Arte contemporânea em três tempos

Guillermo Kuitca. Obra da série “Ninguém Esquece Nada”, 1982
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Por LUCAS FIASCHETTI ESTEVEZ*

Considerações sobre o livro recém-lançado de Ricardo Fabbrini

1.

No debate estético, há uma convenção que concebe a arte moderna como aquela que se iniciou em meados do século XIX e teve seu fim nos anos 1970, tendo sido sucedida pela arte contemporânea ou “pós-moderna”. Como bem aponta Ricardo Fabbrini em Arte contemporânea em três tempos, esse modo de encarar a arte toma o desenvolvimento histórico como algo progressivo, com expressões artísticas distribuídas cronologicamente em uma linha temporal única de uma só direção e sentido.

No pós-guerra, com o fim das vanguardas históricas do começo do século e com a ascensão do dito pós-modernismo, essa história linear parece ter chegado ao fim, como demonstra a retomada da tese hegeliana do fim da arte. O livro que agora temos em mãos é, de certo modo, uma resposta crítica a respeito dessa agonística da imagem.

Através do entrelaçamento de três recortes temporais, o autor nos convida a mergulhar no destino de uma arte que apesar de parecer sem lugar próprio nem tempo adequado, persiste. Com uma escrita que se endereça a inúmeros referenciais teóricos sem perder a clareza, Ricardo Fabbrini expõe o debate a respeito da arte contemporânea ao mesmo tempo em que recorre à análise imanente de diversas obras. Assim, o livro se mostra valoroso tanto para aqueles ainda não familiarizados com o debate estético, como também para os especialistas.

Partindo de Giorgio Agamben, Ricardo Fabbrini destitui da ideia de “contemporaneidade” uma dimensão temporal estrita, compreendendo o que há de contemporâneo na arte o poder de negatividade e de resistência de determinadas obras frente ao seu tempo. Contemporâneas – e, portanto, críticas – são aquelas obras que mantém “seu olhar fixo sobre o presente” e “o interpelam sem cessar”. A despeito do rótulo que o circuito das artes empresta a esse ou aquele artista e estilo, o olhar deve se voltar à obra em si, ao modo como ela pode produzir uma imagem que resista e frature “a ordem de clichês ou simulacros” em meio ao ramerrão da cultura massificada.

2.

No primeiro ensaio do livro, “Anos 1970-1980: moderno e pós-moderno”, Fabbrini se debruça sobre o ocaso das vanguardas artísticas e da ideia da arte moderna. Nesse novo tempo, “o ímpeto e as estratégias das vanguardas históricas” não encontram mais efetividade nem sentido. O imaginário contemporâneo a partir do pós-guerra carece da crença nos poderes utópico-revolucionários da arte, tão bradados pelos vanguardistas do começo do século. Desse modo, as vanguardas tardias que se concentraram nos Estados Unidos a partir dos anos 1960 podem ser tomadas como “pós-utópicas”.

A busca quase obsessiva pelo novo e o intento de romper com a tradição artística, comum a todos esses momentos da arte moderna, agora não se dava mais em chave disruptiva, mas de um retraimento abstrato da forma artística em seu próprio campo. Apesar de tais diferenças, tanto as vanguardas tardias como as utópico-revolucionárias objetivavam o embaralhamento entre a arte e a vida, numa tentativa de estetizar o real disseminando a arte na vida cotidiana.

Nos anos 1980, a própria ideia de vanguarda, já tanto reformulada, parece ultrapassada. Com o processo de institucionalização e integração da arte moderna e de suas expressões mais radicais, torna-se precária a definição de certas tendências artísticas como contra-hegemônicas. O diferente e o novo, mais do que nunca, passam a encontrar um lugar predominantemente domesticado no circuito das artes. O ímpeto transformador, já debilitado numa era sem utopia, se enfraquecera ainda mais. Nesse cenário, o fim das vanguardas se associou ao fim da própria arte, discussão que permeia toda a obra de Ricardo Fabbrini e que remonta à estética hegeliana.

