, no entanto, o barão Wrangel, sucessor de Denikin no comando dos “brancos” do Sul, lançou uma importante ofensiva, partindo da Crimeia rumo ao Norte. A contrarrevolução bateu, com sua dura realidade, à porta de anarquistas e bolcheviques. Nessa ocasião, novamente o Exército Vermelho solicitou a ajuda dos makhnovistas, e novamente a frágil aliança se refez: “Para os makhnovistas era apenas um acordo militar, em absoluto político, porque os bolcheviques continuavam sendo seus adversários. Para Moscou, o ponto de vista era outro: a partir do momento em que existia aliança militar havia automaticamente dependência política, reconhecimento oficial da autoridade do poder político soviético na Ucrânia. Essas duas interpretações contrapostas estavam na base de um conflito latente”.[xvi] Um conflito que levaria ao fim (não raro trágico) das tentativas de acordo (chegaram a se realizar entrevistas entre Lênin e Makhno no Kremlin, durante visita deste a Moscou.
Na lembrança de Makhno acerca de seus encontros com Lênin, ele sublinhou que a discussão foi amistosa, embora nada diplomática, relatando o ponto em que se centrou a divergência política entre eles: “Não consegui me conter e nervosamente disse a Lênin que o anarquismo e os anarquistas não se jogaram nos braços da contrarrevolução. “Eu disse isso?”, perguntou Lênin, que me explicou o que ele queria dizer: segundo ele, os anarquistas, não tendo uma organização séria em grande escala, não podiam organizar o proletariado e o campesinato pobre, e, consequentemente, não podiam treiná-los para a defesa, no sentido amplo da palavra, daquilo que foi conquistado por todos nós e do que nos é caro… Lembro-me do preocupação sincera que se apoderou dele ao ouvir minha resposta: era a preocupação que só pode sentir um homem cuja vida é animada pela paixão da luta contra um sistema que ele odeia e pela sede de vitória sobre este sistema”.[xvii]
Em Moscou, o líder ucraniano se desiludiu com o “anarquismo urbano” russo (proclamatório e escassamente ativo) e dos flertes, que incluíram Trotsky, sobre a possibilidade de uma aliança duradoura entre bolcheviques e anarquistas na Ucrânia, onde os bolcheviques eram escassos.[xviii] Os makhnovistas, em contrapartida, careciam de armamento bom e suficiente, dependendo na questão dos bolcheviques. Já com a guerra civil praticamente ganha pelos “vermelhos”, a aliança anarco-bolchevique foi novamente desfeita, reiniciando as hostilidades mútuas, muito violentas: “Maknho e seus companheiros fuzilavam apenas os chefes, soldados de altíssima patente dos bolcheviques, libertando todos os soldados rasos”,[xix] o que, evidentemente, não era considerada uma atitude magnânima por parte do Exército Vermelho.
Segundo o racconto retrospectivo de Trotsky, “os camponeses haviam aprovado os ‘bolchevistas’, mas tornavam-se cada vez mais hostis aos ‘comunistas’… (Makhno) parava e pilhava os trens destinados às fábricas, às usinas e ao Exército Vermelho… Denominava tudo isto de luta anarquista contra o Estado. Em realidade, era a luta do pequeno proprietário exasperado contra a ditadura proletária… Eram convulsões da pequena burguesia camponesa que queria livrar-se do capital, mas, ao mesmo tempo, não aceitava submeter-se à ditadura do proletariado”.[xx] Trotsky catalogou em termos semelhantes a insurreição camponesa de Tambov (liderada pelos socialistas revolucionários). A guerra civil e a polarização política foram transformando o bolchevismo no dono absoluto do cenário político, o único partido representado nos soviets (entre 70% a 80% dos delegados no Congresso dos Soviets de Toda Rússia, no outono de 1918; 99% dos delegados no mesmo congresso, em 1920)[xxi]. Nas velhas classes dominantes, a base social dos antigos partidos burgueses e aristocráticos tinha se transformado em “vendedores ambulantes, carregadores, atendentes de pequenos cafés”,[xxii] quando não tinha optado pelo exílio.
Em 25 de novembro de 1920, líderes do exército makhnovista, reunidos na Crimeia por ocasião da vitória sobre Wrangel, foram presos e executados pela Tcheka. No dia seguinte, por ordem de Trotsky, Gulai-Pole foi atacada e ocupada pelo Exército Vermelho. Os enfrentamentos com os partidários da makhnovitchina se generalizaram, e a Tcheka (polícia política soviética) não vacilou em realizar fuzilamentos em massa, sem qualquer tipo de processo, próprios de guerra civil.[xxiii] Makhno conseguiu fugir e se exilar na França, onde continuou defendendo o anarquismo e, sobretudo, seu papel na revolução russa, antes de morrer pobre, ainda jovem e relativamente esquecido.
A guerra civil se desenvolveu no meio dessas contradições sociais e políticas e do bloqueio econômico e político internacional ao poder soviético, do qual este tentou sair por meios diplomáticos e militares. Surpreendentemente, para os que davam sua precária sobrevida como temporária, o governo bolchevique sobreviveu a todos esses fatores adversos. O preço pago pela população russa, a ser somado aos milhões de vítimas provocados pela guerra mundial, foi enorme: Jean-Jacques Marie calculou em 4,5 milhões as mortes durante a guerra civil, sendo só parte delas provocada pelas hostilidades militares. O Exército Vermelho, composto menos por camponeses fardados (como era o exército czarista) do que por desempregados urbanos e rurais sem treino militar, teve um milhão de baixas fatais ao longo da guerra civil, quase dois terços das quais provocadas por fome, frio e doenças variadas (houve uma devastadora epidemia de tifo). No total, em torno de 3% da população russa pereceu ao longo da guerra civil, contabilizando suas vítimas diretas e indiretas, um percentual enorme a ser somado às vítimas russas da guerra mundial.[xxiv] Essa sangria humana e os métodos militares rigorosos usados para a vitória na guerra civil deixaram marcas de longo prazo na jovem sociedade soviética.
