Cabra marcado para morrer

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Por SOLANGE PEIRÃO

Comentário sobre o filme de Eduardo Coutinho

Em 2024, comemora-se quarenta anos do lançamento da segunda versão de Cabra marcado para morrer, filme de Eduardo Coutinho, o cineasta brasileiro mais importante no segmento de documentários. Mas é também o momento para registrar os sessenta anos do Golpe de 1964 que rompeu com a democracia, e instaurou a ditadura militar, no Brasil, por duas décadas.

A trajetória de Cabra marcado para morrer é expressiva. Na verdade, não se trata de um filme, mas dois. O primeiro, tomou forma no começo dos anos 1960, fruto da associação de Eduardo Coutinho com o Centro Popular de Cultura (CPC). O foco era a ação política do líder da Liga Camponesa da Paraíba, João Pedro Teixeira, assassinado em 02 de abril de 1962. As filmagens aconteceram nos primeiros meses de 1964 e foram interrompidas pelo golpe militar, em 1º. de abril.

Em 1981, Eduardo Coutinho retomou o projeto interrompido, com o intuito de registrar não só a vida de João Pedro, mas conhecer também as mudanças ocorridas na vida dos atores/camponeses, incluindo sua família.

Nas duas ocasiões, evidentemente, inseriu-se a investigação no contexto da história social e política do Brasil, naqueles anos.

O primeiro Cabra

O projeto nasceu no seio do Centro Popular de Cultura (CPC), um braço da ação política da União Nacional dos Estudantes (UNE), mas que tinha existência independente dela. Os CPCs multiplicaram-se pelo País entre 1961 e 1964. Nasceram da proposição de intelectuais e artistas, ligados, parte deles, ao Teatro de Arena de São Paulo. O que os unia, em última instância, era pensar a função social da arte. Pensar, enfim, um projeto de pedagogia política que, por meio da produção de obras em diferentes segmentos, faria da arte um veículo de conscientização política.

A UNE também criou seu CPC, ramificado em Teatro, Música e Cinema. Em 1962, seus membros caminharam Brasil afora divulgando a plataforma referente à Universidade, e levando também as iniciativas culturais do CPC. Eduardo Coutinho foi o cineasta que circulou pelos Estados do Nordeste com a UNE Volante.

Chegaram à Paraíba em abril, quando o clima político estava particularmente exaltado. No dia 02, João Pedro Teixeira, líder da Associação de Lavradores e Trabalhadores de Sapé, fora assassinado. A Associação era uma das mais ativas, na ocasião, com um total de sete mil associados.

Ele e a UNE Volante cobriram a manifestação popular de repúdio. Antes da passeata, Coutinho entrevistou Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro; começou então a considerar a ideia de um filme, com base nesse acontecimento, mas no contexto abrangente das Ligas Camponesas, que vinham sendo criadas, no Nordeste, a partir de 1955.

Levar em conta o contexto significava considerar o enfrentamento dos atores sociais: de um lado, camponeses que reivindicavam novos acordos na exploração das terras e que até consideravam ocupá-las; de outro, os proprietários rurais, irredutíveis à qualquer negociação, e que tentavam impedir, pelas armas, com apoio policial, a ocupação.

De regresso ao Rio de Janeiro, o projeto teve que esperar dois anos para se viabilizar. Em janeiro de 1964, Coutinho e sua equipe estavam de volta à Paraíba, para iniciarem as filmagens. Não se tratava, nesse primeiro projeto, de um documentário propriamente dito, mas de um filme, com roteiro pensado a partir das informações passadas por Elizabeth Teixeira, e pelos camponeses congregados na Associação.

Enquanto intelectual e cineasta, Coutinho definiu o roteiro e a direção estética, a partir das posturas que vivenciava enquanto participante do CPC. Isso significa dizer, por exemplo, que a caracterização dos personagens foi construída de fora para dentro, mais baseada em generalização e idealização dos sujeitos históricos, vistos como heróis da ação política, e livres de contradições internas, pessoais.

Os atores seriam Elizabeth Teixeira, interpretando a si própria, e os camponeses. João Mariano era o único dos atores que se juntou à comunidade posteriormente, e que foi contratado para desempenhar o papel de João Pedro, com seus filhos.