Recorrendo a Fredric Jameson, o autor nos mostra como as vanguardas tardias do pós-guerra foram interpretadas como formas artísticas vazias e incapazes de elaborar qualquer negatividade frente à realidade. Em uma ruptura com a arte moderna e das vanguardas heroicas, a dita “pós-modernidade” enquadrou a obra em outro regime de percepção, que não produz mais a experiência do sublime e perdeu o ímpeto de resistir ao real e às suas determinações. Além de Fredric Jameson, Jean-François Lyotard e Jürgen Habermas também identificariam tal declínio, apesar deste último ainda tentar salvar a arte moderna de seu destino. Neles, esse novo tempo enfraqueceu o ímpeto de negatividade da arte.

Ricardo Fabbrini se posiciona frente a esse debate. Segundo ele, é equivocado encarar o fim das vanguardas como um sintoma da morte da arte ou até mesmo da arte moderna. Na verdade, observou-se o ocaso de um tipo de produção artística que dependia de uma concepção de temporalidade que não existe mais, a saber, aquela calcada na crença no progresso e na Utopia. Nesse sentido, a arte não morreu. O que se transformou radicalmente foi a ideia (e a possibilidade) de certo tipo de arte, aquela moderna, programática e vanguardista.

Ao insistir nessa compreensão não-linear do desdobramento da linguagem artística, Ricardo Fabbrini escapa das amarras dos “ismos” e de sua sucessão temporal numa história pretensamente progressiva. Como argumenta, a arte não evolui nem retrocede: ela muda. O suposto fim da arte, na verdade, é o fim das vanguardas e da ideia moderna de arte. Entretanto, o autor comenta que o prefixo “pós” não seria adequado para definir essa nova configuração da arte, já que pressupõe uma espécie de descarte e superação da tradição moderna, o que não é o caso. Como já apontara Jürgen Habermas em suas reflexões sobre a arquitetura, mesmo a arte a partir do pós-guerra persegue, querendo ou não, “o ideário moderno” e seus dilemas.

Ricardo Fabbrini também analisa os ecos do fim das vanguardas na filosofia, em especial a francesa. Jacques Derrida e Gilles Deleuze, por exemplo, seriam os maiores representantes de uma filosofia que se aproximou da linguagem artística pós-utópica através do uso de um discurso não só radicalmente ensaístico, mas desconstrutivista. Para muitos, como Paulo Arantes em sua descrição da “ideologia francesa”, essa filosofia se constituiu grandemente de arroubos retóricos sem coerência, em um tipo de elaboração textual inócua, mais próximo da literatura do que do próprio campo filosófico. Como nas artes, essa filosofia também teria perdido uma boa dose de seu elemento crítico.

A despeito dessa constelação de autores que identificam nas diferentes facetas do vago “pós-modernismo” um declínio de negatividade e traços de certo neoconservadorismo, Ricardo Fabbrini desloca sua atenção desse nível abstrato para a imanência e lógica das próprias obras de arte produzidas a partir dos anos 1970, a fim de investigar “em que medida obras singulares revelam, desde o fim das vanguardas, um ‘potencial crítico e de oposição’” (p.34).

Seguindo a imagem usada por Andreas Huyssen, Ricardo Fabbrini busca em algumas obras as possibilidades do trabalho artístico elaborado sobre as ruínas do edifício da modernidade. Sob essa chave, poderíamos escapar da compreensão limitada da “arte moderna”, tomada não com um conjunto inócuo e aleatório de signos, como aponta Fredric Jameson, mas como uma “arte pós-vanguardista”, estruturada num novo tempo e que, por isso, requer novas estratégias frente ao real. Entre os artistas que exemplificam tal momento, temos Guillermo Kuitca, Mimmo Paladino e Anselm Kiefer.

