A Rússia está vencendo a guerra econômica

Marcelo Guimarães Lima, Bundle / Fardo, 2020.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LARRY ELLIOTT*

O Ocidente é quem mais sofre com os custos econômicos de uma guerra prolongada

Já se passaram três meses desde que o Ocidente lançou sua guerra econômica contra a Rússia, e ela não está indo conforme o planejado. Pelo contrário, as coisas vão de mal a pior. As sanções não foram impostas a Vladimir Putin por serem consideradas a melhor opção, mas porque eram melhores do que as outras duas alternativas disponíveis: não fazer nada ou se envolver militarmente.

O primeiro conjunto de medidas econômicas foi introduzido imediatamente após a invasão, quando se supôs que a Ucrânia capitularia em poucos dias. Isso não aconteceu, fazendo com que as sanções – ainda incompletas – fossem gradualmente intensificadas.

Não há, no entanto, nenhum sinal imediato de que a Rússia irá se retirar da Ucrânia, e isso não surpreende, uma vez que as sanções tiveram o efeito perverso de elevar o preço das exportações de petróleo e gás da Rússia, aumentando massivamente sua balança comercial e financiando seu esforço de guerra. Nos primeiros quatro meses de 2022, Vladimir Putin pode ostentar um superávit de 96 bilhões de dólares – mais do que o triplo do valor no mesmo período em 2021.

Quando a União Europeia anunciou a sanção parcial às exportações russas de petróleo no início desta semana, o custo do petróleo bruto nos mercados globais aumentou, proporcionando ao Kremlin outro ganho financeiro inesperado. A Rússia não tem enfrentado dificuldades em encontrar mercados alternativos para sua energia, com as exportações de petróleo e gás para a China em abril aumentando mais de 50% em relação ao último ano.

Isso não quer dizer que as sanções não tenham afetado a Rússia. O Fundo Monetário Internacional estima que a economia encolherá 8,5% neste ano, conforme as importações do Ocidente entraram em colapso. A Rússia tem estoques de bens essenciais para manter sua economia funcionando, mas, com o tempo, eles irão se esgotar.

A Europa, porém, está se livrando de sua dependência da energia russa de uma maneira gradual, o que significa que Vladimir Putin não terá de enfrentar uma crise financeira imediata. O rublo – graças a uma política de controles de capital e a um superávit comercial saudável – segue forte. O Kremlin tem tempo para encontrar fontes alternativas de peças e componentes de países dispostos a contornar as sanções ocidentais.

Quando os poderosos e influentes se encontraram em Davos na semana passada, a mensagem pública foi a condenação da agressão russa e o compromisso renovado de apoiar solidamente a Ucrânia. Mas, nos espaços privados, havia preocupação com os custos econômicos de uma guerra prolongada.

Estas preocupações são inteiramente justificadas. A invasão da Ucrânia pela Rússia deu um impulso adicional às já fortes pressões sobre os preços. A taxa de inflação anual do Reino Unido é de 9% – a mais alta em 40 anos –, os preços de combustíveis atingiram um recorde e o teto do preço da energia deverá aumentar em 700-800 libras por ano em outubro. O mais recente pacote de apoio do chanceler Rishi Sunak para lidar com a crise do custo de vida foi o terceiro em quatro meses – e mais virão no decorrer do ano.

Devido à guerra, as economias ocidentais enfrentam um período de crescimento lento ou negativo e inflação crescente – um retorno à estagflação da década de 1970. Os bancos centrais – incluindo o Banco da Inglaterra – sentem que precisam responder à inflação de quase dois dígitos aumentando as taxas de juros. O desemprego deve aumentar. Outros países europeus enfrentam os mesmos problemas, se não mais, já que a maioria deles depende mais do gás russo do que o Reino Unido.

Os desafios enfrentados pelos países mais pobres do mundo são de outra ordem de magnitude. Para alguns deles, o problema não é a estagflação, mas a fome, como resultado do bloqueio do fornecimento de trigo dos portos ucranianos do Mar Negro.

Como disse David Beasley, diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos: “neste momento, os silos de grãos da Ucrânia estão cheios. Ao mesmo tempo, 44 milhões de pessoas em todo o mundo estão indo em direção à fome”.

Em todas as organizações multilaterais – o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e as Nações Unidas –, aumentam os temores de uma catástrofe humanitária. O posicionamento é simples: a menos que as nações em desenvolvimento sejam elas próprias exportadoras de energia, elas enfrentarão um golpe triplo no qual crises no suprimento de combustível e alimentos desencadeiam crises financeiras. Diante da escolha de alimentar suas populações ou pagar seus credores internacionais, os governos optarão pela primeira opção. O Sri Lanka foi o primeiro país desde a invasão russa a não pagar suas dívidas, e dificilmente será o último. O mundo parece mais próximo de uma crise generalizada da dívida do que em qualquer momento desde os anos 1990.

Vladimir Putin foi condenado, com razão, por utilizar os alimentos como armas, mas a sua disposição em fazê-lo não deve surpreender. Desde o início, o presidente russo vem jogando um longo jogo, esperando que a coalizão internacional contra ele se fragmente. Para o Kremlin, a Rússia é capaz de suportar um limite maior de agonia econômica do que o Ocidente, e provavelmente tem razão.