A expansão militar da Rússia soviética foi provocada pela guerra civil vencida pelo Exército Vermelho até sua derrota na Polônia, que obrigou o poder soviético a assinar o Tratado de Riga, impondo-lhe novas perdas territoriais além daquelas concedidas em Brest-Litovsk e distanciando-o física e militarmente da potencial revolução na Alemanha. Houve consenso entre os bolcheviques em que o pior erro do Exército Vermelho durante a guerra civil foi a ofensiva sobre Varsóvia, em 1920, na expectativa de que o proletariado polonês se levantasse com a chegada dos “vermelhos”. Nada disso aconteceu, e a Rússia soviética teve que suportar a contraofensiva militar polonesa comandada pelo regime nacionalista de Pilsudski, que chegou a tomar Kiev e parte da Ucrânia para estender as fronteiras da Polônia. Os jovens comunistas poloneses eram contrários à ofensiva. Trotsky reconheceu, ulteriormente: “Os acontecimentos da guerra e os do movimento revolucionário das massas têm medidas diferentes. O que para o exército se mede em semanas e dias, o movimento das massas populares o calcula em meses e anos. (Na ofensiva sobre Varsóvia) deixamos atrás nossa própria vitória, correndo para uma derrota penosa”. A Rússia soviética foi obrigada a assinar o Tratado de Riga, que levou as fronteiras polonesas para 150 quilômetros além das suas “linhas étnicas”. O “erro polonês” teve consequências históricas: “A Polônia de Pilsudski saiu da guerra inesperadamente fortalecida. Um golpe terrível foi dado à revolução polonesa. A fronteira estabelecida pelo Tratado de Riga separou à República Soviética da Alemanha, o que teve depois uma importância excepcional na vida dos dois países”.[xxv]
O que foi corroborado, à sua maneira (anticomunista) e levando em conta consequências que o próprio Trotsky não testemunhou, por um historiador contemporâneo: “Em 1920, o revolucionário Exército Vermelho, após as vitórias na guerra civil russa, invadiu a Polônia na tentativa de destruir o jovem Estado e disseminar a revolução proletária na Europa. A cavalaria vermelha chegou quase até a fronteira alemã, enquanto as pobremente armadas tropas de Mikhail Tukhatchevski ameaçaram cercar Varsóvia, a ex-capital da Polônia russa. Na ausência de qualquer esforço por parte de Grã-Bretanha e França para proteger o Estado que haviam construído pouco tempo antes, os poloneses protagonizaram uma notável vitória sob a liderança de Joseph Pilsudski, que em 1914 organizara uma legião polonesa para lutar ao lado da Áustria-Hungria contra a Rússia czarista. A batalha por Varsóvia poucas vezes recebe o peso que merece nas narrativas históricas dos anos 1920, mas salvou o Leste europeu de uma cruzada comunista e preservou a independência da Polônia contra seus dois perigosos vizinhos, a Alemanha e a União Soviética [que ainda não existia, NDA]. A vitória de 1920 também se tornou o mito fundador do novo Estado polonês e desempenhou um papel na sua posterior determinação de não se sujeitar a nenhum dos dois vizinhos em 1939”.[xxvi]
Rússia havia retrocedido economicamente a um nível inferior ao existente antes da Primeira Guerra Mundial. As condições de centralização militar, impostas pela guerra civil, provocavam descontentamento crescente na população e no próprio partido bolchevique. No IX Congresso do Partido Comunista, em março de 1920, o bolchevique Sapronov se dirigiu a Lênin: “Acreditais que na obediência cega se encontra a salvação da revolução?”. Em janeiro de 1921, o Pravda publicou a nota de demissão do partido de um comunista: “Não creio na realização do comunismo, em virtude dos privilégios que gozam os comunistas com posições de responsabilidade”. Um militante chamado Speranski afirmava que os operários de base do partido olhavam para alguns dirigentes com “ódio de classe”.[xxvii] O próprio Lênin criticava a “arrogância comunista”, contra a qual se pronunciava, em privado, em termos irreproduzíveis.