A locação inicialmente planejada era no próprio município de Sapé, onde o pai de Elizabeth arrendara parte de sua propriedade para o genro e sua família. Depois de vender as terras, em 1962, o novo proprietário não aceitava mantê-los como arrendatários, tampouco indenizá-los pelas benfeitorias. Do conflito, resultou o assassinato de João Pedro. Obviamente que a perseguição ocorria também por ser João Pedro quem era, ou seja, o líder de uma liga camponesa de grande adesão e prestígio.

As filmagens, no entanto, precisaram ser transferidas, devido a um enfrentamento violento, ocorrido entre camponeses da região e as forças policiais da Paraíba. Eduardo Coutinho, então, levou sua equipe a Pernambuco, no município de Vitória de Santo Antão. Aqui se localizava, no Engenho Galiléia, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, conhecida como Liga Camponesa da Galiléia. Foi a primeira a ser fundada em 1955, e o Engenho constitui-se na primeira desapropriação conquistada pelos camponeses, sob orientação do advogado Francisco Julião, em 1959.

As filmagens começaram em 26 de fevereiro de 1964 e foram interrompidas em 1º. de abril, quando aconteceu o Golpe de 64. Até então, 40% do roteiro havia sido realizado. As forças policiais e do exército invadiram o Engenho e confiscaram o que conseguiram: de equipamentos a roteiro, fitas magnéticas, anotações de cena.

Muitos camponeses foram presos e também alguns membros da equipe, mas a maioria conseguiu fugir e retornar ao Rio de Janeiro. Tudo o que sobrou foram algumas fotografias; uma presa política resgatou o roteiro, enquanto esteve detida no Quartel do Exército na Paraíba; algumas cenas esparsas, do negativo que havia sido enviado para o laboratório no Rio de Janeiro, em março, também foram preservadas.

Elizabeth Teixeira ainda tentou, por alguns meses, levar a luta adiante. Depois de algumas prisões, refugiou-se na clandestinidade, num vilarejo do Rio Grande do Norte, usando o nome de Marta Maria da Costa, e com um único filho dos onze que o casal tivera. Os filhos acabaram distribuídos entre os parentes, e foram, com o tempo, se espalhando em várias localidades do Brasil.

O segundo Cabra

A decisão de retomar o filme interrompido ocorreu em 1981, quando Eduardo Coutinho retornou ao Engenho Galiléia, na tentativa de reunir os camponeses da primeira filmagem. Depois, sairia em busca do paradeiro de Elizabeth.

Essa nova investida é expressivamente mais interessante do que a primeira. Desta feita, Coutinho não considerou mais a ideia de realizar um filme ficcional, a partir de uma história real, e assumiu o documentário como caminho.

Iniciava aqui sua carreira brilhante neste segmento fílmico, visto que Cabra marcado para morrer é marcante em sua filmografia. Não só pela história que registra, pelo momento ímpar da vida nacional, mas porque o trato que dá na condução do roteiro, na abordagem dos entrevistados, ensaia uma postura que se consolidará no futuro.

Em Cabra marcado para morrer, o desafio de Eduardo Coutinho vai além, na verdade. Porque há um filme dentro de outro filme, e de partidos diferentes. Há que se considerar, inclusive, que nesses dezessete anos entre os dois períodos de filmagem, mudou o Brasil, mudaram os atores/camponeses e mudou Coutinho. Por ora, fiquemos com estes dois últimos.

Eduardo Coutinho despiu-se daquele terno apertado, daquela cartilha rígida do ideário do CPC dos anos 1960. Assumiu que é possível dar voz aos entrevistados, com todas as contradições, as mais nobres e as nem tanto, de homens e mulheres, quaisquer que sejam seus estratos sociais. E abrir espaço para tal, é, sem dúvida, abrir o caminho mais garantido para a produção de uma obra de arte, com condições de desempenhar um papel de conscientização política ou de qualquer outra natureza.

