Duas, três ou mais fraturas na sociedade francesa atual?

Imagem: Tobias Reinert
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Por FREDERICO LYRA*

A principal aposta eleitoral do campo presidencial liderado pelo presidente Emmanuel Macron era que as esquerdas se apresentassem fraturadas na disputa por espaço no parlamento

Após um primeiro artigo publicado no site A Terra é Redonda que pode ser tratado como pressuposto, prosseguiremos neste texto dissecando brevemente alguns personagens desta última eleição parlamentar e da sociedade francesa contemporânea mais geral.

Nouveau Front Populaire

Como foi dito anteriormente, a principal aposta eleitoral do campo presidencial liderado pelo presidente Emmanuel Macron era que as esquerdas se apresentassem fraturadas na disputa por espaço no parlamento. Isso garantiria que o seu grupo político não sairia tão enfraquecido e que as causas pré-determinadas que conduziriam necessariamente à eleição do RN fossem todas jogadas na conta da esquerda – ou pelo menos divididas com o presidente. Deu-se o exato oposto. Aquilo que dias antes parecia impossível rapidamente se constituiu e no 10 de junho foi fundado o Nouveau Front Populaire [Novo Fronte Popular ou NFP].

Uma nova esperança eleitoral aparecia no horizonte do país, pois era urgente conter, pela esquerda, a ascensão da extrema-direita. Enquanto todos os eleitores acompanhavam passivamente os conchavos através dos veículos de mídia e das redes sociais, após uma série de negociações rápidas, os partidos de esquerda chegaram a uma aliança que se materializou em um programa político genérico, porém bastante completo, algo que ninguém esperava ser possível, eles inclusive.

Essa aliança era salutar, urgente e necessária, muito embora até mesmo os seus militantes percebiam aquela junção como um casamento forçado e de virtual curta duração. No fundo pouco importava a duração e a consistência daquele agrupamento, era o que deveria ser feito e isso bastava. Era esse arranjo com o qual Macron e o RN não contavam e, como a sequência revelou, a presença deste novo Front tornava a eleição menos previsível. O NFPera a junção de quatro partidos políticos: LFI, PS, EEVL e PCF.

O programa apresentado girava em torno da ideia de reconstrução do Estado social porém se concentrando na defesa do poder de compra e dos salários dos trabalhadores, com destaque para a proposta de aumento efetivo do salário mínimo. O estado social deveria se fazer novamente presente por todo o país, sem esquecer dos “quartiers populaires” e dos territórios de ultramar. O NFP tomava posição contra a descriminação das mulheres, racismo, contra o antissemitismo e contra a islamofobia, em defesa do clima e dos seres vivos e em defesa da República contra a ameaça neofascista que pairava no ar.

Na sociedade, havia desconfiança, de certa forma fundamentada, com a posição que o líder da LFI, Jean-Luc Mélénchon, ocuparia no Front. Imaginava-se que, se tratando de uma figura personalista, que divide radicalmente opiniões em todos os campos políticos, algumas posições do NFP poderiam ser comprometidas ou distorcidas pelas mídias e adversários a depender do conteúdo e da forma de suas constantes intervenções públicas. Por muito pouco isso não ocorreu.

A ambivalência de tal liderança se fez presente por toda a campanha. Qualquer deslize não era perdoa, embora sem ele e o seu carisma à l’ancienne dificilmente o NFP teria chegado onde chegou. Isto é, por um lado ficou um sabor amargo de que a aliança poderia ter ido mais longe, por outro, , contra todos os prognóstico, ela conseguiu chegar em primeiro lugar. O fato de Macron ter invertido o resultado da eleição não diminui tal feito.

Não detalharemos o programa do NFP escrito em poucos dias e apresentado como um documento de vinte e seis páginas com 150 medidas de diferentes naturezas (entre elas a supressão da lei de imigração aprovada em janeiro de 2024). Vale porém destacar que ele nomeava as ações à serem tomadas nos quinze primeiros dias de governos de “ruptura” que seriam implementadas com o ato de “decretar o estado de urgência social”.[i]

Para uma análise do que realmente significa um Estado de urgência social ver o já clássico “Alarme de incêndio no gueto francês”[ii] de Paulo Arantes, no qual fica claro que pode-se compreender “estado de urgência” de várias maneiras: primeiramente como mais poder de estado. O que implica mais repressão, pois estado social rima desde sempre, e parece rimar cada vez mais com estado policial.

