Desmond Tutu (1931-2021)

Imagem: Taryn Elliott
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JULIA CONLEY*

O significado do ativista e religioso para a África do Sul e o mundo

Deixando um legado de luta em defesa dos povos oprimidos na África do Sul e por todo o mundo, o arcebispo Desmond Tutu faleceu no domingo, 26 de dezembro, aos 90 anos de idade, na cidade de Cape Town – supostamente em razão de um câncer.

Defensores dos direitos humanos, da equidade em saúde, da justiça econômica e da não-violência homenagearam Tutu, quem ajudou a liderar o movimento anti-apartheid na África do Sul e da Comissão da Verdade e Reconciliação posteriormente formada.

O grupo independente Os Anciãos (The Elders), composto por líderes globais engajados em prol da justiça e da boa governança, afirmou que seu “comprometimento com a paz, o amor, e a igualdade fundamental de todos os seres humanos irá perdurar, inspirando as gerações futuras.”

“Os Anciãos não seriam o que são hoje sem a sua paixão, seu comprometimento e sua aguçada bússola moral,” disse Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e atual presidente dos Anciãos. “Ele me inspirou a ser uma ‘prisioneira da esperança’, em sua frase inimitável. [Tutu] era respeitado por todo o mundo devido à sua dedicação à justiça, à igualdade e à liberdade. Hoje, estamos de luto por sua morte mas afirmamos nossa determinação em manter suas crenças vivas.”

Tutu foi o primeiro presidente dos Anciãos, de 2007 as 2013, depois de conquistar reconhecimento internacional por seu trabalho liderando os sul-africanos negros na luta contra o sistema do apartheid, que ele condenava como “terrível” enquanto insistia em métodos não-violentos de protesto.

Ele proclamava que o apartheid era uma ameaça à dignidade e a humanidade de ambos os sul-africanos negros e brancos, e convocava os líderes internacionais a impor sanções ao governo do país em protesto contra o sistema do apartheid, uma demanda que levou duas vezes à revogação de seu passaporte por autoridades sul-africanas.

“Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”, diz a famosa frase de Tutu durante a luta contra o apartheid. “Se um elefante pisa na cauda de um rato e você diz que é neutro, o rato não apreciará sua neutralidade.”

Em 1984, Tutu recebeu o prêmio Nobel da paz por suas ações. Depois da queda do sistema do apartheid, em 1994, presidiu a Comissão da Verdade e Reconciliação, cujo objetivo era fornecer um registro da violência e das injustiças perpetradas pelo governo sob o sistema. O arcebispo procurou estabelecer uma “justiça restauradora”, oferecendo compensações aos sobreviventes e anistia aos agressores que cooperaram com o inquérito.

Tutu era um duro crítico das desigualdades econômicas e raciais que persistiam na África do Sul após o fim formal do sistema do apartheid, acusando, em 2004, o presidente Thabo Mbekide de servir a um pequeno número de elites enquanto “muitos dentre os nossos vivem em uma condição extenuante, humilhante e desumanizante de pobreza.”

“Você é capaz de explicar como uma pessoa negra acorda, hoje, em um gueto esquálido, quase 10 anos após sua libertação?” Disse Tutu em 2003. “Depois vai trabalhar na cidade, que ainda é majoritariamente branca, em mansões palacianas. E, no fim do dia, retorna para a miséria?”

Para além de sua terra natal, Tutu era um franco crítico do militarismo e do imperialismo no norte global, cobrando que o ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e o ex-primeiro ministro do Reino Unido, Tony Blair, fossem processados pela Corte Criminal Internacional pela invasão e ocupação do Iraque.

Tutu também era um defensor dos diretos dos palestinos e um crítico das políticas violentas de Israel que atingiam milhões de pessoas em Gaza e na Cisjordânia, comparando seu tratamento com o sistema do apartheid.

Em 2014, enquanto as Forças de Defesa de Israel realizavam ataques que mataram mais de 2.100 palestinos – em sua maioria civis – Tutu escreveu um artigo exclusivo para o jornal israelense Haaretz, convocando um boicote global a Israel.

Ele clamou aos israelenses que “ativamente desassociassem-se, junto com suas profissões, do planejamento e da construção de infraestruturas relacionadas a perpetuação de injustiças, incluindo a barreira de separação, os terminais de segurança e os checkpoints, e os assentamentos construídos em territórios palestinos ocupados.”

“Aqueles que continuam a fazer negócios com Israel, que contribuem com um sentimento de ‘normalidade’ na sociedade israelense, estão realizando um desserviço ao povo de Israel e da Palestina,” escreveu Tutu. “Eles estão contribuindo com a perpetuação de um status quo profundamente injusto. Aqueles que colaboram com o isolamento temporário de Israel estão dizendo que os israelenses e os palestinos são igualmente merecedores de dignidade e paz.”

Naquele mesmo ano, Tutu convocou um desinvestimento global na indústria de combustíveis fósseis nos mesmos moldes das sanções internacionais que apoiara contra a África do Sul, e que ajudaram a acabar com o apartheid.

“Vivemos em um mundo dominado pela ganância”, escreveu Tutu ao The Guardian. “Permitimos que os interesses do capital se sobrepusessem aos interesses dos seres humanos e da Terra. Está claro que [as empresas] simplesmente não vão desistir; elas ganham dinheiro demais com isso.”