A situação econômica do país era dramática, além inclusive da consciência de seus próprios protagonistas e dirigentes principais: “O país encontrava-se, em 1920, numa situação fragilizada em relação ao momento imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial. Naquele ano, na indústria têxtil, apenas 6% de todos os fusos eram operacionais, em comparação com 1913, enquanto a indústria metalúrgica produzia menos de 5% e as minas de carvão de Donetz, 10%. O mesmo pode ser dito da produção de minério de ferro, que chegara, em 1918, a 12,3% dos níveis de 1913, enquanto em 1920, descenderiam a 1,7%. Boa parte das ferrovias e 50% das locomotivas encontravam-se inoperantes em 1920. Além disso, ao longo da guerra civil, a força de trabalho do país iria diminuir pela metade (o absenteísmo chegaria a 30% nas fábricas). A produção da indústria pesada foi sete vezes menor do que logo antes do início do conflito na Europa e a de ferro fundido atingiu, no ano de 1921, 116.300 toneladas, o equivalente a 3% de 1913. Combinado à baixa produtividade, os salários cobriam somente um quinto do custo de vida. Além disso, havia um nítido esgotamento dos estoques, falta de combustível e uma grande deterioração das ferrovias. No caso da agricultura, em 1921 as cabeças de gado eram menos de dois terços de seu total, as ovelhas 55%, os porcos 40% e os cavalos, 71% (se comparados a 1913), enquanto a área agricultável fora cortada pela metade, o que levou a uma significativa diminuição da colheita de culturas diversas. Isso para não falar de uma seca extrema na região do baixo Volga (assim como nas planícies dos Urais, Cáucaso, Crimeia e partes da Ucrânia), entre 1920 e 1921, que eliminou cinco milhões de pessoas (movimentos migratórios intensos, com várias cidades perdendo boa quantidade de mão de obra qualificada, também foi outro fenômeno daquele momento; só Petrogrado, o maior centro industrial, perdera 60% de sua população)”.[xxviii]
Em 1921, a situação econômica e as condições de vida da população eram mais que preocupantes. A indústria soviética representava apenas 20% da produção de 1914. A produção de ferro, 1,6% e a de aço, 2,4%. Os setores do carvão e do petróleo, menos afetados pela guerra, alcançavam 27% e 41% respectivamente. 60% das locomotivas e 63% das vias férreas estavam inutilizadas. A extensão da superfície cultivada havia retrocedido 16% e os intercâmbios entre o campo e a cidade haviam se reduzido ao mínimo. Os trabalhadores mais favorecidos recebiam entre 1.200 e 1.900 calorias diárias das 3.000 necessárias. O proletariado industrial se encontrava desfeito. Em 1919 havia três milhões de operários, um ano depois esse número havia caído pela metade, e em 1921 não passava de 1.250.000. O “comunismo de guerra” chegou a ser teorizado nesses anos como uma via regia de passagem para o comunismo num célebre manual bolchevique impresso e distribuído em milhões de exemplares na Rússia soviética e largamente traduzido e divulgado no exterior.[xxix]A guerra civil russa, além disso, combinou-se com a agitação democrática e anti-imperialista nos países vizinhos, o que também foi um fator da vitória “vermelha”, pois criou um fator de pressão internacional sobre as potências externas intervencionistas. A tarefa dos bolcheviques, vencer uma guerra simultaneamente interna e externa, parecia, inicialmente, impossível. A guerra civil terminou em 1921 (ou 1922, segundo autores que consideram o conjunto das escaramuças locais), mas, desde 1920, o novo regime parecia a salvo.[xxx]
As consequências políticas da guerra civil foram de longo prazo; os bolcheviques viraram protagonistas únicos do cenário político: “A ofensiva contra os mencheviques e SRs minguou depois de 1918: postos entre a restauração branca e o terror vermelho aqueles escolheram o segundo. O governo soviético, acuado, aceitava toda ajuda. Findo o terror de finais de 1918, SRs e mencheviques continuaram a viver uma existência fictícia, enviando delegados aos sovietes das aldeias até as eleições de 1920. Em teoria, era uma atividade impossível; na prática, acontecia. Em dezembro de 1920 os mencheviques participaram pela última vez do Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia como representantes de organizações soviéticas locais: não seriam mais tolerados depois disso. Martov [líder histórico da fração menchevique] já havia deixado Rússia em inícios de 1920, provocando a debandada da direção menchevique. O que sobrou do partido menchevique uniu-se aos bolcheviques ou abandonou a política. Com o fim da guerra civil, os bolcheviques deixaram de ter qualquer oposição organizada”.[xxxi]
A guerra civil transformouos bolcheviques em “partido único”, depois do fracassado atentado de seus ex-aliados esseristas de esquerda contra a vida de Lênin (embora Fanny Kaplan, sua autora, insistisse em que tinha agido por conta própria: foi sumariamente executada). As sequelas do atentado foram consideradas responsáveis pelo declínio da saúde de Lênin e por sua morte prematura, em 1924, aos 55 anos de idade. Houve, também, os assassinatos de Uritsky, membro do Comitê Central, e do popular orador bolchevique Volodarsky: “Os acontecimentos do verão de 1918 deixaram os bolcheviques sem rivais nem comparsas como partido dominante no estado; e possuíam na Tcheka um órgão de poder absoluto. Persistia, contudo, uma forte relutância em usar esse poder sem restrições. Não tinha ainda chegado o momento para a extinção final dos partidos excluídos. O terror era, nesta altura, um instrumento caprichoso e era normal encontrar partidos contra os quais tinham sido pronunciados os mais violentos anátemas e tomadas as medidas mais drásticas a continuarem a sobreviver e a gozarem de certa medida de tolerância.
“Um dos primeiros decretos do novo regime tinha autorizado o Sovnarkom a encerrar todos os jornais que pregassem ‘aberta resistência ou desobediência ao Governo Operário e Camponês’ e, em princípio, a imprensa burguesa deixou de existir. Apesar deste decreto, contudo, e apesar da proscrição do partido cadete, em fins de 1917, o jornal cadete Svoboda Rossi ainda era publicado em Moscou no verão de 1918. O jornal menchevique de Petrogrado, Novyi Luch, foi suprimido em fevereiro de 1918 pela sua campanha de oposição ao tratado de Brest-Litovsk. Não obstante, reapareceu, em abril, em Moscou, com o nome de Vpered e continuou durante algum tempo a sua carreira sem interferências. Publicavam-se em Moscou jornais anarquistas muito tempo depois da ação da Tcheka contra os anarquistas, em abril de 1918”.[xxxii] A guerra civil varreu os compromissos de fato entre o bolchevismo e a oposição, “soviética” ou não.
No final da guerra civil, apareciam os sintomas de uma estabilização, não só do capitalismo, mas da situação mundial criada pelo surgimento da Rússia soviética. Havia uma espécie de “empate histórico”: a revolução não fora derrotada, mas estava “contida” nos limites da Rússia. Lênin referiu-se à revolução russa como sendo, por esse motivo, “semi-vitoriosa e semi-derrotada”: “Em qualquer hipótese, sob quaisquer circunstâncias, se a revolução alemã não acontecer, estaremos condenados” – assim se expressava Lênin em fevereiro de 1918. E não se tratava, no seu caso, de uma ideia nova, pois ele mesmo declarara no IV Congresso do POSDR em 1906: “Eu formularia esta proposição da seguinte maneira: a revolução russa pode conseguir a vitória sozinha, mas não conseguirá se manter e consolidar seus ganhos por suas próprias forças. Não poderá fazer isso a não ser que haja uma revolução no Ocidente. Sem esta condição, a restauração é inevitável”.