Afinal proteção social significa mais programas sociais e, por assim dizer, mais proteção da sociedade contra ela mesma. Uma amostra disso pode ser vista na crescente presença de policiais os mais diversos no quotidiano de todas as cidades francesas – algo intensificado com os jogos olímpicos, mas que já vem vindo de antes. Em seguida a supressão temporária (ou permanente?) de certas leis (ou da própria constituição) por necessidade políticas excepcionais e, finalmente, pode vir a ser um outro nome para uma situação revolucionária. Resta saber qual desses três sentidos gerais o Nouveau Front Populaire tinha em mente quando falava desejar uma ruptura através do dispositivo de decreto de urgência social para os primeiros quinze dias de um hipotético governo.

Sendo derrotado na indicação do primeiro-ministro resta ao NFP tentar sobreviver pois no fundo se trata de uma aliança de conveniência que mostrou certa força eleitoral, muito embora sem muita coesão interna e sendo politicamente fraca, restando pouco a fazer de positivo no parlamento que não seja reagir ao governo.

Por outro lado, um ponto positivo que pode ser extraído da constituição desta aliança temporária foram os vários coletivos que emergiram e se organizaram por todo o país durante o processo eleitoral com o intuito fazer campanha nos seus bairros, muitas vezes deslocados dos aparelhos partidários. Há sinais de que esta mobilização continuará para além das eleições, talvez algo possa sair destes novos encontros muitas vezes inesperados.

Banlieues

“Não tenho medo e não aguento mais”, é tipo um enunciado comum de ser escutado nos “quartiers populaires”, como são chamados os bairros populares à margens das grandes cidades, as banlieues. São nestes locais que se encontram alojados boa parte dos imigrantes das antigas colônias ou dos departamentos de ultramar franceses. De maneira geral, os habitantes das banlieues se engajam menos nas eleições, embora haja sinais de participação crescente da juventude.

Nestas regiões, sobretudo nos “quartiers populaires” parisienses, o LFI tem conseguido aumentar o seu número de votos de maneira considerável. Um dos núcleos de eleitores do partido de Jean-Luc Mélénchon são as camadas populares das metrópoles. O seu discurso tem se mostrado apto a captar os votos dos que são mais atingidos pela pobreza, precarização e violência estatal ou não. Nestas regiões, ninguém no fundo estava surpreso com a possibilidade real de vitória do candidato do Rassemblement National [RN].

A sensação é que a hora daquele destino que há muito é pressentido havia finalmente chegado. Era questão de tempo e o presidente apenas adiantara o relógio. Embora vários tenham se engajado com vigor na barragem eleitoral da extrema-direita, ninguém de fato acredita que isso seja suficiente para frear o avanço da repressão e da xenofobia na sociedade francesa.

Muito poderia e deve ser dito sobre a vida e situação das banlieues. Insistiremos em apenas mais um ponto. O discurso e prática do ódio já é parte da realidade quotidiana destas populações, o temor maior destes habitantes é por uma intensificação daquilo que já está de certa forma dado. Violência policial já existe, mas ela sempre pode aumentar. O que aparece no horizonte é uma intensificação e aprimoramento das políticas atuais de gestão de populações marginalizadas, que tendem a aumentar com o aprofundamento da crise política, social e econômica na qual o país está mergulhado sem perspectivas de saída qualquer que seja que não o agravamento da situação.

Vale ter sempre em mente que a antiga vontade explicitada pela extrema-direita de expulsar todos os imigrantes do país aparece como praticamente inviável de ser praticada à luz da estrutura contemporânea do capitalismo francês. O país é totalmente dependente do trabalho precário e muitas vezes ilegal dos imigrantes. Em boa medida, parte da solução poderá ser de outra natureza. Por fim, vale notar que durante o período eleitoral e com a vitória do RN no horizonte, um dos maiores medos que imperava entre a polícia e os prefeitos era de uma explosão de motins radicais por todo o país imediatamente após a vitória que não houve.

Duas ou três fraturas?

Todos parecem unânimes em considerar que o resultado do processo eleitoral demonstrava que a França se encontrava dividida em três blocos políticos mais ou menos equivalentes entre si: esquerda (NFP), centro (Ensemble) e extrema-direita (RN). Uma das poucas vozes dissonantes é a do geógrafo Christophe Guilluy, inventor do conceito de “França periférica”, título de um livro, e autor de vários livros de sucesso como “Fratura francesa”[iii].