“Pessoas conscientes precisam romper seus laços com empresas que financiam a injustiça das mudanças climáticas”, continuava Tutu. “Podemos, por exemplo, boicotar eventos, equipes esportivas, e programas midiáticos financiados por empresas de combustíveis fósseis… Podemos encorajar cada vez mais nossas universidades, municipalidades e instituições culturais a romper seus laços com a indústria de combustíveis fósseis.”

Tutu também era reconhecido por sua luta global em defesa dos direitos LGBTQ+, suas demandas pelo fim do negacionismo da AIDS na África do Sul e, mais recentemente, seus esforços no combate a desinformação sobre as vacinas contra a Covid-19.

“O bispo Tutu significava tanto para tantas pessoas”, disse o reverendo Dr. William Barber II, copresidente da Campanha do Pobres nos Estados Unidos. “Agradecemos a Deus por sua vida. Que nós, que acreditamos na liberdade e na justiça, sejamos para sempre o seu legado”.

*Julia Conley é jornalista.

Tradução: Daniel Pavan.

Publicado originalmente no portal Common Dreams.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Bruno Fabricio Alcebino da Silva Eugênio Bucci Otaviano Helene José Costa Júnior Ricardo Abramovay Paulo Martins Tadeu Valadares Jean Marc Von Der Weid Sandra Bitencourt Luiz Werneck Vianna Marilia Pacheco Fiorillo Yuri Martins-Fontes Liszt Vieira Gilberto Maringoni Francisco Fernandes Ladeira Alysson Leandro Mascaro Carla Teixeira Matheus Silveira de Souza Érico Andrade Marcelo Guimarães Lima Luciano Nascimento Marcus Ianoni Marcelo Módolo José Luís Fiori Rodrigo de Faria Ronald Rocha Lincoln Secco Chico Alencar Chico Whitaker Gilberto Lopes Luis Felipe Miguel João Paulo Ayub Fonseca Alexandre de Freitas Barbosa Ricardo Antunes Marcos Aurélio da Silva José Dirceu Dênis de Moraes Celso Favaretto Henry Burnett Bernardo Ricupero Ronaldo Tadeu de Souza Mariarosaria Fabris Henri Acselrad João Adolfo Hansen Anselm Jappe Fernando Nogueira da Costa Salem Nasser Renato Dagnino Claudio Katz Alexandre Aragão de Albuquerque Eleonora Albano Afrânio Catani Jean Pierre Chauvin Lorenzo Vitral Francisco de Oliveira Barros Júnior Daniel Brazil Bruno Machado Carlos Tautz Eliziário Andrade Eleutério F. S. Prado Osvaldo Coggiola Jorge Luiz Souto Maior Leda Maria Paulani Paulo Fernandes Silveira Ricardo Musse Ari Marcelo Solon Sergio Amadeu da Silveira Everaldo de Oliveira Andrade Antônio Sales Rios Neto José Geraldo Couto Alexandre de Lima Castro Tranjan Celso Frederico André Singer Daniel Costa Elias Jabbour Marilena Chauí Bento Prado Jr. Luiz Roberto Alves Francisco Pereira de Farias Anderson Alves Esteves Benicio Viero Schmidt João Carlos Salles André Márcio Neves Soares Ricardo Fabbrini Samuel Kilsztajn Andrés del Río Slavoj Žižek Antonino Infranca Igor Felippe Santos Atilio A. Boron Dennis Oliveira Eugênio Trivinho Lucas Fiaschetti Estevez Vinício Carrilho Martinez Rafael R. Ioris Gerson Almeida Vladimir Safatle Annateresa Fabris Kátia Gerab Baggio Plínio de Arruda Sampaio Jr. Paulo Capel Narvai Luiz Bernardo Pericás Paulo Sérgio Pinheiro Fábio Konder Comparato Fernão Pessoa Ramos Airton Paschoa Rubens Pinto Lyra Leonardo Avritzer Paulo Nogueira Batista Jr Gabriel Cohn Flávio Aguiar Leonardo Sacramento Manchetômetro José Raimundo Trindade Luís Fernando Vitagliano Luiz Renato Martins Leonardo Boff Julian Rodrigues Maria Rita Kehl Remy José Fontana Marjorie C. Marona Ronald León Núñez Priscila Figueiredo José Micaelson Lacerda Morais Boaventura de Sousa Santos José Machado Moita Neto Valerio Arcary Walnice Nogueira Galvão Tales Ab'Sáber Eduardo Borges Vanderlei Tenório Flávio R. Kothe Andrew Korybko Tarso Genro João Carlos Loebens João Sette Whitaker Ferreira Luiz Eduardo Soares Antonio Martins Michael Löwy João Lanari Bo Michel Goulart da Silva Luiz Carlos Bresser-Pereira Heraldo Campos Marcos Silva Michael Roberts Milton Pinheiro Jorge Branco Daniel Afonso da Silva Luiz Marques Mário Maestri Caio Bugiato João Feres Júnior Thomas Piketty Denilson Cordeiro Juarez Guimarães Ladislau Dowbor Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Berenice Bento Manuel Domingos Neto Armando Boito

NOVAS PUBLICAÇÕES