Poder político e classes sociais

Imagem: Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Tatiana Berringer*

Comentário sobre o livro clássico de Nicos Poulantzas, recém-publicado em nova tradução pela Editora da Unicamp.

No final de 2019, a editora Unicamp publicou uma nova tradução de Poder Político e classes sociais, na Coleção Marx 21. Após 51 anos da primeira edição do livro na França, esta obra ainda é considerada um dos principais tratados da ciência política marxista, o que demonstra que o objetivo do autor foi alcançado. A empreitada que Poulantzas se colocou foi a de escrever uma teoria regional do político no modo de produção capitalista. Ele sistematizou as principais contribuições de Marx e Engels, Lênin e Gramsci, especialmente as obras sobre a política.

Poulantzas integrou o grupo de marxistas liderado pelo filósofo Louis Althusser que empreendeu uma releitura das obras de Marx. Por isso, além de ser extremamente rigoroso teórica e metodologicamente, ao longo do livro há um grande debate no interior do marxismo, especialmente com as correntes historicistas, humanistas e economicistas, bem como um diálogo com pensadores de outros campos teóricos como Max Weber e Wright Mills.

As principais contribuições teóricas de Poder Político e classes sociais estão contidas três conceitos-chave: “estrutura jurídico-política”, “autonomia relativa” e “bloco no poder”. São, claramente, conceitos que estão conectados e que questionam o pensamento mecanicista presente em alguns marxistas. Logo, a definição de classe social não é determinada exclusivamente pela posição na produção, mas depende da posição política e ideológica que as classes e frações de classe assumem em determinadas conjunturas políticas, produzindo ou não efeitos pertinentes.

O Estado é o político, umaestruturaque organiza e garante a manutenção e a reprodução do modo de produção capitalista. O direito e o burocratismo são a base dessa estrutura que se sustenta na ideia de igualdade e universalidade. Por isso, o Estado capitalista é um Estado nacional, que, ao mesmo tempo, mantém a coesão social e organiza as relações sociais de produção. Este é o papel objetivo do Estado burguês. A nação oculta o caráter de classe do Estado e, coadunando-se ao efeito de isolamento das classes sociais produzido pela ação do direito burguês, visa impedir a organização das classes dominadas que passam a se identificar no coletivo nacional e não enquanto classes sociais.

Para Poulantzas, o Estado não é um Estado de classe em decorrência da composição social do seu corpo de funcionários, mas em razão do papel objetivo que esse Estado desempenha, independentemente da origem social dos seus ocupantes. Há uma autonomia relativa do Estado capitalista diante da burguesia, e o papel que ele desempenha é o de encontrar um equilíbrio de compromisso entre as classes e frações de classe, possibilitando a manutenção e a reprodução do modo de produção capitalista.

Tanto a burguesia como as classes populares não são entendidas ou tratadas como monolíticas. A clivagem no seu interior leva à constituição de frações, camadas e categorias de classe. O bloco no poder é, portanto, a unidade contraditória das classes e frações de classe sob a hegemonia de uma delas que é quem controla a política estatal (econômica, social e externa). Os conflitos políticos se dão, portanto, entre as classes e frações de classes dominantes e entre as classes e frações de classe dominadas e os setores médios, com entrecruzamentos, formações de alianças e de frentes políticas. Essas dinâmicas determinam, consequentemente, os regimes e as formas de Estado.

Poulantzas construiu um arcabouço teórico, que, apesar de muito consistente e robusto, não é completo. Este é o trabalho que aquela que poderia ser chamada de “Escola poulantziana de Campinas” tem buscado empreender nas últimas décadas. Este grupo congrega pesquisadores como Décio Saes, Armando Boito Jr., Lucio Flávio de Almeida, Angelita Matos de Souza, Francisco Farias, Danilo Martuscelli, Angela Lazagna, Caio Bugiato e a própria autora desta resenha, e, fora da Unicamp, pesquisadores de diferentes Universidades como Eliel Machado, Jair Pinheiro, Leonardo Granato, Thiago Barison, e toda uma geração de pós-graduandos e jovens doutores que acabam de se diplomar.

Trata-se da tarefa de desenvolver, aprofundar e aperfeiçoar alguns conceitos e debates teóricos, bem como realizar pesquisas empíricas utilizando este instrumental teórico. Os trabalhos deste grupo têm ganhado importância na cena política e intelectual nos últimos anos. Essa nova tradução já era esperada pelo público familiarizado pela obra de Poulantzas e, certamente, irá atrair leitores interessados na teoria política marxista.