Segundo Christophe Guilluy: “não há três blocos [políticos], mas dois, as metrópoles contra a França periférica”.[iv] Talvez possamos introduzir certa nuance e dizer que, se no nível institucional parece existir de fato três blocos disputando de maneira assimétrica o poder, há uma divisão territorial, cultural e social representada (mas não reduzida) pela oposição crescente entre as metrópoles e periferias francesas.

Vale lembrar que, na conceitualização de Christophe Guilluy, periferia possui uma acepção diferente da brasileira. O conceito não indica as comunidades periurbanas, como as favelas espalhadas pelo Brasil. Como vimos, as equivalentes estruturais destas recebem na França o nome de banlieues. As periferias francesas seriam as pequenas cidades, os vilarejos e as áreas rurais nas quais habitam os pequenos proprietários e onde se encontram, segundo ele, os verdadeiros perdedores da globalização. Esta clivagem estabelece, diz ele, a separação política fundamental da França contemporânea.

Isso implica dizer que as banlieues – e aqui que mora toda a dificuldade epistemológica da ideia do geógrafo –, as áreas mais violentas e segregadas do país e onde se concentra a maioria da mão de obra imigrante e os maiores focos de pobreza, se situaria no lado vencedor – embora em absoluto negativo – desta nova equação social francesa. Isto é, segundo Christophe Guilluy, as banlieus são muito mais integradas que as périphéries. Concordemos ou não com esta ideia, o fato é que é nestas localidades não falta Estado, pelo contrário, ele está presente em excesso.

Por um lado, o Estado excessivamente presente tem muitas implicações ruins e, nessas condições talvez – mas só talvez? – fosse melhor não ter assim tanto Estado, por outro lado, a desestruturação efetiva destas localidades torna difíceis de considerá-las como pertencente ao lado ganhador do processo de colapso social. Apesar desta dificuldade, a equação montada por Christophe Guilluy, mostra que o governo direto dos territórios análogos às banlieues francesas ao redor do mundo são mais importantes para o curso do capitalismo global que os território análogos às périphéries francesas.

De antemão, parece uma constatação um pouco evidente, dada a centralidade que ganha o espaço metropolitano, no entanto não é assim que a esquerda francesa vivencia pois para ela a fratura racial tem aparecido como mais fundamental. Algo que é verificável no Brasil, onde a fratura racial tende a coincidir com a territorial, mas que tem dificuldade de ser sustentada na França, pois lá a maioria dos periféricos, sempre na concepção do geógrafo, é branca, como o é, apesar de tudo, a maioria da população do país.

Longe de mim relativizar o racismo da sociedade francesa, o problema é pensá-lo principalmente através de teorias elaboradas para pensar a situação norte-americana. Isto é, ideias elaboradas em um país no qual o passado escravista é interno à sua constituição, enquanto a colônia era a contrapartida necessária ao capitalismo francês, mas que se estruturava no exterior do seu território. As banileues são o resultado de um processo histórico que introduziu no interior do país uma fratura que antes era principalmente externa.

Se é verdade que Christophe Guilluy não leva isso em conta, a partir da teorização dele é possível dar uma aparência concreta a uma complexa configuração sociopolítica própria. O Estado, em contrapartida, tem desaparecido rapidamente ou se reconfigurado de maneira acentuadamente fragmentária nos territórios chamados por ele de periféricos. De fato, a tese sustentada há mais de vinte anos pelo geógrafo foi reforçada depois do pleito, pois a principal divisão dos votos na eleição legislativa foi territorial. O resultado do primeiro turno mostrou isso de maneira explícita.[v].

É difícil negar que esta fratura seja um fator determinante na configuração política da França contemporânea. Vale frisar há uma divisão dos votos institucional fundamental e que se manifesta territorialmente que dá um certo poder aos grotões e regiões periféricas de intervir de maneira mais firme na política nacional. É uma divisão qualitativa, e de certo modo democrática, que partilha os representantes de maneira tal que as metrópoles, embora concentrem todo o poder econômico e encarnem o modo de vida contemporâneo, correm o risco de terem proporcionalmente menos representação. O risco de perder o controle do país é grande. O que contrabalança ainda é a densidade demográfica das metrópoles e dos seus entornos. O RN ganhou de lavada nas regiões periféricas, isto é, na maior parte da França. Este é o nó da questão.

