O caso Mourão

Imagem: Tim Mossholder
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JOÃO HÉLIO FERREIRA PES*

O senador Hamilton Mourão se portou de forma criminosa, instigando à prática de crime contra o Estado democrático de direito

O sistema de justiça brasileiro quando exerce sua função de guardião da Constituição e protetor do Estado de democrático de direito, em raros espasmos de atuação, é atacado e ameaçado por vozes daqueles que pretensamente representam as pessoas armadas com armas fornecidas pelo próprio Estado para protegê-lo.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) ao reagir à operação que investiga crimes contra a democracia perpetrados por civis e militares que participaram de organização criminosa visando um golpe de Estado se portou, também, de forma criminosa, instigando à prática de crime contra o Estado democrático de direito. Disse o senador que “no caso das Forças Armadas, os seus comandantes não podem se omitir perante a condução arbitrária de processos ilegais que atingem seus integrantes, ao largo da justiça” numa clara alusão a necessidade de reação daqueles que armados para proteger o território brasileiro também se protejam contra as normas e procedimentos judiciais, democraticamente definidos.

Hamilton Mourão, na condição de ex-agente militar, posto de general, chegou a fazer graves ameaças, ao dizer, num jogo de palavras visando se ocultar na imunidade parlamentar, que “a mera observação da precipitação dos acontecimentos, cada vez mais traumáticos, indica a possibilidade lamentável de um confronto de gravíssimas consequências”. O lugar de fala desse parlamentar não é apenas de um simples senador, por isso, não pode ficar acobertado pela garantia institucional da imunidade parlamentar.

Nesse sentido, é necessário relembrar um velho ensinamento do direito constitucional de que a imunidade parlamentar é a garantia da atividade do parlamentar para garantir a instituição parlamento. Portanto, para preservar as instituições e o Estado democrático de direito não há que se falar em imunidade parlamentar quando os atos praticados, discursos, falas e atuações são no sentido de instigar atos criminosos de abolição violenta do Estado democrático de direito.

Esse caso de Hamilton Mourão e outros similares não podem ser secundarizados pelas instituições políticas e instituições do sistema de justiça. É um imenso risco para a democracia não dar a devida importância a atos que podem ser enquadrados como apologia aos crimes contra as instituições democráticas. É papel da instituição política Senado da República abrir processo na Comissão de Ética para analisar desvios dessa grandeza praticados por um dos seus. Também, é papel das instituições Ministério Publico e Poder Judiciário analisar, denunciar e processar os crimes cometidos.

O desleixo institucional pode dar margem para tragédias. É preciso não abandonar a possibilidade de aprendizado com o passado e, também, com fatos recentes. Neste momento, o desleixo institucional norte-americano está abrindo a possibilidade de ser eleito um candidato que já demonstrou ser uma ameaça à própria democracia. No passado, não tão distante, precisamente no dia 08 para 09 de novembro de 1923, ocorreu uma tentativa de golpe de estado na Alemanha, em Munique. Com o desleixo das instituições da República Weimar o líder desse crime permaneceu apenas nove meses na prisão. Aproximadamente 10 anos após esse fato, o líder da organização criminosa contra a democracia, Hitler, assume o poder no Estado alemão. A consequência desse cochilo institucional foi trágica não só para a democracia, mas, também, para a dignidade da pessoa humana.

Portanto, o desleixo das instituições somado ao desdém dos líderes partidários e à apatia política dos movimentos populares e da própria cidadania colocam em risco a manutenção da democracia resultando em tragédias inimagináveis. Quando temos esses espasmos de efetividade institucional não resta outra alternativa a não ser a de aplaudir e fazer de tudo para que o “direito”, dentro do Estado democrático de direito, seja um trunfo da cidadania contra as arbitrariedades de qualquer maioria eventual.