Curioso que essa nova postura que o cineasta abraça não era novidade para muitos, já nos tempos da primeira filmagem de Cabra marcado. Roberto Freire, diretor do espetáculo Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, que estreou em 1965, no TUCA em São Paulo, já dizia: “Havia uma diferença brutal entre a nossa proposta e a dos CPCs. Eu achava os espetáculos dos CPCs óbvios e até repelentes: colocar, por exemplo, os atores batendo num Tio Sam. Esta é uma forma de conscientização autoritária. A arte é conscientizadora em si. Se você pretende uma conscientização e a expressão artística não for suficiente, você não conscientiza o suficiente; segundo, o público não quer se ver no espetáculo caricatamente, de maneira simplista e sintética. O espetáculo precisa ir além do conteúdo político; dentro da trama, ter personagens profundamente humanos, e onde a qualidade dos diálogos e a poética fossem realmente fortes. Onde a questão estética fosse muito considerada. Um Otelo, onde se discute a apropriação da mulher pelo homem, me permite discutir a questão do autoritarismo. Eu o preferia a um texto onde se discute a questão do imperialismo, sem maiores cuidados. O melhor instrumento de conscientização é a Beleza”.[1]

 O fato é que somente tal postura, possibilita algumas observações nas falas dos entrevistados que, possivelmente, escapam aos pesquisadores, aos jornalistas; além do que, ganham mais vida com o sabor da linguagem regional. Vamos a alguns exemplos.

João Virgínio Silva conta que a Sociedade da Galiléia nasceu como “sociedade beneficente dos defuntos”. Quando morria um, pegava-se o caixão, o popular Lolô, emprestado do prefeito; levava-se o defunto até a cova e devolvia-se o caixão. Segundo João, a ideia era “beneficiar os defuntos, o povo”. Mas Zezé da Galiléia, presidente da Liga, completa: quando o proprietário do Engenho percebeu que “a Liga não se preocupava só com os mortos”, quis expulsar todo mundo. A Liga, na verdade, lutava também contra o aumento do foro, isto é, o preço pago pelo arrendamento da terra.

Ainda Zezé da Galiléia, descrevendo a discussão na Câmara Legislativa do Recife, quando foi conduzida a desapropriação do Engenho : “Minha gente, não vamos fazer desapropriação, porque não é desapropriar uma Galiléia, é desapropriar várias Galiléias, porque daí em avante pegará fogo dentro do Brasil, de ponta a ponta. Porque o Brasil fica viciado, vão se organizar, e vão pedir aos poderes públicos para desapropriar.”

O Engenho foi finalmente desapropriado em 1959, o dono foi indenizado conforme reza a Constituição, mas os camponeses não possuíam as escrituras de suas terras, ainda em 1981. E para que não se esqueça: não é essa a discussão, qual seja, a forma das indenizações, que está, ainda hoje, no centro dos embates, quando se fala em reforma agrária?

Há uma estrutura geral desse Cabra marcado para morrer que revisitou os protagonistas e os locais da primeira versão, mas que o ampliou com novos entrevistados, em outras cidades brasileiras. A começar da comunidade que acolhia Marta, a aliviada Elizabeth que recuperou sua verdadeira identidade, e que pode, daí em diante, rever seus filhos e parentes.

O traço da ligação entre o Cabra marcado do presente e o Cabra marcado do passado, é que, tanto em Galiléia quanto na comunidade de Marta/Elizabeth, Coutinho fez a primeira aproximação com os grupos, mostrando-lhes as cenas gravadas em 1964. Evidentemente que a manifestação imediata foi afetiva, do tipo “ah, de como éramos nós”. Mas é assim que se abrem as portas para as memórias de cada um, no momento das entrevistas individuais.

Elizabeth Teixeira rememorou, passo a passo, seu casamento, o trabalho e as lutas de João Pedro, o papel dele na Associação, a expectativa de que corria risco de morte a todo momento, e, por fim, a descrição do dia de seu assassinato. Rememora também sua própria ação política que irá permanecer ativa, da morte do marido até alguns meses após o Golpe.