Métropolia e ou versus Périphéria

A “maioria ordinária”, diz ele, está mais preocupada com os problemas de sobrevivência imediata que com a política institucional. O resultado eleitoral poderia ser interpretado como uma tentativa inconsciente de dar resposta ao processo de destruição da sociedade, hoje comandado pelo establishment progressista que, por sua vez, enxerga estas classes médias populares como arcaicas e como a encarnação de atraso econômico e sobretudo de atraso cultural do país.[vi]

Embora numericamente majoritária, a França periférica se encontra oprimida diante do modelo colocado em marcha acelerada pelo que ele identifica como sendo a elite, representada pela França metropolitana e globalizada que, embora minoritária, concentra as riquezas e o poder político, cultural e midiático. Ele não hesita em identificar nessa repartição uma dualidade estrutural entre dois mundos separados, que nomeia em tom jocoso de Métropolia e Périphéria. Para além da fratura territorial, fundamental, diz ele, esta dualidade materializa uma fratura entre duas formas de vida (é principalmente nesta dimensão que ficaria mais claro do porquê dos banlieues estarem paradoxalmente situados no lado vencedor do processo).

Por detrás do discurso multicultural das elites multiculturais, haveria uma recusa de reconhecimento e desprezo pela cultura do outro, daquilo que ele chama de “cultura popular” (uma cultura popular bastante diferente daquilo que se entende no Brasil com o mesmo termo que na França, de maneira geral, indica principalmente o que as camadas mais populares consomem, e menos o que elas produzem).A esquerda que em parte significativa aderiu ao curso globalizante do capitalismo contemporâneo e à ideologia que sustenta esse processo, no qual detinha até recentemente uma certa hegemonia cultural, está, diz ele, no centro deste modo de vida metropolitano.

Embora o processo de “periferização” francesa (tomando aqui emprestado o termo de Paulo Arantes que no ensaio A Fratura brasileira no mundo[vii] se refere não somente à França como ao próprio Christophe Guilluy), isto é, um movimento de desintegração social centrípeta do país, esteja em curso desde meados dos anos 1980, houve, com a crise de 2008, um agravamento e aceleração deste processo. Regidos sob a norma da austeridade cega e com argumentos de corte de gastos sociais e estruturais, elimina-se toda presença do Estado, transformando a vida quotidiana dos periféricos num sofrimento contínuo.

Praticamente todos os serviços administrativos se tornaram virtuais e anônimos, sem a possibilidade de auxílio humano para a ajuda na resolução de problemas imediatos, tornando os procedimentos incompreensíveis para o cidadão comum que tem de decifrar as normas e regras ditadas por burocratas absolutamente alheios às realidades locais. Entre outras coisas, a crise vem sendo utilizada como pretexto para uma série de reformas administrativas que centralizaram ainda mais os diversos serviços administrativos, retirando-os das pequenas cidades e concentrando-os nas maiores cidades.

Desde então várias cidades médias e pequenas quebraram economicamente, tiveram o pouco que tinham de vida cultural esfacelada e sofrem de uma precarização aguda, quando não destruição, do que restava das estruturas do antigo estado social. O fechamento arbitrário de hospitais, bancos, correios, escolas, comércios, maternidades são mais e mais comuns. Até mesmo a supressão de caixas automáticos tem se tornado um problema social. O que sobra de pé já anuncia um vir à ser paisagístico de ruínas da modernidade, acompanhadas de um sentimento de nostalgia de fim de mundo ilusória, embora com certa dose de concretude.

Afinal, se os trinta gloriosos eram uma miragem e estes já ficaram há muito tempo para trás, o fundamento ideológico de que estas populações viveriam em uma sociedade de abundância e de consumo ilimitado ainda rege corações e mentes, embora o bolso não dê mais conta para tanto – por sinal, um outro limite de Guilluy é acreditar que haveria como reconstruir um modelo próximo ao dessa época de ouro e, além disso, que esta teria sido a face real da sociedade francesa e não um parênteses breve do pós-guerra.

A reboque, ao longo dos anos, soma-se a tudo isso uma política de desmonte sistemático das linhas de trem locais, exigindo o uso crescente do carro e indo de par com o aumento dos combustíveis. Eis precisamente, a faísca que desencadeou o movimento dos Gilets Jaunes[viii] no final de 2018, bem antes do preço explodir após a guerra da Ucrânia. O problema do transporte, dentre vários outros, acentua a clivagem entre os dois polos estruturais da sociedade francesa, tornando praticamente impossível para os periféricos se adaptarem às normas e práticas denominadas pelo novo jargão como eco-responsáveis.

