Donald Trump em uma experiência de quase-morte

Imagem: Cottombro
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Por PAULO MARTINS*

Uma experiência quase mortal é assustadora. Muda vidas. As bibliotecas estão cheias de histórias de pessoas que milagrosamente sobreviveram a encontros quase fatais

Kirk Freudenburg fez sua graduação em Universidade Valparaiso e seu mestrado em Classics na Universidade de Washington, em St. Louis. Ele obteve seu título de doutor na Universidade de Wisconsin, onde escreveu sua tese doutoral sob a orientação de Denis Feeney.

Antes de chegar a Yale, ele lecionou na Universidade de Kent, na Universidade de Ohio, na qual exerceu a função de Associate Dean of the Humanities, e na Universidade de Illinois, onde foi chefe do Departamento de Classics. Sua pesquisa tem se concentrado na vida social das letras romanas, especialmente nas codificações culturais únicas que estruturam e informam as ideias romanas sobre poesia, e a implantação prática dessas ideias em formas poéticas específicas, especialmente na sátira.

Suas principais publicações incluem: The Walking Muse: Horace on the Theory of Satire (Princeton, 1993), Satires of Rome: Threatening Poses from Lucilius to Juvenal (Cambridge, 2001), The Cambridge Companion to Roman Satire (Cambridge, 2005), Oxford Readings in Classical Studies: Horace’s Satires and Epistles (Oxford University Press, 2009), The Cambridge Companion to the Age of Nero (Cambridge, 2017), co-editado com Shadi Bartsch e Cedric Littlewood, The second book of Horace’s Sermones (Cambridge, 2021) e Virgil’s Cinematic Art: Vision as Narrative in the Aeneid (Oxford University Press, 2022).

Além dessas atividades acadêmicas, o professor Kirk Freudenburg não descura do cotidiano e costuma fazer intervenções públicas, apresentando em sites e jornais artigos cuja principal característica é o sarcasmo, ironia cáustica, cortante. A defesa da democracia, onde quer que seja, é pedra de toque em seu texto. O artigo a seguir, publicado no dia 15 de julho no site Common Dreams e traduzido por mim, traz uma avaliação mordaz acerca do malfadado atentado a Donald Trump.

Ao pé do ouvido: prevendo a resposta de Donald Trump a uma experiência quase mortal

Eu escrevo apressado. Num comício político na tarde de sábado, Donald Trump foi baleado na orelha por um assassino em potencial. Até o momento, tudo o que sei é que, a não ser por um buraco na orelha, Donald Trump está bem e seu agressor está morto. Também sei que o comício ocorreu na Pensilvânia e que o atirador tinha 20 anos. Isso é tudo o que sei sobre o incidente, porque é tudo o que escolhi saber.

Deixe-me explicar. No sábado à noite, depois de ver as manchetes, fui para a cama determinado a não saber mais nada, achando que tudo isso era simplesmente muito deprimente, marcando mais um novo ponto baixo para o estado de coisas da nossa democracia. Ouvir especialistas, enquanto eles comentavam sobre o assunto, teria me deixado à beira de um abismo e em desespero ainda maior. Pensei que minha vida era muito curta para dedicar mais tempo a um tolo que agora se faz de mártir.

Na manhã de domingo, como sempre, fui correr, ainda sabendo apenas o “quase nada” de que falei. E enquanto corria, ocorreu-me que não apenas minha quase total ignorância era emocionalmente salutar, como também me dava certa vantagem sobre a maioria dos americanos. Isso me permitia antecipar como Donald Trump reagiria ao incidente. Eu poderia especular sobre essa reação sem qualquer conhecimento prévio, seja vindo dele mesmo ou pontificado por qualquer outra pessoa.

A lacuna no meu conhecimento significava que eu poderia tentar prever a resposta de Donald Trump, dado o que penso sobre ele, para ver se realmente o conheço. O que ele fará com isso? Pensei ensimesmado. Mais importante: como ele usará isso para tirar vantagem? – É claro, é óbvio! – Para o bem do nosso mundo? – Ri comigo mesmo.

Uma experiência quase mortal é assustadora. Muda vidas. As bibliotecas estão cheias de histórias de pessoas que milagrosamente sobreviveram a encontros quase fatais: acidentes de avião, overdoses, guerras, a lista é interminável.

Nessas histórias que os sobreviventes contam, tais encontros os abalam profundamente, ensinando-lhes coisas sobre o mundo e sobre si mesmos. Como se fossem renascidos e tivessem uma segunda chance, eles refletem sobre seus valores, tornam-se mais compreensivos e bondosos. São Paulo foi derrubado por uma luz celeste a caminho de Damasco, ficou cego e uma experiência que abalou seu interior e o transformou de alguém que matava cristãos em alguém que os amava e abraçava sua causa.

É por isso que até hoje (segunda-feira), escolhi permanecer ignorante sobre a reação de Donald Trump. Persisti em não ler as manchetes (embora tenha ouvido há alguns minutos que o atirador era um republicano filiado). Quero ver o que sei sobre o homem. Seu quase encontro com a morte é o material do qual novas vidas são feitas e novos valores são adquiridos, e ainda assim não consigo de maneira alguma acreditar que ele usará a experiência da reflexão sobre si mesmo ou a transformação numa pessoa mais gentil e compreensiva.

Ainda tomando conhecimento do assunto, aqui está minha previsão. O que ele fará com isso? Posso prever com alto nível de confiança que ele irá explorar isso ao máximo como uma oportunidade política excepcional, ao invés de ser o momento de reconsideração sobre algo que já tenha pensado. Se ele refletir internamente, não irá ver nada além do egoísta, de um ser infantilizado que sempre esteve lá. Como resultado, ele não recorrerá à sua Bíblia, mas aos seus gibis. Ele exigirá ser venerado como um super-herói, um homem de aço que desvia balas que lhe foram miradas na sua orelha.

Lembre-se, este é um homem-criança que, como presidente dos Estados Unidos, queria sair em uma sacada do Hospital Walter Reed vestindo uma camiseta do Superman. Ele teve que ser convencido do contrário. Das dezenas de milhões de americanos infectados pela covid-19, conheço apenas um acima de sete anos de idade que quis se fazer de super-herói por causa disso.

Donald Trump fará muitas coisas terríveis com esta oportunidade, reforçando suas certezas de ódio e mentiras. Mas o pior disso tudo será o seguinte: bajulando sua base evangélica, Donald Trump afirmará que os demônios Democratas queriam que ele morresse, porém que Jesus o manteve vivo como sua única esperança e salvador.

Quebrando o primeiro mandamento, seus adoradores irão elogiá-lo por isso, e ao mesmo tempo em que ele se banha na sua glória, seus conselheiros irão entrar em ação para ajudá-lo a ajustar sua Bíblia, A Versão Revisada de Donald Trump, para que ele não a segure de maneira constrangedora. Assim previ.

*Paulo Martins é professor de Letras Clássicas e diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Autor, entre outros livros, de A representação e seus limites (Edusp).

Publicado originalmente no Jornal da USP.


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