O PT deve apoiar Guilherme Boulos em 2024 e não ter candidatura própria?

Imagem: Miriele Vidotti
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Por LUÍS SÉRGIO CANÁRIO*

O apoio ao Boulos não pode ser dado como fato consumado

Guilherme Boulos, do PSol, é dado como o candidato à prefeitura de São Paulo apoiado pelo Partido dos Trabalhadores em 2024. Seria a primeira vez desde a redemocratização que o PT não apresentaria candidato para a mais importante prefeitura do país. E os reflexos desse fato consumado não são bons para o PT e podem comprometer a própria sobrevivência do partido na cidade. Manter um possível acordo firmado entre Guilherme Boulos e quatro dirigentes do partido pode ser fatal.

Pouco antes do primeiro turno da eleição de 2020, Lula, Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad e Luiz Marinho, em conversa com Guilherme Boulos, fecharam um acordo em que, se ele desistisse da candidatura para governador e apoiasse Fernando Haddad e Lula, o PT não lançaria candidato a prefeito em 2024 e o apoiaria. Naturalmente que Guilherme Boulos concordou. Nem o Diretório Municipal nem nenhuma das lideranças do partido na capital participaram dessa conversa. Somente os candidatos e os presidentes nacional e estadual do PT participaram. Houve pequenos comentários aqui e ali, mas nenhuma resistência significativa. E aí começa o bolo.

Lula vence, Fernando Haddad perde e Guilherme Boulos é eleito deputado federal por São Paulo. Gleisi Hoffmann também se elege deputada federal pelo Paraná. Fernando Haddad vira ministro da fazenda e Luiz Marinho ministro da previdência no governo Lula. Todos bem arranjados e com responsabilidades muito grandes. Vida que segue.

A vida seguiu até que o assunto do tal acordo apareceu na pauta das discussões do PT da capital na medida em que, superada a eleição de 2022, era hora de pensar em 2024, no tradicional balé bianual eleitoral. Já se sai de uma eleição pensando na próxima. Nos últimos anos as eleições têm sido quase que o único foco do PT. A disputa pelos espaços institucionais tem superado em muito o trabalho de massa junto à classe trabalhadora. Cargos eletivos no executivo e no legislativo são hoje o maior objetivo do partido. E trabalhar nas assessorias parlamentares ou em cargos nos executivos objetivos cobiçados de parte da militância.

O fim da ditadura trouxe de volta as eleições diretas para prefeitos das capitais. Desde a primeira, em 1985, o partido apresentou candidatura própria. E, exceto em 2020, candidaturas competitivas. Luiza Erundina (1988), Marta Suplicy (2000) e Fernando Haddad (2012) venceram as eleições. O quadro geral é:

Entre 1988 e 2012 o partido teve uma votação média de 1.754.638 votos. Entre 2016 e 2020 essa média mergulha para 714.828 votos. Percebe-se uma queda nas votações do partido a partir de 2012, culminando com o desastre de 2020.

A trajetória do PSOL, por sua vez, foi:

Um partido de votações pífias, até a explosão em 2020, na esteira da votação pífia do PT. Mas mesmo essa votação pífia do PT ainda foi muito maior que a maior votação já obtida pelo PSOL. Apesar dessa diferença de votos na eleição para prefeito, o PT elege 8 vereadores e o PSOL 6. Na eleição anterior, 2016, o PT elegeu 9 vereadores e o PSOL apenas 2. O dono dessa expressiva votação, Guilherme Boulos, nas eleições presidenciais de 2018 teve 617.122 votos em todo Brasil e apenas 76.953 votos na cidade de São Paulo. Multiplicou por 14 sua votação na cidade.

Guilherme Boulos é um militante que começou no movimento estudantil e em 2002 entra para o MTST, se tornando a sua mais conhecida liderança. Não se filia a nenhum partido até 2018 quando se filia ao PSol para ser candidato a presidente da república. A relação de Boulos com o PT foi sempre dúbia. Próxima o suficiente para não perder as pontes, mas longe o necessário para não se contaminar nos momentos ruins do PT. Foi assim em 2014, quando o MTST levanta a palavra de ordem “Não Vai Ter Copa” e promove manifestações contra a realização da Copa. E em 2015 quando o MTST faz pesadas críticas ao governo Dilma Rousseff, em pleno processo de construção do Golpe de 2016. E mais recentemente seus votos contrários a projetos apresentados pelo PT, como o Arcabouço Fiscal. No popular, a relação de Guilherme Boulos com o PT é muita na base do morde e assopra.

Sem tirar os méritos da expressiva votação que ele tem em 2016, que conduz a votação de 2022 para deputado, em 2016 ele contou com a colaboração, que não foi pequena, de parte da militância, dirigentes e candidatos a vereador do PT. A insatisfação com a candidatura de Gilmar Tatto de parte significativa dos que foram derrotados no processo de escolha, aliada ao fato dele não ser um bom candidato, serviu de biombo para uma debandada de petistas em direção a candidatura de Guilherme Boulos. Alguns fizeram campanha abertamente, outros escondiam os símbolos do PT em suas campanhas. O fato é que esse comportamento serviu para elevar os votos em Guilherme Boulos. Criou-se um clima de deixar de lado a candidatura petista desde o primeiro turno. Note-se que o PSol nunca apoiou o PT no primeiro turno.

Por que o PT deve apoiar Guilherme Boulos e o PSol em 2024 e não ter candidatura própria? Por que não expor essa decisão às instâncias partidárias na cidade? O passado das relações de ambos, Guilherme Boulos e PSOL, com o PT, não recomenda muito. Nenhum dos dois esteve preocupado com os argumentos usados agora para justificar esse apoio. Nenhum dos dois nunca esteve preocupado com os reflexos que uma derrota do PT significaria para a esquerda ou para o povo.

Só decidiram apoiar o PT em 2022 em uma barganha que o PSol sempre condenou e condena. Quem chama um encontro a portas fechadas entre um pequeno número de pessoas que toma decisão sobre um tema controverso e sem a participação das instâncias e dirigentes partidários da cidade da negociação está nivelando muito por baixo o processo de tomada de decisão de um partido como o PT. Essas práticas estão muito próximas de partidos do centrão.

O apoio a Guilherme Boulos não pode ser dado como fato consumado. Suas implicações precisam ser mais bem discutidas, além do aspecto puramente eleitoral. O PT vem de um descenso da cidade. Esse apoio significa o que para a reversão dessa tendência? Existem muitas perguntas não respondidas. A principal delas é qual o programa dele para a cidade? Há algumas declarações controversas dele. O que ele pensa sobre temas centrais é ainda uma questão sem resposta. Qual o peso que o PT terá em uma futura gestão do PSol, visto o profundo antipetismo que reina no partido? A própria questão da vice, qual o perfil da melhor candidatura olhando as necessidades de médio e longo prazo? Como será a condução da campanha? Qual a expectativa em relação a chapa de vereadores? Como se dará o financiamento da campanha?

Há muitos que falam que cumprir acordos é um dever moral. Que isso mancharia a imagem do PT. Acordos legítimos, realizados pelo conjunto do partido, passados por suas instâncias, sim, é imprescindível que sejam cumpridos, traduz um compromisso político. Mas um “acordo” como esse é também moralmente defensável? Cabe a quatro pessoas passarem por cima da democracia interna e decidirem pelo PT da cidade? Mais uma pergunta sem resposta.

E por último, mas não por fim, que movimentos reais Guilherme Boulos e o PSol têm feito de aproximação com o PT? Até agora nenhum.

*Luiz Sérgio Canário é militante do PT e mestrando em economia política na UFABC.


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