Algo que, do ponto de vista dos habitantes de Paris e demais regiões metropolitanas, é cada vez mais inaceitável e retrógrado. “Fim do mundo, fim do mês, mesmo combate”, gritavam os Gilets jaunes. Afinal, em uma sociedade em crise crônica e permanente, a duração do mês e o tempo do fim do mundo tendem, cada vez mais rapidamente, a coincidir em absoluto.

Movimento radical que eclodiu a partir da France periphérique em novembro de 2018, o Gilets Jaunes teve o seu ápice insurrecional poucas semanas depois, no início de dezembro, quando duas grandes manifestações pararam Paris ocupando inclusive a avenida Champs-Elysée e destruindo várias lojas e inclusive parte do Acro do Triunfo; o que deixou a burguesia e parte da elite econômica e intelectual que lá habitam, que obviamente não aderiram ao movimento, acuados e com medo. Por um breve momento, a ideia de Revolução pareceu voltar à tona.

Desde o início o governo se viu obrigado a tomar medidas excepcionais, quase sempre violentas, para conter a fúria popular que eclodia e que só seria definitivamente contida em março de 2020 com o anúncio do confinamento por ocasião da pandemia covid-19. Durante quase um ano e meio todo sábado em Paris e nas principais cidades do país havia manifestações e confronto com a polícia. Muito pode ser dito sobre os Gilets Jaunes, a começar pela suaintensidade e suas práticas e conteúdo políticos novos.

Um dos aspectos sem dúvida mais interessantes do movimento era a sua mudez e sua vontade explicita de não negociar sob hipótese nenhuma com o governo. Não havia pautas nem demandas claras e nenhuma liderança foi autorizada a representar o movimento. Nada devia ser concedido. Uma secessão com o Estado e a nação foi ensaiada por parte considerável da população. Outro aspecto importante e ambíguo é que de fato os Gilets Jaunes eram majoritariamente compostos pela maioria branca e precária da população – uma aliança com movimentos compostos por imigrantes árabes e negros chegou a ser ensaiada no início das manifestações, mas foi logo abortada por intervenção policial.

As enormes contradições e falta de orientação clara do movimento eram sinais de que ele estava de certo modo em fase com o tempo do mundo. Parte considerável da esquerda oficial ficou perplexa e até hoje não entende e se recusa a pensar e a mostrar qualquer afinidade ou solidariedade com o movimento. Parte da extreme gauche, no entanto, viu na complexa ambiguidade dos Gilets Jaunes a materialização de uma insurreição radical e o horizonte renovado de uma revolução abortada. Ilusão ou não, o importante é que a ideia e a possibilidade de tal acontecimento voltou a permear a imaginação política e social – sobretudo do Estado francês que, desde então, não parou de ampliar as medidas de contrainsurgência e de exceção.

Esquerdas, direitas, e vice-versa

Aqueles que Christophe Guilluy identifica como metropolitanos encontram nos diversos prefeitos do partido ecológico (EEVL) espalhados pelo país, e sobretudo, na figura da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, os símbolos maiores de um novo modo de governo que alia tecnocracia e medidas ecológicas para se adaptar à crise fiscal e climática. Modo de governo que merece ser discutido em detalhes, mas que apesar de tudo, tem como consequência principal desencadeado até aqui um processo de gentrificação que, conduzido principalmente pela esquerda, vem expulsando o povo da capital, como notou a geógrafa Anne Clerval.[ix]

Saint-Ouen, cidade ao norte de Paris, antiga vila operária e onde a vila olímpica foi construída, é um caso emblemático deste processo. Vista como “novo eldorado para as classes médias superiores”, a cidade tem sofrido com um processo de esvaziamento das suas escolas, pois os novos habitantes preferem as escolas privadas. Isto se dá nem tanto por uma eventual diferença de qualidade no ensino, como ocorre no Brasil, pois lá ainda há equivalência entre as escolas públicas e privadas, a razão principal, ao menos é o que indica recente matéria no ActuParis, é os pais buscando evitar que os seus filhos cresçam compartilhando as mesmas salas de aula com os mais pobres – geralmente racializados.[x].