Tanto os relatos de Elizabeth Teixeira quanto as entrevistas dos camponeses, em várias ocasiões, têm como substrato imagético as imagens colhidas em 1964. E, como é preciso, vez ou outra, dar um empurrãozinho, e corrigir as lembranças com dados objetivos, o roteiro inclui alguns textos de jornais. Ou é, então, o próprio Coutinho que os questiona para redirecionar as lembranças, as falas, em função do projeto que não é espontâneo, mas tem, sim, uma direção narrativa. Que bonita intervenção, a dele, ao pedir que Elizabeth “cante um coco”, e o que se mostra, na verdade, é a cena do filme original.

Aqui cabe uma breve consideração sobre o papel da memória, enquanto categoria de investigação, entre historiadores. Sem se alongar sobre esta questão complexa, vale lembrar, para além do desdobramento entre memória individual x memória coletiva, memória dos vencidos x memória dos vencedores, a questão central do caráter fragmentário da memória, que é sempre parcial, seletiva e subjetiva. Daí a necessidade dos investigadores de buscarem em outras fontes, sobretudo as documentais escritas, o apoio para dar conta, de forma objetiva, de um dado processo histórico.

Em Cabra marcado, a questão da fragmentação fica explícita e reforçada, não só pela própria natureza dos documentários, que trabalham com a seleção das memórias entrelaçadas de vários interlocutores, e em patamares diferentes (vide o exemplo contundente de João Mariano que renegou as verdades abraçadas pelo grupo, no passado, e o contraponto de sua adesão aos novos “vencedores”, dominantes no Brasil desde então, os evangélicos). Mas também porque Coutinho, além de trabalhar com dois filmes naturalmente diferentes, também trabalhava com um material fragmentado do primeiro filme. Ou seja, é uma fragmentação dentro de outra.

E para que a verdade (mesmo que não completa, e nunca será, historiadores confiáveis sabem disso) encontre seu caminho, como produto final, é preciso conhecimento sobre essas questões todas, que são familiares aos profissionais da História. Eduardo Coutinho transitou bem nesse emaranhado de situações, e é certamente por isso que Cabra marcado para Morrer fez história, desde seu lançamento em 1984.

Para ilustrar essas questões acima, convém registrar duas passagens magníficas do documentário. A fala de João José, filho de Zé Daniel, que relembra a invasão do Engenho Galiléia por policiais e militares, desbaratando o grupo, apreendendo os materiais; e a de João Virgínio, que esteve preso por seis anos.

Em relação a João José, o discurso expressivo enfoca o tema “comunistas e cubanos” que, desde os anos 1950, vem assombrando a nação brasileira, sempre que o assunto em pauta é injustiça social, desigualdades, reforma agrária. Rendeu um dos momentos mais hilários do documentário, devido à forma do discurso, e à sabedoria de Eduardo Coutinho reverberando-o, com a inserção de matérias de jornal.

 João José guardara dois livros da equipe, nesses anos todos, e mostra que os lia. Em 1964, quando os militares vieram, queriam levá-los, e esse foi o diálogo: “JJ: Não, esses livro é meu!

M: Não! Esses livro é dos cubano.

JJ: Não senhor, aqui não tem cubano, não tem comunista!

M: Vai mostrá onde tava as arma aqui, onde tava os cubano? Aqueles cubano queria fazer a revolução aqui!

JJ: Não senhor, nada de revolução, nada de Cuba eles falava aqui!

M: Mas como é a fala deles, como é o bom dia que eles dá?

JJ: Bom dia, normal que nem a gente.

M: Mas eles num fala com um sotaquezinho puxado?

JJ: Claro, o carioca fala diferente mesmo.

M: E agora vai mostrá onde tá as arma?

JJ: Ah, essas quem tem são os fazendeiro!

M: Mas eu quero ver aquelas vinte mil que Julião disse que tinha, pra vocês fazê a revolução! E os comunista tava fazendo filme aqui, pra fazê a revolução aqui!

JJ: Coronel, aqui não tem comunista, nem cubano. Tem um povo morrendo de fome, doente, sofredor, como eu mesmo, precisando de remédio, de comer, liberdade e terra pra trabalhar.”