Na arte radical da pós-vanguarda, o maior desafio é o de resistir à fetichização da imagem através de uma imanência formal que produza uma paisagem ainda desconhecida – um fazer-se diferente frente ao mar homogêneo da cultura massificada. Desde os anos 1970, a sociedade da hipervisibilidade impôs sobre a arte a urgência de se produzir uma imagem que não traga tudo previamente digerido, mas que guarde algo de enigmático e que force o sujeito a ser sensível às diferenças, àquilo que escapa da norma. Diante da falência das vanguardas e do seu tempo histórico, não temos “a negação dos poderes de negação da arte, mas a necessidade de pensá-los de outro modo” (p. 51). Ricardo Fabbrini retoma, ao final do livro, essa questão.

3.

No segundo ensaio do livro “Anos 1990-2000: arte e vida”, o autor trata das novas estratégias da arte pós-vanguarda em embaralhar arte e vida. A principal referência teórica mobilizada é a da arte relacional, elaborada por Nicolas Bourriaud. Se nos anos 1980 a reação ao formalismo extremado das vanguardas tardias foi predominante, a década seguinte observaria um “retorno ao real” distante das linguagens artísticas da tradição, como a pintura ou a escultura. Para reatar os vínculos da arte e da vida, o foco recaiu sobre instalações, happenings e outras experiências fluidas de difícil enquadramento conceitual. Desde então, se insistiu numa arte participativa aberta ao indeterminado.

O retorno da experiência estética sobre aquilo que lhe é a princípio externo – o real, o social e o político – ocorre, na proposta relacional, não sob o signo da reconciliação entre arte e vida, mas de uma tensão constitutiva que produza no cotidiano vivido “alteridades possíveis”. Segundo Ricardo Fabbrini, Nicolas Bourriaud aposta em uma espécie de realismo operatório que se volta para a “utopia cotidiana” afim de criar espaços e temporalidades alternativas.

Entre alguns exemplos de arte relacional, temos Palm Pavilion (2006-08), de Rirkrit Tiravanija e a situação-obra Turkish Jokes (1994)de Jens Haaning. Nesta última, o artista instalou um autofalante em uma rua de Copenhague e outro em Bordeaux. Neles, eram emitidas piadas em turco e em árabe. Como resultado, somente falantes desses idiomas se aproximavam e ali permaneciam, formando grupos como numa espécie de “escultura temporária” (p. 64).

Na produção dessas alteridades, a figura do artista também é redefinida, se comparada com o modelo prototípico das vanguardas. O “artista relacional”, para Nicolas Bourriaud, é capaz de inventar percursos por ser ele próprio um nômade que se nega a fincar suas raízes em um só lugar. Sintoma das próprias transformações do mundo globalizado, agora é o artista que se move entre diferentes realidades e a obra que se abre para tal multiplicidade, em um esquema distinto do teor teleológico da arte que se direcionava a uma utopia abstrata e fora do tempo, agora arquivada.

Apesar da importância da arte relacional para a produção e debate estético dos anos 1990, Ricardo Fabbrini também discorre a respeito das críticas que essa concepção recebeu, em especial aquela de Jacques Rancière. Para ele, essa nova concepção do fazer artístico substituiu o foco sobre a forma artística pelas formas das relações sociais. Como consequência, a tensão própria entre arte e vida (ou mundo social) foi dissolvida a tal ponto que a primeira se transformou num mero prolongamento da realidade, sem a possibilidade de operar sua crítica.

O público, por sua vez, replica essa mesma continuidade distensionada. Diante das obras, o fruidor se comporta como um “consumidor cultural”, um usuário que se relaciona com a arte como as demais mercadorias oferecidas. Além disso, as situações pretensamente “alternativas” criadas em muitas das obras relacionais redundariam, para Rancière, em espaços artificiais de consenso político, notadamente forçados e residuais, como uma paródia da sociedade real. A política, originalmente espaço do dissenso, seria palco de uma “tolerância social” ilimitada. Na esteira de Rancière, Fabbrini defende que a sociabilidade alcançada em tais situações geralmente é “glamourizada, vigiada, fictícia porque factícia” (p. 73).

Para além da arte relacional, outras formulações buscaram sustentar a importância de experiências comunitárias contra-hegemônicas. De acordo com Ricardo Fabbrini, a noção de heterotopia, de Michel Foucault, vai nesse sentido. Diferentemente das utopias, que se referiam a espaços e temporalidades indefinidos pois inexistentes, as heterotopias seriam “contraposicionamentos em lugares reais”, experiências efetivas e singulares que ofereceriam um outro regime temporal e espacial, uma fuga da lógica maquínica e da razão técnica.