A guerra civil provocou enormes destruições, o quase fim das trocas comerciais e do abastecimento: as cidades perderam 30% dos seus habitantes, as linhas de transporte não funcionavam, a população sofria a fome e o frio (7,5 milhões de russos foram vítimas da fome e das epidemias). A classe operária se decompunha ao mesmo tempo em que se operava uma rigorosa centralização militar. O endurecimento do regime, o aparecimento da Tcheka (polícia política), a passagem dos outros partidos para o campo “branco” na guerra civil, implicou na extinção da democracia soviética. A indústria produzia 20% do nível pré-1914; a agricultura, base da sobrevivência da enorme população russa, só 50%. A classe operária ficara reduzida a menos da metade de seu número anterior à guerra, os camponeses, agora donos de suas parcelas, recusavam o abastecimento das cidades.
A vanguarda operária militante da revolução de 1917 se transformava em um grupo de “governadores de operários” (o conflito no partido sobre a “militarização dos sindicatos”, medida defendida por Trotsky, ilustrava essa situação), fortemente influenciados pelos métodos autoritários usados durante a guerra civil, e fortemente inclinados a usá-los novamente para resolver os problemas mais urgentes. Nesse quadro explodiram as greves de Petrogrado e, sobretudo, a insurreição de Kronstadt; mas também a agitação antissoviética no campo: “O fim da guerra civil conduziu a uma deterioração da liberdade política na Rússia, passando da repressão durante a guerra civil, generalizada, mas ainda um tanto provisória, à repressão completa e sistemática dos partidos e grupos de oposição após o fim dessa guerra. Em 1922, os últimos jornais e diários da oposição foram fechados, para nunca mais serem reabertos”.[xxxiii]O que afundou em definitiva os outros partidos socialistas foi sua oposição ao poder soviético, baseada na ideia de que os trabalhadores não poderiam conquistar e manter o poder na Rússia, e de que o próprio governo soviético seria rapidamente derrubado, o que se revelou um cálculo político desastrado.
Em abril-maio de 1918, Lênin impulsionara um “capitalismo de Estado”, necessário para superar a pequena propriedade – “se o instalarmos na Rússia, a transição para o socialismo será fácil”, disse – abandonado depois pela penúria imposta pelo conflito interno e internacional.[xxxiv] Em abril de 1918, Lênin explicava que “o socialismo exige um avanço consciente e massivo em direção a uma produtividade do trabalho superior à do capitalismo e baseada naquela alcançada por este”.[xxxv] Em contrapartida, desde inícios de 1920, Trotsky pedia o abandono do comunismo de guerra, propondo medidas que prefiguravam a NEP (Nova Política Econômica) adotada em março de 1921, sendo derrotado, nessa proposta, no Comitê Central por onze votos contra quatro: “A decisão do CC estava errada”, diria mais tarde. Terminada a guerra civil, a Rússia estava completamente arrasada, com graves problemas para recuperar sua produção agrícola e industrial. Visando promover a reconstrução do país, o Sovnarkom, órgão máximo do poder soviético, criou, em fevereiro de 1921, a Comissão Estatal de Planificação Econômica ou Gosplan, encarregada da coordenação geral da economia do país.
Foi nessas condições que o governo soviético se tornou um governo de força: “Os líderes bolcheviques eram cientes de sua posição tênue. Por isso, a sua política inicial combinou o oportuno com a reparação dos sofrimentos mais imediatos dos operários, soldados e camponeses. O primeiro desses elementos foi a requisição de grãos. O programa que incentivava os camponeses a tomar posse da terra enquanto proprietários individuais, visto pelos oponentes mencheviques como um gesto cínico e oportunista, recriou o problema da falta de alimentos que fora tão agudo durante a guerra, sob os regimes czarista e do governo provisório. A desvalorização da moeda e a falta de manufaturas desencorajou os camponeses a trocarem os seus excedentes; o recrutamento de catorze milhões de homens esvaziara a força de trabalho da terra; e a tendência dos camponeses de dividir a terra em minúsculas propriedades familiares reduzia a produtividade. Por essas razões, os bolcheviques não podiam, com realismo, esperar que houvesse alimentos suficientes antes que se restabelecesse a produção nos ramos não militares da indústria e antes que se restaurasse a troca entre cidade e campo. Quando falhou a sua tentativa de mover as camadas inferiores do campesinato (a bednota) contra os camponeses mais ricos, o regime apelou à requisição forçada de grãos, como fizeram os governos precedentes”.[xxxvi]
No marco da organização armada da contrarrevolução, surgiu o “terror vermelho”, que bateu inclusive em elementos da esquerda antibolchevique quando eles se engajavam em atividades hostis ao poder soviético. Em 5 de setembro de 1918 o Conselho dos Comissários do Povo publicou o decreto “sobre o terror vermelho” apelando para “isolar os inimigos de classe da República Soviética e executar no local todo elemento envolvido em insurreições, motins ou pertencentes à Guarda Branca”. Isaac Steinberg, responsável pela Justiça no governo soviético antes de abandoná-lo em protesto contra o Tratado de Brest-Litovsk e dirigente SR, definiu o terror como “um plano legal de intimidação massiva, de pressão, de destruição, dirigido pelo Poder”. As injustiças e violências cometidas pelo “terror vermelho” foram um componente, um risco, do próprio método; dizer que “as medidas brutais não eram socialistas (mas) não deixavam de ser revolucionárias”, no entanto, equivale a esquivar a questão.[xxxvii]
O “terror vermelho”, guardadas as devidas proporções, foi inferior ao terror jacobino durante a Revolução Francesa.[xxxviii] A palavra “terrorismo”, no sentido político, não tinha seu significado atual, mas sim aquele que lhe tinha sido conferido pelo jacobinismo na Revolução Francesa. O “terror vermelho” foi implantado oficialmente em 2 de setembro de 1918 por Jakob Sverdlov em nome do Soviete. A campanha de repressão em massa começou em retaliação ao assassinato em Petrogrado do líder da Tcheka, Moiseï Uritsky, pelo estudante e membro do Partido Socialista Revolucionário, Leonid Kannegisser,e pela tentativa de assassinato de Lênin pela socialista revolucionária Fanny Kaplan,em 30 de agosto de 1918. 1.300 “representantes da classe burguesa” foram executados por destacamentos da Tcheka dentro das prisões em Petrogrado e Kronstadt entre 31 de agosto e 4 de setembro de 1919. Chega-se a afirmar que 500 reféns foram executados imediatamente pelo governo bolchevique após o assassinato de Uritsky.
