Turbulência bancária

Imagem: Francesco Ungaro
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por STAVROS MAVROUDEAS*

Crítica de um artigo recente de Yanis Varoufakis

Num artigo recente, Yanis Varoufakis, referindo-se à atual turbulência bancária internacional, proferiu o slogan supostamente radical “deixem os bancos queimarem”. É claro que esse autor não é famoso pela coerência das suas análises econômicas. Como ele mesmo se descreveu, é um criador de contos de fadas que se passa por um economista. O referido artigo se enquadra totalmente nesta categoria.

Além disso, as visões políticas de Yanis Varoufakis variam – muitas vezes simultaneamente – de radicais (mas nunca realmente de esquerda) a descaradamente conservadoras. Recentemente, por razões eleitorais puramente oportunistas, ele professou dar uma virada à “esquerda”. Em sua recente máscara, ele encontrou apenas alguns cúmplices dispostos e igualmente oportunistas, mas seu sucesso eleitoral ainda está em jogo. É claro que, como em suas análises científicas, a “ambiguidade criativa” (que é sinônimo de oportunismo e falta de confiabilidade) é a marca de sua virada política supostamente radical.

O que é que Yanis Varoufakis propõe com o seu apelo para que os bancos queimem?

É um pouco complicado (mas não difícil) traçar sua perspectiva teórica. Deixando de lado uma autodescrição falsa mais antiga de que ele é um “marxista errático” (parece ser, no entanto, errático demais para ser marxista), ele mais uma vez prova ser um keynesiano superficial. Ele mistura essa perspectiva com a teoria errônea da financeirização (essa é a tese de que hoje há um novo capitalismo dominado por banqueiros que exploram de forma usurária tanto trabalhadores quanto empresários). Caracteristicamente, por meio de uma referência de classe que cria uma classe solitária e rapinante, argumenta que a classe dos “credores e bancos” aperta o laço em torno do pescoço da sociedade como um todo.

Ele então atribui os problemas financeiros contemporâneos à política do governo que “envenenou o dinheiro do Ocidente” sem falhar uma única vez. Não é preciso um conhecimento político-econômico profundo para saber que, ao nível da política econômica, nunca houve uma única taxa de juro nominal, mas que os Estados conduzem a política monetária intervindo no espectro das taxas de juro.

Ao nível da teoria geral, seria interessante se Yanis Varoufakis esclarecesse como – na sua opinião – é determinada uma taxa de juro de compensação de mercado no capitalismo. É uma quantidade puramente monetária que iguala a oferta monetária com a peculiar demanda keynesiana por dinheiro (que depende da demanda psicologicamente determinada por liquidez)? É uma taxa de juros natural como afirmam os neoclássicos? Ou é o equilíbrio entre a demanda e a oferta de capital de empréstimo, mas limitado pela taxa de lucro, como afirma o marxismo? Mas estas questões são letras miúdas para esse economista.

Em questões mais práticas, a opinião de Yanis Varoufakis de que os bancos devem ser autorizados a ir à falência é algo que não é novidade. Os seguidores de Friedrich Hayek, dogmaticamente neoliberais, estão constantemente sustentando essa mesma tese.

Posteriormente, ele se entrega, como de costume, a projetos de ficção científica reformistas. Ele propõe fechar bancos privados (!?). Indica que se deve criar uma moeda digital pelo Banco Central (no caso europeu, como se sabe, tanto para o BCE quanto para Yanis Varoufakis sair do euro é um desastre que apenas a desobediência europeia realista salva!!!). Sugere, ademais, que seja criada uma carteira digital baseada na tecnologia de blockchain (mas não se deve esquecer o seu envolvimento anterior com o mundo sujo das criptomoedas).

Com essas novas instituições, os cidadãos manterão depósitos totalmente garantidos. Se eles querem ter um retorno sobre seus depósitos, então poderiam – assumindo o risco de falência – colocá-los em bancos de investimento (!?). Tal sistema bancário seria capaz de “cumprir as regras de um mercado ordenado” (veja-se como o radicalismo varoufakeano só pode ir muito longe).

Ele ignora, é claro, que o sistema financeiro no capitalismo existe para canalizar capital para os capitalistas e não para servir aos pequenos depositantes. E esse capital monetário não faz essa mediação de graça.

Mas mesmo que o Banco Central se comprometa a arrecadar fundos, também não o fará de graça. Onde obterá lucros para comprar bens públicos (como Varoufakis sugere benevolente, mas obscuramente)? Se fixar uma taxa de juro mais baixa (como prêmio de risco) e/ou impuser uma senhoriagem mais elevada, explorará os depositantes.

A subsequente discussão acalorada de Yanis Varoufakis com os criptonomistas mais neoliberais sobre o “irmão mais velho” e a proposta de um comitê de supervisão monetária não é, para mim, uma discussão séria – mas indigna.

O epílogo do artigo de Yanis Varoufakis é revelador: ele iguala os mineiros aos banqueiros como destinatários nocivos de subsídios da sociedade. Excelente perspectiva de classe de fato!

Mas o problema mais essencial da ficção científica de Yanis Varoufakis é a ignorância (?) da relação do sistema financeiro com a produção e a acumulação real. Na terra do cuco muito esperto que canta de financeirizador, a taxa de juros é pura usura que não tem nada a ver com a taxa de lucro.