Se fosse necessária uma prova de que as sanções não estão funcionando, então a decisão do presidente Joe Biden de enviar sistemas avançados de foguetes à Ucrânia a oferece. A esperança é que a tecnologia militar moderna dos EUA consiga o que as sanções energéticas e a apreensão de ativos russos não conseguiram até agora: forçar Vladimir Putin a retirar suas tropas.

A derrota completa de Vladimir Putin no campo de batalha é uma maneira pela qual a guerra pode terminar, embora, na situação atual, isso não pareça tão provável. Existem outras saídas possíveis. Uma delas seria que o bloqueio econômico finalmente funcionasse, com sanções cada vez mais duras forçando a Rússia a recuar. A outra seria através da negociação de um acordo.

Vladimir Putin não vai se render incondicionalmente, e o potencial da guerra econômica levar a graves danos colaterais é óbvio: queda do padrão de vida nos países desenvolvidos; fome, distúrbios alimentares e uma crise da dívida no mundo em desenvolvimento.

As atrocidades cometidas pelas tropas russas significam que o compromisso com o Kremlin é difícil de engolir, mas a realidade econômica sugere apenas uma coisa: cedo ou tarde um acordo será fechado.

*Larry Elliott é jornalista e escritor. Editor de economia do jornal inglês The Guardian. Autor, entre outros livros, de Europe didn’t work (Yale University Press).

Tradução: Daniel Pavan.

Publicado originalmente no site do jornal The Guardian.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Luiz Carlos Bresser-Pereira Marcos Aurélio da Silva Airton Paschoa Vladimir Safatle Osvaldo Coggiola Boaventura de Sousa Santos Paulo Sérgio Pinheiro André Singer Vinício Carrilho Martinez Rafael R. Ioris Renato Dagnino João Carlos Loebens Flávio R. Kothe Luciano Nascimento Andrés del Río Heraldo Campos Marilena Chauí Gerson Almeida Walnice Nogueira Galvão Vanderlei Tenório Leda Maria Paulani Carlos Tautz Claudio Katz Tadeu Valadares Matheus Silveira de Souza Eduardo Borges José Machado Moita Neto Celso Favaretto Bernardo Ricupero Gabriel Cohn Valerio Arcary Luiz Eduardo Soares Lincoln Secco João Carlos Salles João Adolfo Hansen Alysson Leandro Mascaro Antônio Sales Rios Neto Sergio Amadeu da Silveira Paulo Capel Narvai Chico Whitaker Salem Nasser Bruno Machado Tales Ab'Sáber Luís Fernando Vitagliano Marcus Ianoni Marjorie C. Marona Daniel Afonso da Silva José Raimundo Trindade João Lanari Bo Leonardo Avritzer Luiz Bernardo Pericás Eleonora Albano Eugênio Trivinho Plínio de Arruda Sampaio Jr. João Paulo Ayub Fonseca Henry Burnett Carla Teixeira Anselm Jappe José Dirceu Ricardo Fabbrini Alexandre de Lima Castro Tranjan Dênis de Moraes Manuel Domingos Neto Liszt Vieira Berenice Bento Paulo Nogueira Batista Jr Francisco de Oliveira Barros Júnior Marcelo Módolo Fernando Nogueira da Costa Ricardo Abramovay Atilio A. Boron Leonardo Sacramento Andrew Korybko Eleutério F. S. Prado Francisco Pereira de Farias Marilia Pacheco Fiorillo Bruno Fabricio Alcebino da Silva Daniel Costa Caio Bugiato Remy José Fontana Maria Rita Kehl Everaldo de Oliveira Andrade Luis Felipe Miguel Luiz Renato Martins Alexandre Aragão de Albuquerque Annateresa Fabris Juarez Guimarães Rubens Pinto Lyra Ricardo Antunes Daniel Brazil Francisco Fernandes Ladeira Dennis Oliveira Yuri Martins-Fontes Bento Prado Jr. Mário Maestri Denilson Cordeiro Chico Alencar Michael Roberts André Márcio Neves Soares Antonio Martins Otaviano Helene Anderson Alves Esteves João Feres Júnior Ronald León Núñez Marcos Silva Afrânio Catani Mariarosaria Fabris Elias Jabbour Manchetômetro Ari Marcelo Solon Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Paulo Fernandes Silveira Antonino Infranca Michel Goulart da Silva Lorenzo Vitral Milton Pinheiro Fábio Konder Comparato Fernão Pessoa Ramos Jorge Branco Luiz Marques Eliziário Andrade João Sette Whitaker Ferreira Armando Boito Luiz Roberto Alves José Micaelson Lacerda Morais José Geraldo Couto Jean Pierre Chauvin Eugênio Bucci Ladislau Dowbor Slavoj Žižek Paulo Martins Julian Rodrigues Ronald Rocha Michael Löwy José Costa Júnior Érico Andrade Lucas Fiaschetti Estevez Leonardo Boff Tarso Genro Samuel Kilsztajn Celso Frederico Thomas Piketty Ricardo Musse Rodrigo de Faria Luiz Werneck Vianna Gilberto Maringoni Alexandre de Freitas Barbosa Jean Marc Von Der Weid Benicio Viero Schmidt Igor Felippe Santos Henri Acselrad Sandra Bitencourt Flávio Aguiar Gilberto Lopes José Luís Fiori Kátia Gerab Baggio Marcelo Guimarães Lima Jorge Luiz Souto Maior Priscila Figueiredo Ronaldo Tadeu de Souza

NOVAS PUBLICAÇÕES