Entre os tipos elencados por Michel Foucault, Ricardo Fabbrini dá atenção às “heterotopias do desvio”, próximas da experiência situacionista e de seu gesto poético de abertura de fissuras e de superação da própria noção de obra de arte.

Em tais situações, uma nova relação de forças, que escapa as determinações comuns tanto da estética como do mundo social, tornam-se possíveis. Dentre os exemplos elencados por Michel Foucault está o “grande barco do século XIX”, representativo de um espaço fragmentado e flutuante, “lugar sem lugar com vida própria” (p.85). O autor francês também identificava “heterocronias” capazes de operar o mesmo deslocamento, mas na dimensão temporal. Em algumas, como bibliotecas e museus, o tempo se acumula infinitamente; em outras, como em festas e feiras, o tempo é passageiro, fundado em sua própria dissolução.

Diante de tais contribuições de Michel Foucault, artistas e críticos tomaram como tarefa a elaboração de novas figuras do tempo e do espaço que pudessem ser “vividas experimentalmente”, a fim de “imaginar outros mundos possíveis, no ato mesmo de vivê-los em comum, material e afetivamente, durante certo tempo” (p. 91). Esse ideal de uma comunidade livre também se tornou central na discussão de outros autores, como Giorgio Agambem e sua “comunidade do ser qualquer” ou em Roland Barthes e sua “Utopia do Viver-Junto”.

Porém, foi mais uma vez Jacques Rancière que explorou tal noção de modo mais consequente, compreendendo a comunidade estética como uma espécie de “partilha do sensível”. Tomando o conflito como seu traço definidor, Jacques Rancière assume que essa comunidade é formada por “sujeitos precários” e “atores ocasionais” que disputam a distribuição de lugares e disposições num momento provisório de suspensão da dominação.

Nessa chave, a resistência da arte se torna possível através da sustentação desse conflito, na qual se fratura “a unidade do dado e a evidência do visível” (p. 109). De certo modo, a comunidade se torna o espaço possível de experimentação do indeterminado, em oposição à sociedade totalmente administrada. Essa potência comunitária, em suma, extrai o que há de mais revolucionário na partilha coletiva do sensível. Por isso mesmo, ela também é política, uma espécie de comunidade estética do devir.

Em meio a tais discussões, inúmeros artistas dos anos 1990 redirecionaram a imaginação utópica do modernismo, voltada a uma sociedade futura, para novos modos de se habitar nosso mundo e presente. Por isso o caráter propositivo e laboratorial de muitas obras, nas quais se almeja um tipo de viver-junto que estabeleça a conexão com o real a partir da negação  dos traços regressivos da sociabilidade hegemônica. Ricardo Fabbrini elege como exemplo de tais tentativas a “poética de risco” do Teatro da Vertigem, como nas experiências BR-3 (2005) e Bom Retiro: 958 metros (2012).

4.

No último ensaio do livro, “Anos 2010-2020: imagem e clichê”, Ricardo Fabbrini comenta os últimos desdobramentos da longa e tantas vezes anunciada agonística da imagem. Frente à proliferação desenfreada de um novo tipo de imagem total e onipresente, Deleuze enunciou a “civilização do clichê. Jean Baudrillard, por sua vez, elencou o simulacro como prototípico desta nova modalidade da imagem. Na sociedade da simulação total e do hiper-real, a imagem simulacro nada esconde e tudo apresenta. Típico das telas digitais, o simulacro é tomado por Jean Baudrillard como a imagem de um mundo pretensamente sem falhas, que fascina o espectador friamente, sem guardar nada da antiga sedução romântica da arte moderna que se agarrava à ilusão e à existência de algo oculto.