Pelo contrário, o marxismo mostra apropriadamente que o juro é parte da mais-valia criada pelos trabalhadores, apropriada pelos capitalistas industriais e redistribuída entre estes e os capitalistas monetários. A turbulência financeira de hoje se deve à incapacidade de aumentar a lucratividade que, por sua vez, limita a renda do sistema financeiro e leva ao colapso da estrutura capitalista da dívida e do capital fictício. O capitalismo responde a esse problema apoiando o capital estrategicamente importante (como os grandes bancos) e aumentando a exploração do trabalho.

Para o movimento operário e para a esquerda real, esta é a frente principal e não a busca de reformas bancárias utópicas que só causam confusão e desorientação. Contra a “ambiguidade criativa” dos companheiros de viagem da política burguesa, o programa de transição da esquerda real dá respostas claras e adequadas.

*Stavros Mavroudeas é professor de economia política da Universidade Panteão, Grécia.

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Artigo publicado no blog do autor.


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Slavoj Žižek Atilio A. Boron Fernando Nogueira da Costa Jean Marc Von Der Weid Thomas Piketty Marcelo Módolo Flávio Aguiar Ronald León Núñez Celso Favaretto Bento Prado Jr. Dennis Oliveira Flávio R. Kothe Alexandre de Lima Castro Tranjan Marcelo Guimarães Lima Alysson Leandro Mascaro Luiz Marques Fernão Pessoa Ramos Tales Ab'Sáber Leonardo Avritzer Luís Fernando Vitagliano Luis Felipe Miguel José Costa Júnior Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Rubens Pinto Lyra José Raimundo Trindade Tadeu Valadares Alexandre Aragão de Albuquerque Luiz Roberto Alves Leda Maria Paulani João Paulo Ayub Fonseca Jean Pierre Chauvin Manuel Domingos Neto Ricardo Musse Vladimir Safatle Matheus Silveira de Souza Dênis de Moraes Priscila Figueiredo Lorenzo Vitral Jorge Branco Eduardo Borges André Márcio Neves Soares Daniel Costa Ronald Rocha Ari Marcelo Solon Eugênio Trivinho Annateresa Fabris Marcos Aurélio da Silva Salem Nasser Andrew Korybko Marcos Silva Jorge Luiz Souto Maior Sergio Amadeu da Silveira Walnice Nogueira Galvão Otaviano Helene Gerson Almeida Antonio Martins Mário Maestri Milton Pinheiro Érico Andrade Claudio Katz Igor Felippe Santos Eleutério F. S. Prado Michael Roberts Berenice Bento Alexandre de Freitas Barbosa Denilson Cordeiro Marilia Pacheco Fiorillo Fábio Konder Comparato Armando Boito João Carlos Salles Paulo Martins Leonardo Sacramento Daniel Afonso da Silva Paulo Fernandes Silveira Luciano Nascimento Chico Alencar Airton Paschoa Marcus Ianoni Anderson Alves Esteves Vinício Carrilho Martinez José Machado Moita Neto Paulo Nogueira Batista Jr Carla Teixeira Marilena Chauí Mariarosaria Fabris José Micaelson Lacerda Morais João Sette Whitaker Ferreira Celso Frederico Gabriel Cohn Francisco Pereira de Farias Kátia Gerab Baggio Rafael R. Ioris Luiz Werneck Vianna Marjorie C. Marona Juarez Guimarães Carlos Tautz Gilberto Lopes João Carlos Loebens André Singer Osvaldo Coggiola Boaventura de Sousa Santos Michel Goulart da Silva Chico Whitaker Daniel Brazil Ricardo Abramovay Michael Löwy Anselm Jappe Renato Dagnino Vanderlei Tenório Remy José Fontana Lucas Fiaschetti Estevez João Lanari Bo Eliziário Andrade Bruno Machado Yuri Martins-Fontes Tarso Genro Paulo Sérgio Pinheiro Julian Rodrigues Paulo Capel Narvai Sandra Bitencourt Ladislau Dowbor Ronaldo Tadeu de Souza Henri Acselrad Eugênio Bucci Lincoln Secco Benicio Viero Schmidt Caio Bugiato Bernardo Ricupero José Dirceu Liszt Vieira Luiz Renato Martins Luiz Bernardo Pericás Afrânio Catani Luiz Carlos Bresser-Pereira Manchetômetro Francisco de Oliveira Barros Júnior João Feres Júnior Valerio Arcary Leonardo Boff Antonino Infranca José Luís Fiori Antônio Sales Rios Neto Ricardo Fabbrini Elias Jabbour João Adolfo Hansen Rodrigo de Faria Samuel Kilsztajn Luiz Eduardo Soares Maria Rita Kehl Henry Burnett Ricardo Antunes Francisco Fernandes Ladeira Everaldo de Oliveira Andrade José Geraldo Couto Heraldo Campos Gilberto Maringoni Andrés del Río Eleonora Albano Plínio de Arruda Sampaio Jr. Bruno Fabricio Alcebino da Silva

NOVAS PUBLICAÇÕES