Algumas fotos nos jornais locais mostram a simplicidade dos equipamentos de filmagem apreendidos. No entanto, o Diário de Pernambuco, que apoiava o Golpe, registrava: “Foi talvez em Galiléia que o Exército apreendeu materiais mais valiosos do maior foco de subversão comunista no interior de Pernambuco, abandonado pelos líderes vermelhos ao lado de mulheres e crianças. Num casebre característico de camponês, foi encontrado farto material que acionava o dispositivo de subversão ali montado pelos esquerdistas internacionais sob proteção do governo estadual, recentemente deposto (refere-se ao governador Miguel Arraes). Neste casebre, estava instalado um poderoso gerador destinado a fazer funcionar custosa máquina de projeção cinematográfica. O filme, entre os inúmeros encontrados, que estava sendo levado na semana do Golpe era Marcados para morrer. A película ensinava como os camponeses deviam agir de sangue frio, sem remorso ou sentimento de culpa, quando fosse preciso dizimar pelo fuzilamento, decapitação ou outras formas de eliminação, os “reacionários” presos em campanha, ou levados à Galiléia, ao interior do Estado. Enquanto isso, um sociólogo pernambucano, que pediu para omitir seu nome, iniciou a elaboração de um plano a ser aplicado ao referido Engenho, a fim de ajudar na mais rápida possível recuperação moral e social da sub-raça a que os comunistas quiseram reduzir os camponeses de Galiléia.”

A contundência na avaliação e a clareza na descrição marcam a fala de João Virgínio sobre seu período na prisão: “Eu produzi nesse sítio meio caminhão de mercadoria por semana. O Exército me tirou, me meteu na cadeia, me cegou um olho, deu uma pancada e perdi um ouvido, outra pancada e perdi o coração. Passei seis anos na grade da cadeia. O que foi que eu construí na grade da cadeia pra nação? Tomaram um relógio, um cinturão, 50 contos em dinheiro, um jipe. Isso é tipo de uma revolução? Pegar de um homem lascado que nem eu? Ficô meus filho aí, tudo morrendo. Que vantagem, o Exército fazê uma desgraça dessa comigo? Era melhor me mandar fuzilar. Eu fiquei mais revoltado do que era.

Meus filhos morrendo, e eu lascado na cadeia. Passei vinte e quatro horas num tanque de merda, aquele caldo, eu passava uma hora assim (apoiado numa parede pra não sentar), outra assim (mudava de parede). Passei vinte e quatro horas em pé. Só o diabo aguenta. Eu não acredito que tô vivo, porque nunca vi um espírito da minha qualidade aguentá (risos). Mas não tem melhor que um dia atrás do outro e uma noite no meio, e a ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo é quem vai proteger a gente. As graça de Deus tá caindo aí, de hora em hora, confio em Deus porque esta infelicidade um dia o povo tem de pensar quem são eles. Não é possível a gente viver a vida todinha debaixo desse pé de boi.”

Entre os dois Cabras marcados, foram dezessete anos. Observando a vida em transformação desses atores/camponeses que a proposta fílmica de Eduardo Coutinho viabilizou, pergunta-se: a arte consegue, ou não, entre tantas outras atribuições, ser um veículo de conscientização?

O fato é que Cabra marcado para morrer foi tão forte, até como denominação, que acabou por se tornar uma categoria classificatória para todos que enfrentam situações limítrofes em disputas, durante suas vidas. Plínio de Arruda Sampaio, advogado e político brasileiro, ao fazer memória de João Goulart, o Jango, entre os dias 13 de março, dia do Comício da Central do Brasil, e 31 de março, o do Golpe de 64, assim o classificou. Tinha tudo para ser um cabra marcado.

*Solange Peirão, historiadora, é diretora da Solar Pesquisas de História.

Referência


Cabra marcado para morrer
Brasil 1964-1984, Documentário, 119 minutos.
Direção e roteiro: Eduardo Coutinho.
Elenco: Eduardo Coutinho, Ferreira Gullar (narrador), Tite de Lemos (narrador).

Bibliografia


Alcides Freire Ramos, “A historicidade de Cabra marcado para morrer (1964-1984, Eduardo Coutinho)”, Nuevo Mundo Mundo Nuevos, Débats, 2006.

Nota


[1] RODRIGUES, Marly; SUNDFELD, Roberta; PEIRÃO, Solange. TUCA 20 anos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado – IMESP, 1986, p.38.


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