Diante da situação em Níjni Novgorod, uma insurreição civil com latifundiários que impediam a requisição de seus grãos por destacamentos militares, Lênin respondeu, em carta aos bolcheviques da região: “Camaradas! A revolta kulak em seus cinco distritos deve ser esmagada sem piedade… vocês devem fazer dessas pessoas um exemplo. (1): enforquem (quero dizer, enforcar publicamente, para que as pessoas vejam) pelo menos 100 kulaki, bastardos ricos, e sanguessugas conhecidos; (2): publiquem seus nomes; (3): confisquem todos os seus grãos; (4): selecionem os prisioneiros de acordo com as minhas instruções do telegrama de ontem. E façam tudo isso de modo que, por quilômetros ao redor, as pessoas vejam tudo isso, compreendam, temam, e digam que estamos matando os kulaki sanguinários e que vamos continuar a fazê-lo…”.
Essa proposta de Lênin, como outras semelhantes, não foi levada à prática. Em contraste, várias iniciativas “espontâneas”, mais massacradoras ainda, tiveram lugar, como a dos operários de Nijni Novgorod que, esfomeados, se armaram de fuzis e metralhadoras e percorreram a campanha vizinha à procura de alimentos ocultos pelos camponeses donos de parcelas individuais: não cem, mas várias centenas destes foram executados sem qualquer espécie de processo, ou seja, sem mais processo do que a própria fome dos executantes. Lênin pretendia canalizar a disputa pelo grão como uma luta de classes no campo, chamando à constituição de comitês de camponeses pobres para opô-los aos kulaki açambarcadores da maior parte da produção agrária, chegando a teorizar (em março de 1919) que “nossa revolução foi em grande medida uma revolução burguesa até a organização dos comitês de camponeses pobres”, os quais, porém, foram dissolvidos depois de se revelarem pouco eficazes no combate à fome. Historiadores, como Jean-Jacques Marie, defenderam Lênin da acusação de ser um “fuzilador em massa” afirmando que muitas das propostas do líder não eram para serem levadas ao pé da letra (nem eram executadas de fato), mas eram, sobretudo, apelos à firmeza política do bolchevismo e do poder soviético contra os inimigos da revolução, uma afirmação que esquece que, de fato, Lênin era o chefe de Estado, possuindo a caneta capaz de ordenar fuzilamentos.
Não seria possível calcular o percentual das ordens nesse sentido realmente implantadas, mas sim lembrar que elas foram dadas sob o duplo constrangimento da guerra civil, da intervenção externa contra o poder soviético e, fator decisivo, da fome que assolava as cidades russas: a única comparação numérica que caberia fazer é que o fuzilamento de cem latifundiários ou kulaki para salvar da morte por inanição centenas de milhares de seres humanos, não parece o produto da loucura de um déspota criminoso, mas uma medida ditada por condições extremas de miséria e fome no quadro de um confronto bélico social e nacional. Em plena guerra civil, Lênin criticou publicamente Béla Kun, cujas execuções desnecessárias de prisioneiros brancos o enfureceram: em castigo, Lêninenviou o líder húngaro em missão ao Turquestão.
À medida que a guerra civil progredia, um número significativo de presos, suspeitos e reféns foram executados com base de pertencerem às “classes inimigas do proletariado”. A 16 de março de 1919, a Tcheka invadiu a fábrica Putilov em greve: mais de 900 trabalhadores foram presos, 65 foram executados durante os dias sucessivos. E inúmeras greves ocorreram na primavera de 1919, nas cidades de Tula, Oriol, Tver, Ivanovo e Astracã. Os trabalhadores reivindicavam rações alimentares semelhantes às dos soldados; alguns exigiam a eliminação dos privilégios para os dirigentes soviéticos, a liberdade de imprensa e eleições livres. Todas as greves foram reprimidas pela Tcheka, muitas vezes usando extrema violência. Pressionados, os dirigentes soviéticos, Lênin incluído, deram publicidade ao valor de seus ordenados, que em geral ultrapassava a média dos operários, embora não de muito, e inclusive a composição (rala) de suas rações alimentares.
