Vai ter golpe?

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Julian Rodrigues*

O aumento da participação de militares no núcleo do governo somado à escalada de declarações extremistas e à ação descontrolada das polícias nos estados seriam o prenúncio de uma ditadura aberta?

Já houve um golpe no Brasil, que começou em 2016. Esse sempre deve ser o pressuposto de qualquer análise.

Estamos diante de um “necrogoverno”. Um governo de destruição do país, que ataca simultaneamente os direitos sociais, o meio-ambiente, as liberdades democráticas e a soberania nacional. A operação Lava-Jato, a destituição de Dilma, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro inauguraram um Estado de exceção – houve drástica ruptura com o pacto liberal democrático de 1988.

Apesar de muitas contradições e dificuldades, o bolsonarismo logrou consolidar uma aliança que aglutina os interesses do imperialismo, do grande capital (sobretudo do capital  financeiro), da mídia, do agronegócio,  dos setores reacionários das classes médias, do Exército, do sistema de justiça, das polícias militares, das milícias e dos fundamentalistas religiosos.

As elites – auto intituladas “liberais” – precisam do capitão para avançar no desmonte do país e dos direitos dos trabalhadores. E Bolsonaro precisa dos “liberais” para sustentar seu governo e impulsionar a luta contra o “marxismo cultural” e toda a sua agenda obscurantista.

A retirada dos direitos dos trabalhadores, o desmonte das políticas sociais, a privatização/desnacionalização são ações indissociáveis do ataque às artes, à cultura, às ciências, do estimulo do ódio contra as mulheres, à população negra, às LGBTI e também da restrição às liberdades democráticas em geral. Não há “cortinas de fumaça”. Existe uma plataforma unificada – é ela que viabiliza e põe de pé o atual governo.

Claro que há contradições. A mídia corporativa, os bancos, etc prefeririam ter um governo do tipo FHC, Aécio ou Huck, sem verborragias e tosquices medievais. Porém, essa turma sabe que é a tropa de choque bolsonarista que garante e assegura a implantação das reformas anti-povo. Então, tapam o nariz e seguem em frente. Vez ou outra esboçam reações, mais ou menos hipócritas, em relação a algum destempero gritante (como agora no ataque misógino à jornalista da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello).

Sem ilusões, todavia. O governo é fortíssimo, conta com ampla base de apoio; opera com estratégia, com tecnologia, método e alinhamento orgânico à extrema-direita norte-americana. Nada mais errado do que acreditar que Bolsonaro e família são “burros” ou avaliar que o impeachment é apenas questão de meses.

Sim, estamos diante de um governo que tem um núcleo neofascista. Contudo, o regime político não é fascista nem é uma ditadura aberta. Isso não significa que o clã presidencial, os olavistas e o núcleo duro do bolsonarismo não sonhem com um regime autoritário. Bolsonaro já insinuou que pode ficar mais de oito anos na presidência. Mas nem tudo que se quer, se pode…

Privatizações, reforma da previdência, nova reforma trabalhista, reforma sindical e agora reforma administrativa. O programa ultraliberal de Guedes – e de Rodrigo Maia, o queridinho da galera da tal frente ampla – vai muito bem, obrigado.

Até o momentonão foi preciso restringir ainda mais as liberdades democráticas para impor a agenda das grandes corporações internacionais, do rentismo, da grande mídia – da burguesia brasileira como um todo. Não há, portanto, razão objetiva para que as classes dominantes nacionais e os EUA, apostem, nesse momento, em uma ditadura militar ou assemelhada, que tem custos muito altos. O fechamento total do regime ainda não é necessário.

É muito mais funcional e palatável para a burguesia operar em um ambiente que preserve um mínimo de liberdades democráticas. Os sinais deles, aliás, são outros: estão mandando recados para Bolsonaro de que há limites nas coisas. E, como disse um amigo: “não estão minimamente interessados em dar todo poder para um Napoleão de hospício”.

Isso quer dizer que está descartado um golpe? Não. Se precisar, eles fazem. Retomam a ditadura oldschool. Vide o golpe na Bolívia – estilo tradicional, anos 1970, com pitadas modernas de guerra híbrida comunicacional e mobilização do fundamentalismo religioso. Mas, não é esse o cenário principal no Brasil hoje.

Por último: as Forças Armadas. Um tema complexo, que a esquerda domina pouco, é verdade. Temos dificuldade para analisar com profundidade o seu papel, suas contradições internas, suas pretensões, etc.

A recente “militarização” do núcleo palaciano do governo não deve ser entendida como indício de golpe militar iminente. Por várias razões. A principal delas – na minha opinião – é que não há nem acúmulo, nem unidade estratégica-política-programática no Exército ( muito menos combinação com os EUA) que coloquem, hoje, os militares como protagonistas de um eventual golpe.

Se houver fechamento, não será prioritariamente pela mão deles. E não será do jeito antigo. Reparem em Moro, nas milícias, nas PMs, no Ministério Público e no Judiciário. São outros os atores principais do núcleo neofascista.

Isso não quer dizer que a cúpula e a maioria das Forças Armadas não apoiem totalmente o governo ou mesmo que sejam democráticas. Mas, de forma aparentemente paradoxal, elas exercem um papel racionalizador e moderador na bagunça instalada. Não nos deixemos enganar pelas bravatas do tal general Heleno, que sempre foi ligado ao esgoto do Exército e exerce bem menos influência real do que tenta aparentar.

Resumindo: muita calma nessa hora. Mas sem calma demais. Não vai ter golpe amanhã. Muito menos impeachment. A situação é grave, as dificuldades de mobilização são imensas. O bolsonarismo não é uma chuva de verão que passará rápido. O estrago promovido no tecido social e institucional do país é profundo e nos impactará por muitos anos.

Por outro lado, há desgaste crescente – mesmo que limitado – do governo. A economia não vai entregar o que prometem. O mal estar pode crescer. Começam a pipocar lutas e greves, como a heroica paralisação dos petroleiros. Teremos logo, logo eleições municipais, quando se abrirá uma janela maior para contestação de massas à Bolsonaro.

Nosso desafio, de fato, talvez seja acertar mais na análise conjuntural e estrutural, pressuposto para operar a reorganização, fortalecimento e construção de convergências práticas no campo democrático-popular. Ah, e claro: mudar tudo na nossa comunicação – mas isso é tema para outros artigos.

*Julian Rodrigues é professor, jornalista, ativista de DH e LGBTI; militante do PT-SP

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES