Por Ricardo Gebrim*
O caráter neofascista de Bolsonaro e seu movimento político se explicita na mesma dimensão em que a atual crise sanitária e econômica se agrava.
Seus blefes aumentam, na mesma proporção que os desmentidos militares
As redes sociais têm multiplicado vídeos de uma jovem jornalista – que na realidade infiltrou-se no movimento para fazer sua matéria -, Jessica Almeida, convocando a formação do que chama de “Grupo dos 300”, cuja denominação se inspira nos “300 de Esparta”. Nas propagandas veiculadas, o ponto forte é a promessa de extermínio da esquerda.
Nas entrevistas que deu sobre o acampamento em Brasília para intimidar o STF, são revelados momentos de treinamento paramilitar e o estudo de temas como a “estratégia e inteligência”. Também são proibidos vídeos e fotos, exigem roupas adequadas para um treinamento físico de combate e recolhem celulares”,
A palavra “fascista” deriva do fascio littorio – antigo símbolo da República e do Império Romano representado por um feixe de varas amarradas em torno de um machado cujas extremidades são visíveis.
Em 1919, Mussolini lançou os “Fasci Italiani di Combattimento”, grupos paramilitares que atacavam militantes de esquerda. Intimidavam sindicalistas, grevistas e militantes socialistas e comunistas usando de todos os meios: espancamentos e assassinatos. Foram a coluna vertebral do avanço fascista.
Inevitável perceber a semelhança.
Ao olhar detidamente para o neofascismo, já foi apontado que sua articulação nas redes sociais, como instrumento de constantes mobilizações, cumpre o papel de partido político: formando, organizando e apontando lutas para seus adeptos.
Agora, seu movimento ganha novo formato, incorporando grupos com discurso e atitudes paramilitares que se apresentam publicamente, recrutam adeptos e se exercitam em locais públicos.
O caráter neofascista de Bolsonaro e seu movimento político se explicita na mesma dimensão em que a atual crise sanitária e econômica se agrava.
Seus blefes aumentam, na mesma proporção que os desmentidos militares. Um jogo de idas e vindas, gerando uma tensão permanente, aprofundando a instabilidade no momento em que a nação mais precisa se concentrar no enfrentamento à pandemia, ante uma catástrofe que já se vislumbra.
Enquanto a Marinha e a Aeronáutica ficam em silêncio, a imprensa publica diariamente declarações em off de generais do Exército, que alertam que não embarcarão em aventuras, enquanto seguem e reforçam sua presença no aparato administrativo do governo.
Nesse jogo desconcertante de ataques e aparentes recuos, Bolsonaro está avançando em seu projeto e segue na ofensiva.
Seu discurso antidemocrático, sua simbologia antinacional de aparecer circundado pelas bandeiras dos EUA e de Israel, vão se naturalizando, jogando a oposição, que é cada vez mais ampla, a uma reação insuficiente, limitada a emitir notas e declarações políticas.
Seu projeto, enquanto força neofascista é claro e vai se explicitando a cada momento, instaurar um novo regime político, suprimindo os espaços democráticos da Constituição de 1988.
Nesse contexto, ainda que se isole perante o STF e o Congresso Nacional, segue intimidando, usando como principal alavanca sua base mobilizada, cada vez mais assumindo os objetivos típicos do fascismo.
Unidas em torno do programa ultra neoliberal, que nesse momento gera uma profunda incerteza sobre sua consecução, as representações liberais burguesas, ainda que adeptas de mecanismos autoritários, querem preservar seus espaços democráticos e se opõem, de forma vacilante, à proposta política de controle de poder pelo neofascismo.
Porém, as frações burguesas, fundamentais para assegurar um bloco no poder necessário a qualquer intenção bonapartista, embora divididas na questão do isolamento social, não sinalizaram, por ora, qualquer desgarramento do programa econômico que lhes conferiu coesão desde o golpe de 2016, dependendo cada vez mais de recursos públicos e, consequentemente, do controle da máquina administrativa.
Momentos de crise profunda favorecem a concentração do poder, valorizando medidas repressivas, que privilegiem setores econômicos em detrimento das necessidades da maioria do povo.
Por sua vez, as forças de esquerda, restritas à propaganda por redes sociais ante a necessária coerência com o isolamento social, realizam ações pontuais que padecem da capacidade de representar a força social das classes trabalhadoras.
Com tantas condições favoráveis, as iniciativas de Bolsonaro pautam o cenário político, enquanto sua capacidade de manter mobilizações em meio ao isolamento social, com um verdadeiro e irresponsável monopólio das ruas, exerce um efeito dissuasório para as tentativas de impeachment, bem como a modalidade de condenação por crime comum pelo STF.
E, o que é mais grave, quanto mais for atacada, mais intensa será a reação do neofascismo, que uma vez instalada e organizada como força social, mais agressiva se tornará.
Ainda que as circunstâncias sejam desfavoráveis para uma luta com força social e o enfrentamento se dê entre representações políticas interburguesas, é fundamental construir uma unidade pontual ampla em torno da consigna Fora Bolsonaro!
Mas isso, a luta contra o inimigo comum, não pode ser confundido com uma Frente Ampla. Uma frente política é dotada de um programa e busca construir uma estratégia comum.
As forças de esquerda precisam se conformar em torno de um programa democrático popular, necessário para retomar a representação das classes trabalhadoras e seus principais aliados. Sem ele, não se poderá voltar a vocalizar os interesses populares, permanecendo fora do cenário político, ainda que as tensões sociais e o desespero empurrem para a luta.
*Ricardo Gebrim é advogado e membro da Direção Nacional da Consulta Popular.