Durante a guerra civilo “terror branco” da contrarrevolução assassinava sem piedade, manifestando abertamente seu ódio contra a revolução e seu antissemitismo, sem qualquer preocupação de legalidade e sem vacilações.[xxxix] O terror vermelho, e seu instrumento, a Tcheka, chefiada pelo bolchevique Félix Dzerzhinski, situada por cima das instituições legais (estatais ou partidárias) provocou mais de uma crise interna: “A ação da Tcheka provocava oposições dentro do partido. Alguns quadros opunham-se em princípio à política contínua de terror, que tratava os suspeitos com meios ‘administrativos’ e não judiciários. Outros se opunham ao terror com argumentos humanitários, mas suas objeções eram descartadas como sentimentalistas. Muitos temiam que a Tcheka, cada vez mais independente e poderosa, acabasse constituindo-se num Estado dentro do Estado. Eram também frequentes os conflitos entre ela e os soviets locais, que não aceitavam a intromissão de um órgão não constitucional em suas funções”.[xl]
O “terror vermelho”, segundo Pierre Broué, incluiu “represálias cegas, tomadas e execuções de reféns, às vezes massacres nas prisões… uma violência que era uma resposta ao terror branco, seu correlato. Uma orgia de sangue, certamente. Mas as vítimas foram incomparavelmente menos numerosas do que as da guerra civil”.[xli] Até março de 1920, o número de vítimas foi oficialmente fixado em 8.620 pessoas; um observador contemporâneo o avaliou em pouco mais de dez mil vítimas.[xlii] A política bolchevique parece ter sido mais a de canalizar uma tendência existente no campo popular e revolucionário – fazendo dela um instrumento de defesa da revolução – do que a organização de uma vingança indiscriminada. O “terror branco” do general Wrangel, ainda em 1921 reconhecido como o “legítimo governo” russo pela “democrática” França, fez mais vítimas do que o “vermelho”, apelando não raro para a tortura, o assassinato de crianças e os pogroms antissemitas.
Karl Kautsky, transformado em ferrenho adversário do bolchevismo, pretendeu julgar negativamente e ao mesmo tempo “compreender” o terror vermelho: “Entre as manifestações do bolchevismo, o terror, que começa com a abolição da liberdade de imprensa e culmina com um sistema de fuzilamento em massa, é a mais chamativa e a mais repugnante, a que mais ódio produziu contra os bolcheviques. No entanto, não podemos culpá-los pelo seu destino trágico, mesmo considerando que nos fenômenos históricos de massa se possa falar em culpabilidade, que é sempre pessoal”. Em resposta, Leon Trotsky invocou a situação em que o terror tinha lugar: “O rigor da ditadura do proletariado na Rússia foi condicionado por circunstâncias críticas. Tínhamos uma frente contínua do norte ao sul, do leste ao oeste. Além dos exércitos contrarrevolucionários de Kolchak, de Denikin, etc, a Rússia Soviética era atacada pelos alemães, austríacos, tcheco-eslovacos, romenos, franceses, ingleses, americanos, japoneses, finlandeses, estonios e lituanos. No interior do país, bloqueado por todos os lados e consumido pela fome, havia incessantes complôs, levantamentos, atos terroristas, destruição de depósitos, de estradas de ferro e pontes”.[xliii]
O inventário do terror foi feito pelos adversários do poder soviético: “Quando falamos da repressão que se seguiu aos levantamentos camponeses; quando falamos de execução de operários em Astracã ou em Perm, está claro que não se trata de um ‘terror de classe’ específico contra a burguesia. O Terror foi deflagrado desde os primeiros dias contra todas as classes sem exceção e, sobretudo, contra os intelectuais, que formam uma classe independente… O terror bolchevique, na verdade, poderia se chamar de ‘terror dos covardes que perderam a cabeça’ (palavras de Herzen) porque os motivos das detenções são os mais extraordinários”[xliv] (isto é, arbitrários) afirmou um intelectual russo exilado num dos primeiros textos de denúncia do “terror bolchevique”, amplamente divulgado na Europa ocidental, onde seu autor deixava clara sua oposição a toda e qualquer revolução proletária. Misturando e somando mortes devidas a guerra civil com execuções (com ou sem processo) de caráter policial-repressivo, esse autor situou as vítimas do “terror vermelho” na casa das centenas de milhares.
A campanha internacional de propaganda contra o bolchevismo, no entanto, foi provocada pela eliminação física da família imperial, incluídas as crianças, filhas do Czar e da Czarina. Como parte do terror vermelho, o oficial bolchevique Belobodorov tomou para si a responsabilidade de ordenar a execução do Czar e de toda a sua família em julho de 1918. O motivo (evitar que o Czar e sua família, resgatados da prisão, fossem um ponto de reagrupamento da reação), a eventual justificativa (os crimes do regime autocrático: o julgamento político dos Románov era uma das principais reivindicações populares depois da revolução de fevereiro) não justificavam o assassinato de crianças, inclusive da nobreza. Sobre a execução dos Románov pairaram muitas dúvidas, incluindo a de que sua execução fora obra dos SRs de esquerda (os mesmos que, como membros da Tcheka, assassinaram o embaixador alemão para questionar a Paz de Brest Litovsk, assinada pelos bolcheviques).
Investigadores hostis ao bolchevismo, responsabilizando Lênin pelo feito (foi, de fato, de Lênin que partiu a ordem de execução), admitem que este se preocupou em que o Czar e sua família “nada sofressem” (mas que fossem mortos, diante da aproximação dos “brancos” ao seu local de prisão), ao mesmo tempo em que acusaram à aristocracia europeia de ter se desentendido completamente da sorte de seus parentes russos (houve uma proposta do governo bolchevique de negociar a libertação da família imperial, que possuía vínculos de sangue com a casa real inglesa, em troca do fim do apoio militar inglês à contrarrevolução russa, rejeitada pela monarquia britânica).[xlv] Trotsky foi lacônico e discreto a respeito da execução dos Románov: em sua única referência ao assunto, nas suas memórias (redigidas na década de 1930), chamou os filhos do Czar de “vítimas inocentes” dos crimes cometidos pela família imperial durante seu reinado.
