Por ARI MARCELO SOLON*
A dialética do fundador do existencialismo fenomenológico
1.
A tese de Joseph Weiss submetida a Gershom Scholem, em novembro de 1950, “A teoria dialética e a fé de Rabi Nahman de Breslov”, tinha quatro capítulos. O quarto capítulo sugeria que o neto do fundador do hassidismo, Rabi Nahman de Breslav, tinha uma visão revolucionária não pela mística, não pela razão, o homem se submete a um Deus presente no mundo.
Numa visão acósmica do Maguid de Mezeritch, discípulo do fundador, e do alter rebbe, mas com uma fé paradoxal e atormentada, Deus é absolutamente transcendente, não está ao alcance de nós. O homem nunca tem certeza de sua fé.
Esse paradoxo dialético inaugura uma visão absolutamente antropológica e pessimista do ser humano.
Antecipa a ontologia existencialista de Soren Kierkegaard e Martin Heidegger. Antecipa o contraponto fé e mística, de Emil Brunner e de Karl Barth.
Apenas citado neste capítulo IV, está o orientando de Heidegger, Jonas, e seu livro A gnose tardia. Seu orientador, Gershom Scholem, rejeitou a tese, especialmente o capítulo IV. Gershom Scholem era a favor de uma análise de um método filológico-histórico a la Hegel, jamais um método fenomenológico existencialista a la Heidegger.
Suspeitava que nesse capítulo seu orientando atestava uma enfermidade mental. Rejeitou a tese, e Joseph Weiss foi obrigado a se mudar para Londres. Em 1969, comete suicídio.
2.
Assim eu via a obra antes de ler o excelente livro Tikkun ha-Paradox, da excelente editora radical Blima Books. Jonatan Meir também coloca o contexto apropriado.
Gershom Scholem jamais abandonou seu orientando, apoiou-o em Londres com bolsas, e, depois do suicídio, fez uma conferência em sua memória.
A tese não seria tanto como eu achava, de inspiração cristã-filosófica, mas o próprio professor de Weiss, o autor do perfeito Filosofia do judaísmo, que temos traduzido no Brasil pela Perspectiva.
Já tinha essa visão filosófica do judaísmo. Não existe esse contraponto no qual acreditava, história hermenêutica a la Hegel e fenomenologia existencial a la Heidegger. Tudo era menos dramático.
Eis o contexto do precioso livro de Jonatan Meir.
Joseph G. Weiss (1918–1969) chegou a Jerusalém vindo de Budapeste em dezembro de 1939 e matriculou-se na Universidade Hebraica, onde estudou história judaica, filosofia judaica, Cabala e filosofia geral. Assistiu a palestras de Julius Guttmann, Shmuel Hugo Bergmann, Yitzhak Baer, Gershom Scholem e outros. Joseph Weiss inicialmente pretendia estudar a poesia medieval dos judeus da Espanha, e até escreveu vários artigos sobre literatura hebraica, mas rapidamente se aproximou de Gershom Scholem e do estudo da Cabala.
Ele adotou uma atitude bastante crítica em relação aos desenvolvimentos na Palestina e parece ter-se abstido de envolvimento político nesta altura, apesar do fervor sionista no espírito de Martin Buber que o trouxe à Palestina em primeiro lugar. Ele recebeu seu mestrado pela Faculdade de Humanidades em 1947 e escreveu uma dissertação de doutorado sob a supervisão de Gershom Scholem, primeiro sobre R. Nahman de Bratslav e posteriormente sobre o Baal Shem Tov.
A complicada história da dissertação sobre a fé dialética nos ensinamentos de R. Nahman que ele apresentou em 1950 está há muito tempo envolta em mistério, circunstâncias que deram origem a afirmações como fiz acima. Com isso, um relato completo da dissertação, apresentado em todo o seu contexto, é trazido aqui pela primeira vez.
Longe dos escândalos que havia lido em Jacob Taubes e me inspirado no artigo “O Judaísmo em Hannah Arendt”, do meu livro Direito e tradição. De qualquer forma, mesmo se o contexto da tese eu tenha lido errado, a sua leitura não deixa de ser surpreendente, deixa-nos estupefatos, pois diante dela não consigo ver graça em nenhuma tese acadêmica.
*Ari Marcelo Solon é professor na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prisma). [https://amzn.to/3Plq3jT]
Referências
MEIR, Jonatan. Tikkun ha-Paradox: Joseph G. Weiss, Gershom Scholem, and the Lost Dissertation on R. Nahman of Bratslav. Jewish Thought, v. 4, p. 151-206, 2022.
SOLON, Ari Marcelo. Direito e tradição. São Paulo: Elsevier, 2009.
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