Apesar de tudo exibir, a lógica do simulacro instaura um modelo sem origem nem realidade. Fundada sobre um paradoxo incontornável, a era da hipervisibilidade torna o real invisível, distante e inacessível. Desse modo, Jean Baudrillard diagnostica uma retração da possibilidade de representação do mundo pelas imagens de um outro modo que não seja aquele da apologia desmesurada do existente. Segundo Ricardo Fabbrini, estaríamos mais uma vez “presenciando a agonia da arte, ou mais precisamente uma agonística”, tomada como “o momento decisivo no qual se trava um conflito sobre o destino das imagens” (p. 139). Em meio a tanta transparência, como produzir uma imagem que ainda guarde algum segredo?

A procura por essa imagem de resistência, para Ricardo Fabbrini, poderia ser exemplificada pela obra do filósofo e fotógrafo cego Evgen Bacvar. Através de sua prática, teríamos uma mostra do “esforço desses artistas em recuperar a potência da visão, reagindo à saturação de signos que a tudo neutraliza” (p. 132-133). O poder de negatividade da arte, nesse sentido, seria o do gesto que abre a imagem para o contingencial. Nas fotografias de Nan Goldin e Anna Mariani, por exemplo, também teríamos uma desestabilização do referencial, com a instauração de uma tensão entre o representativo e o indicial. Essa zona de indiscernibilidade, em suma, é o lócus da resistência estética que garantiria sobrevida às imagens. Ricardo Fabbrini também identifica no cinema e no teatro contemporâneo expressões desse ímpeto, como na instalação Stifters Dinge (2015), de Heiner Goebbels.

Recorrendo a Gilles Deleuze, Ricardo Fabbrini comenta como o filósofo elegeu o cineasta Jean-Luc Godard como aquele que mais estressou a imagem hegemônica e propôs um “drama da percepção”. Ao romper com as convenções da linguagem cinematográfica, Godard extraiu das imagens clichês “uma imagem outra” que forçava o pensamento e rompia com o “horizonte do provável”. Desse modo, liberava a força não comunicativa da imagem. Adeus à linguagem (2014), segundo Ricardo Fabbrini, seria um bom modelo de um “inventário das possibilidades estéticas abertas pelo vídeo digital”, que devolve às imagens o que ainda não foi pensado.

Uma imagem que resiste é aquela, portanto, que não só guarda algo, mas que retarda a fruição, interrompe o fluxo da máquina total e a superficialidade das imagens luminosas e digitais e atesta, apesar de todos dizerem o contrário, a fundamental importância da “perda de tempo”. Somente assim, teríamos “a negação da temporalidade da produção de simulacros e do consumo capitalistas” (p. 152).

Ciente tanto dos limites como das possibilidades que a arte contemporânea enfrenta, Ricardo Fabbrini argumenta que “o desafio de caráter ético e estético da crítica de arte é selecionar imagens enigmas em meio à performatividade dos simulacros (ou clichês)” em circulação. Em vez de pairar sobre a história das obras e julgá-las externamente, a crítica parte da própria obra e do seu tempo para alertar “o risco da dissolução já em curso, da arte na comunicação” (p. 144). A imagem-enigma, entretanto, não recupera a mesma radicalidade das vanguardas, mas inaugura um novo tipo de negatividade estética que diante da razão instrumental catalogadora estabelece uma zona de opacidade que não é facilmente definida.

Se a Utopia já foi o desejo manifesto que movia a vanguarda, o atestado de sua falência no horizonte observável se converte numa das fontes da críticas. Rodeado por uma constelação de réquiens, próprios de uma era do desalento, o indeterminado segue aberto em obras que tomam como problema imanente seus próprios limites, que operam fissuras na espacialidade e na temporalidade capitalista e neoliberal.

Contemporânea ao “apocalipse latente”, a arte dotada de negatividade opera como índice de alteridades possíveis. No final das contas, mesmo que sob uma nova figura, parece que algo de utópico sobrevive.

*Lucas Fiaschetti Estevez é doutorando em sociologia na USP.

Referência


Ricardo Fabbrini. Arte contemporânea em três tempos. Coleção Ensaios. Belo Horizonte, Autêntica, 2024, 174 págs. [https://amzn.to/4a35odf]


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