O historiador ex comunista Dimitri Volkogonov lamentou que os “brancos” (a reação) não fossem vitoriosos na guerra civil de 1918-1921: “Em 1918, a maioria da população russa rejeitava a revolução bolchevique, mas os bolcheviques foram vitoriosos assim mesmo. Isto explica-se em parte porque seus adversários não tinham ideias claras nem atraentes, e porque respondendo ao Terror Vermelho com o Terror Branco, eles alienaram-se tanto quanto os vermelhos os camponeses e os cidadãos comuns. No verão de 1919, Kerensky, que não era vermelho nem branco, disse aos jornalistas estrangeiros: ‘Não existe crime que os brancos do almirante Kolchak não cometeriam. Execuções e torturas foram cometidas na Sibéria, a população de aldeias inteiras foi chicotada, inclusive professores e intelectuais’. O Terror Branco foi tão repugnante quanto o Vermelho, mas com a grande diferença de que surgiu espontaneamente da base e foi local, enquanto o Vermelho foi exercido como instrumento de uma política de Estado, revelando-se por isso mais eficaz”.[xlvi] Assim, o terror branco teria sido “democrático” (“de base”), embora reacionário, antissemita e apoiado por todas as potências estrangeiras.
Os bolcheviques assumiram a política do terror, que eles próprios organizaram. Nas palavras de Felix Dzherzhinski, o criador da Tcheka: “Representamos nós mesmos o terror organizado – isto deve ser deixado claro – e este terror é hoje muito necessário nas condições em que estamos vivendo, em uma época de revolução. Nossa tarefa é combater os inimigos do poder soviético. Estamos aterrorizando os inimigos do poder soviético com o fito de sufocar crimes desde o princípio. (…) É inútil culpar-nos de assassinatos anônimos. Nossa comissão possui 18 experientes revolucionários que representam o Comitê Central do Partido e o Comitê Executivo Central (dos Soviets). Uma execução só é possível após a decisão unânime de todos os membros da comissão em reunião plenária. Basta um único membro expressar-se contrário à execução que a vida do acusado é poupada”. Segundo John Dziak, esta afirmação era um “claro disparate”.[xlvii] Usando, entre outros métodos, o terror, os bolcheviques venceram a guerra civil, destruindo a reação interna e impondo um novo respeito à burguesia mundial que, no início do conflito, acreditava na sua iminente derrubada.
Em 15 de outubro de 1919, um dos líderes da Tcheka afirmou que o “terror vermelho” tinha terminado oficialmente, informando que em Petrogrado 800 supostos inimigos haviam sido fuzilados e outros 6.229 presos. As cifras reais eram, claro, bem maiores. Existem cálculos que situam o número de execuções entre dez mil e quinze mil com base em listas de pessoas executadas sumariamente, e há quem conclua que “o número de execuções pela Tcheka em poucas semanas foi de duas até três vezes maior do que as penas de morte impostas por parte do regime czarista em 92 anos”, um percentual duvidoso, na medida em que imensa maioria das mortes provocadas pelo regime czarista (a começar pelos pogroms antissemitas) nunca foram acompanhadas por qualquer espécie de julgamento, de sentença legal ou de contabilidade.O terror foi desenvolvido no quadro de uma guerra civil, de caráter dramático e mortífero, que na ausência de extensão internacional da revolução soviética, marcaria as características do regime soviético. A constituição do Exército Vermelho também contribuiu com isso, mas ela dotou à Rússia soviética de um instrumento estratégico, que garantiu sua sobrevivência diante dos enormes percalços e hostilidade internacional iniciais, e se transformou, nas décadas posteriores, num fator militar de alcance internacional, como se verificou no segundo conflito bélico mundial. No quadro da guerra civil, e devido ao seu papel, teórico, político e organizativo, na criação e condução do Exército Vermelho, a estatura política de Trotsky atingiu um patamar histórico e internacional.
*Osvaldo Coggiola é professor titular no Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de História e Revolução (Xamã).
Notas
[i] Introduction. In: Nikolai Boukharin, Nikolai Ossinski, Karl Radek, Ivan Smirnov. La Revue Kommunist. Moscou, 1918: les communistes de gauche contre le capitalisme d’État. Toulouse, Smolny, 2011; cf. também: La gauche communiste en Russie: 1918-1930. Revue Internationale, Vol. 19, nº 1, Paris, 1977.
[ii] Jacques Sadoul. Notes sur la Révolution Bolchevique. Paris, François Máspero, 1972.
[iii] Raymond L. Garthoff. La Doctrine Militaire Soviétique. Paris, Plon, 1956.
[iv] Erich Wollenberg. El Ejército Rojo. Buenos Aires, Antídoto, sdp.
[v] Robert L. Willet. Russian Sideshow. America’s undeclared war 1918-1920. Washington, Brassey’s, 2003.
[vi] André Marty. La Révolte de la Mer Noire. Paris, Éditions Sociales, 1949.
[vii] Claude Pennetier. Les mutins de la Mer Noire. http://chs.huma-num.fr/exhibits/show/marty-et-les-brigades-internat/marty/les-mutins-de-la-mer-noire.
[viii] John Kim Munholland. The French army and intervention in Southern Russia, 1918-1919. Cahiers du Monde Russe et Soviétique vol. 22, nº 2, Paris, 1981.
[ix]W. Bruce Lincoln. Red Victory. A history of the Russian civil war. Nova York, Simon & Schuster, 1991.
[x] Isaak Babel. A Cavalaria Vermelha. Belo Horizonte, Oficina do Livro, 1989 [1924].
[xi] W. Bruce Lincoln. Red Victory, cit.
[xii] Stephen Kotkin. Stalin. Paradoxes of power. Londres, Penguin Books, 2015.
[xiii] Uma condição que estava longe de ser apenas de Trotsky, mas que este compartilhavacom vários outros quadros dirigentes do bolchevismo, como Lunacharsky, Rakovski, Riazanov, Ioffe. Trotsky era, sem dúvida, o mais conhecido e o de maior responsabilidadee hierarquia políticas.