*João Hélio Ferreira Pes é professor de direito da Universidade Franciscana – UFN (Santa Maria, RS).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Luiz Bernardo Pericás Mário Maestri Marcus Ianoni Benicio Viero Schmidt Osvaldo Coggiola Lorenzo Vitral Jorge Luiz Souto Maior Elias Jabbour Eleutério F. S. Prado Vanderlei Tenório Luís Fernando Vitagliano Tarso Genro Thomas Piketty Luiz Werneck Vianna Michael Roberts Chico Alencar José Micaelson Lacerda Morais Berenice Bento Leonardo Boff João Paulo Ayub Fonseca Plínio de Arruda Sampaio Jr. Igor Felippe Santos Flávio Aguiar Manchetômetro Ronald León Núñez Sandra Bitencourt Ronaldo Tadeu de Souza Fábio Konder Comparato Fernando Nogueira da Costa Luiz Marques Eugênio Bucci Marcos Aurélio da Silva Leonardo Sacramento Francisco Fernandes Ladeira Renato Dagnino Caio Bugiato Vladimir Safatle Armando Boito Marjorie C. Marona Alexandre de Freitas Barbosa Rodrigo de Faria Daniel Costa Andrew Korybko Ricardo Antunes Alexandre Juliete Rosa Antonino Infranca Antonio Martins Luiz Roberto Alves Paulo Fernandes Silveira Maria Rita Kehl Otaviano Helene Eliziário Andrade Marcelo Módolo Ladislau Dowbor Atilio A. Boron Priscila Figueiredo Marcos Silva André Singer Manuel Domingos Neto Rafael R. Ioris Paulo Sérgio Pinheiro Jean Marc Von Der Weid Jean Pierre Chauvin Milton Pinheiro Marilia Pacheco Fiorillo Sergio Amadeu da Silveira Bruno Fabricio Alcebino da Silva Salem Nasser Bento Prado Jr. Antônio Sales Rios Neto Michael Löwy Celso Frederico Mariarosaria Fabris Eleonora Albano Carlos Tautz João Carlos Salles Heraldo Campos João Feres Júnior Gilberto Maringoni Daniel Brazil Jorge Branco Ricardo Abramovay Luiz Carlos Bresser-Pereira Michel Goulart da Silva Claudio Katz José Luís Fiori Samuel Kilsztajn Celso Favaretto Walnice Nogueira Galvão José Geraldo Couto Vinício Carrilho Martinez Ronald Rocha Carla Teixeira Juarez Guimarães Marcelo Guimarães Lima Andrés del Río Fernão Pessoa Ramos Chico Whitaker Airton Paschoa Bernardo Ricupero Rubens Pinto Lyra Luciano Nascimento Kátia Gerab Baggio Paulo Capel Narvai Ricardo Musse Alysson Leandro Mascaro Eduardo Borges Julian Rodrigues Ari Marcelo Solon Leonardo Avritzer Paulo Martins João Adolfo Hansen Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Luiz Renato Martins Matheus Silveira de Souza João Sette Whitaker Ferreira Lincoln Secco Gerson Almeida Marilena Chauí José Machado Moita Neto Flávio R. Kothe Leda Maria Paulani André Márcio Neves Soares José Costa Júnior Remy José Fontana Daniel Afonso da Silva Alexandre de Lima Castro Tranjan Boaventura de Sousa Santos Liszt Vieira Denilson Cordeiro Henry Burnett Tadeu Valadares Paulo Nogueira Batista Jr Dênis de Moraes Annateresa Fabris Tales Ab'Sáber Érico Andrade Francisco Pereira de Farias Luis Felipe Miguel Francisco de Oliveira Barros Júnior Eugênio Trivinho José Raimundo Trindade Gabriel Cohn Slavoj Žižek Bruno Machado Ricardo Fabbrini Afrânio Catani João Lanari Bo Anselm Jappe Yuri Martins-Fontes Luiz Eduardo Soares Valerio Arcary José Dirceu Lucas Fiaschetti Estevez Everaldo de Oliveira Andrade Alexandre Aragão de Albuquerque Henri Acselrad Dennis Oliveira Gilberto Lopes João Carlos Loebens

NOVAS PUBLICAÇÕES