*Tatiana Berringer, doutora em ciência política pela Unicamp, é professora de Relações Internacionais na UFABC.

Referência bibliográfica

Nicos Poulantzas. Poder político e classes sociais. Tradução: Maria Leonor Loureiro. Revisão técnica: Danilo Enrico Martuscelli. Campinas, Editora Unicamp, 2019.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Celso Favaretto Claudio Katz Rubens Pinto Lyra Eugênio Bucci José Geraldo Couto Tarso Genro Valerio Arcary Igor Felippe Santos Ricardo Musse Daniel Brazil Valerio Arcary João Adolfo Hansen Kátia Gerab Baggio José Dirceu Marcos Aurélio da Silva Luiz Carlos Bresser-Pereira Jorge Branco Gilberto Lopes Sandra Bitencourt Luiz Roberto Alves Ari Marcelo Solon Jorge Luiz Souto Maior Ronald Rocha Annateresa Fabris Carlos Tautz João Paulo Ayub Fonseca Elias Jabbour Vanderlei Tenório Everaldo de Oliveira Andrade Celso Frederico Antônio Sales Rios Neto João Carlos Salles Paulo Fernandes Silveira Chico Whitaker Atilio A. Boron Luiz Bernardo Pericás Ronaldo Tadeu de Souza João Carlos Loebens Marcus Ianoni Manuel Domingos Neto Henri Acselrad Maria Rita Kehl Osvaldo Coggiola Luiz Werneck Vianna Denilson Cordeiro Rafael R. Ioris Paulo Nogueira Batista Jr Marcelo Módolo Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Lucas Fiaschetti Estevez Leonardo Boff Dênis de Moraes Chico Alencar Daniel Costa Plínio de Arruda Sampaio Jr. Leda Maria Paulani Fernão Pessoa Ramos Eduardo Borges Lorenzo Vitral Paulo Martins Michael Löwy Alysson Leandro Mascaro Vinício Carrilho Martinez Andrew Korybko Gabriel Cohn Tales Ab'Sáber Bruno Machado Francisco Fernandes Ladeira Antonio Martins Julian Rodrigues Ricardo Abramovay José Raimundo Trindade Daniel Afonso da Silva Luis Felipe Miguel Jean Marc Von Der Weid Eugênio Trivinho Dennis Oliveira Marjorie C. Marona Alexandre de Freitas Barbosa Juarez Guimarães Manchetômetro Andrés del Río Fernando Nogueira da Costa Boaventura de Sousa Santos Alexandre de Lima Castro Tranjan Priscila Figueiredo Luiz Marques Leonardo Sacramento Sergio Amadeu da Silveira Marcos Silva Walnice Nogueira Galvão Alexandre Aragão de Albuquerque André Márcio Neves Soares Francisco de Oliveira Barros Júnior Paulo Capel Narvai Bento Prado Jr. Fábio Konder Comparato Berenice Bento Flávio Aguiar Luís Fernando Vitagliano Luciano Nascimento Flávio R. Kothe Bernardo Ricupero Benicio Viero Schmidt Luiz Renato Martins Matheus Silveira de Souza José Luís Fiori João Sette Whitaker Ferreira Vladimir Safatle Airton Paschoa Armando Boito Leonardo Avritzer Slavoj Žižek Paulo Sérgio Pinheiro Eleonora Albano Tadeu Valadares Eleutério F. S. Prado Michel Goulart da Silva João Lanari Bo Marilena Chauí Luiz Eduardo Soares Ronald León Núñez Yuri Martins-Fontes Otaviano Helene Caio Bugiato Lincoln Secco Ricardo Antunes Afrânio Catani Henry Burnett Mariarosaria Fabris José Micaelson Lacerda Morais Michael Roberts Érico Andrade Renato Dagnino Mário Maestri Jean Pierre Chauvin Remy José Fontana Gerson Almeida João Feres Júnior Ricardo Fabbrini Heraldo Campos Liszt Vieira Milton Pinheiro André Singer Marcelo Guimarães Lima Thomas Piketty Francisco Pereira de Farias Marilia Pacheco Fiorillo Carla Teixeira José Machado Moita Neto Salem Nasser Gilberto Maringoni Eliziário Andrade Samuel Kilsztajn José Costa Júnior Rodrigo de Faria Anselm Jappe Bruno Fabricio Alcebino da Silva Antonino Infranca Ladislau Dowbor

NOVAS PUBLICAÇÕES