[xiv] Walter Duranty. USSR. The story of Soviet Russia. Londres, Hamish Hamilton, 1944.
[xv] Paul Avrich. Les Anarchistes Russes. Paris, François Maspéro, 1979.
[xvi] Alexandre Skirda. Les Cosaques de la Liberté. Nestor Makhno, le cosaque de l’Anarchie et la guerre civile russe 1917-1921. Paris, Jean-Claude Lattès, 1985.
[xvii] Nestor Makhno. Ma rencontre avec Lénine. Cahiers du Mouvement Ouvrier nº 18, Paris, setembro-outubro de 2002.
[xviii] Um problema que esteve longe de concluir com a guerra civil: depois dela, o poder soviético na Ucrânia se viu sistematicamente comprimidoentre o nacionalismo urbano e o “anarquismo camponês”. O “poder soviético” ucraniano praticamente não compreendia ucranianos de nascimento ou de nacionalidade; foi inicialmente chefiado por um romeno/búlgaro, Christian Rakovsky (Janus Radziejowski. The Communist Party of Western Ukraine 1919-1929. Edmonton, University of Alberta, 1983). Durante a Segunda Guerra Mundial, chegou a existir uma importante guerrilha antinazista ucraniana de base nacionalista.
[xix] Nicolau Bruno de Almeida. Makhno, um cossaco libertário. Mouro nº 12, São Paulo, janeiro de 2018.
[xx] Leon Trotsky. Muito barulho acerca de Kronstadt. In: Gérard Bloch. Marxismo e Anarquismo, São Paulo, Kairós, 1981.
[xxi] Pierre Broué. União Soviética. Da revolução ao colapso. Porto Alegre, UFRGS, 1996.
[xxii] Jean Marabini. A Rússia durante a Revolução de Outubro. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
[xxiii] Pedro (Piotr) Archinov. Historia del Movimiento Maknovista (1918-1921). Buenos Aires, Argonauta, 1926.
[xxiv] Jean-Jacques Marie. Histoire de la Guerre Civile Russe (1917-1922). Lonrai, Texto, 2016.
[xxv] Leon Trotsky. Ma Vie. Paris, Gallimard, 1970.
[xxvi] Richard Overy. 1939. Contagem regressiva para a guerra. Rio de Janeiro, Record, 2009.
[xxvii] D. Fedotov White. O Exército Vermelho, Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1945.
[xxviii] Luiz Bernardo Pericás. Planificação e Socialismo na Rússia Soviética: os Primeiros Dez Anos. Texto apresentado no Simpósio Internacional “Cem Anos que Abalaram o Mundo”, Departamento de História (FFLCH), Universidade de São Paulo, 2017.
[xxix] Nikolai Bukhárin e Eugene Préobrajenski. ABC do Comunismo. Coimbra, Centelha, 1974.
[xxx] Helène Carrère d’Encausse. Lénine, la Révolution et le Pouvoir. Paris, Flammarion, 1979.
[xxxi] J. P. Nettl. Bilan de l’URSS. Paris, Seuil, 1967.
[xxxii] Edward H. Carr. A Revolução Bolchevique 1917-1923. Lisboa, Afrontamento, 1977, vol. 1.
[xxxiii] Samuel Farber. Before Stalinism. The rise and fall of soviet democracy. Londres, Verso Books, 1990.
[xxxiv] Stephen Cohen. Nicolas Boukharine. La vie d’un bolchevik. Paris, François Maspéro, 1979.
[xxxv] Vladimir I. Lênin. Las tareas inmediatas del poder soviético. Cuestiones de la Organización de la Economia Nacional. Moscou, Progreso, 1978.
[xxxvi] Thomas F. Remington. Building Socialism in Bolshevik Russia. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1984.
[xxxvii] Jean-Jacques Marie. Soixantième anniversaire de la Révolution d’Octobre. La Vérité nº 579, Paris, dezembro 1977.
[xxxviii] O uso do termo “terrorismo” data do fim do século XVIII, durante o regime jacobino na Revolução Francesa, quando foi utilizado como elemento de coerção política e classificado pela primeira vez no dicionário como “doutrina dos partidários do terror” (Mike Rapport. The French revolution and early European revolutionary terrorism. In: Randall D. Law. Routledge History of Terrorism. Londres, Routledge, 2015).
[xxxix] Jean-Jacques Marie. La Guerre des Russes Blancs. Paris, Tallandier, 2017.
[xl] S. V. Lipitsky. A Guerra Civil. São Paulo, Abril Cultural, 1968.
[xli] Pierre Broué. União Soviética, cit.
[xlii] Albert Morizet. Chez Lénine et Trotsky. Paris, Renaissance du Livre, 1922.
[xliii]Karl Kautsky e Leon Trotsky. Terrorismo y Comunismo. Madri, Júcar, 1977.
[xliv] S.P. Melgounov. La Terreur Rouge en Russie (1918-1924). Paris, Payot, 1927. Sergei Petrovich Melgounov era historiador, membro da União Acadêmica Russa e dirigente do pequeno Partido Socialista Populista, basicamente composto por intelectuais, que declarava, ao mesmo tempo que seu “amor pela democracia”, sua oposição a toda ideia de “luta de classes”. Diretor do jornal do partido e de revistas acadêmicas, Melgounov foi exilado da Rússia soviética em 1923, depois de testemunhar no processo judicial seguido contra os SRs de direita pela organização de atentados contra líderes bolcheviques.
[xlv] A. Summers e T. Mangols. O Dossiê do Czar. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.
[xlvi] Dimitri Volkogonov. Le Vrai Lénine. Paris, Robert Laffont, 1995.
[xlvii] John J. Dziak. Chekisty. A history of the KGB. Lexington, DC Heath, 1988.