A prefeita Anne Hidalgo afirmou em entrevista ao Le Monde que “Paris se apresenta como a cidade de todas as liberdades, a cidade de refúgio dos LGBTQI+, uma vida onde se vive junto, uma fila onde há uma prefeita mulher, de esquerda, ainda por cima de origem estrangeira e binacional, além de feminista e ecológica”.[xi]

No entanto, nem tudo isso foi capaz de impedir que mais de 12 mil pessoas fossem expulsas da capital e dos seus entornos, em um processo que ficou conhecido como “limpeza social”, que desalojou imigrantes, mendigos e alguns dos mais pobres (inclusive estudantes) que moram em habitação social para deixar tudo brilhando para os jogos olímpicos[xii], processo que foi acompanhando de um reforço sem precedentes nas tecnologias de vigilância e controles de populações em perímetro urbano (com 45mil policiais, além das já tradicionais forças militares de patrulhamento das cidades no plano vigipirate[xiii], implicados diretamente nos jogos)[xiv].

Dispositivo que, como já foi anunciado, não será desativado após os jogos[xv]. Até o presente a esquerda institucional não conseguiu resolver esta nova equação político-social na qual ela se encontra, conscientemente ou não, objetivamente engajada contribuindo assim na exclusão crescente de parte considerável da população. Na síntese do Le Monde Diplomatique: “O futuro pertence ao cidadão eco-responsável, que viaja de bicicleta, come legumes orgânicos, favorece os deslocamentos curtos e… erige a sua virtude custosa como um imperativo moral. Esta nova modernidade progressista, que a austeridade confina às metrópoles, envia setores inteiros do mundo popular de volta à obsolescência”[xvi]. Evidentemente que carros, metrôs, trens, aviões continuam sendo utilizados nos deslocamentos de maior distância. Afinal, o iminente fim do mundo não fez ninguém, nem o eco-responsável, parar trabalhar e nem cancelar as suas férias.

Segundo Christophe Guilluy, no fundo o NFP e o Ensemble representariam duas partes deste mesmo modo de vida. De maneira bastante esquemática, um seria o herdeiro da antiga pequena burguesia onde encontramos artistas, intelectuais e o funcionalismo público de baixo escalão e a outro da alta burguesia contando com parte dos chefes e do alto escalão de empresas e de funcionário do estado, além dos aposentados. De maneira provocativa, ele identifica que haveria um continuum liberal real, embora escamoteado, entre os dois grupos, sendo um de prevalência cultural e o outro mais econômico.

Em linhas gerais, eles partilhariam inclusive a perspectiva de menosprezo pelo modo de vida daquilo que Christophe Guilluy chama de classes populares. Ambos não escutam e tem pouco a dizer sobre as angustias e medos experimentados pela parcela periférica da população na sua experiência de desintegração social. Na falta do que propor concretamente, a esquerda e a direita liberal tendem a distribuir lições de moral, reforçando o desprezo ressentido por aqueles que se sentem cada vez mais fora do jogo.

Algo que seria de certa forma normal na perspectiva da direita liberal macronista, mas que pela falta de reflexão, como também pela adesão explícita de parcela das esquerdas ao curso do mundo, termina por agravaro abismo entre estas últimas e as parcelas periféricas da sociedade que poderiam muito bem ser o destinatário das suas ideias.

Desta forma, insiste Christophe Guilluy, embora não se possa negligenciar estes aspectos, o voto majoritário no RN não deve ser entendido como uma adesão completa às ideias e ao programa do partido, ele seria principalmente a materialização de um sintoma de algo muito mais profundo que toca o fundo das estruturas sociais do país. O que não deixa de oferecer certa abertura de viradas radicais para um lado como para o outro em uma sociedade que está se corroendo rapidamente. Dá para dizer que enquanto a esquerda majoritárianão decifrar o movimento Gilets Jaunes e continuar temendo e desprezando estas populações ela vai continuar sendo expulsa do jogo.

Rassemblement National

Se o RN, na época em que se chamava Front National, se postava contra a União Europeia e a globalização, ele agora defende algo como uma Fortaleza Europa[xvii]. De todo modo, muito do aumento de votos e da credibilidade que o RN ganhou se deve ao fato de ter abandonado o Frexit – um hipotético equivalente francês do Brexit. Para além da mudança de nome e do abandono desta pauta polêmica pouco mudou no partido. A sua natureza original continua a mesma. O que mudaram foram os esforços efetivos para integrar e participar ativamente do jogo institucional nacional e continental. Por estas e outras, muitos comparam Marine Le Pen a Giorgia Meloni, atual primeira ministra da Itália, que de fato ensaia uma revolução no seu país e, quem sabe, no continente.

Embora pertinente, a comparação esquece que a italiana já se encontra há muito tempo integrada e jogando o jogo institucional em um percurso ascensional que a conduziu ao topo do poder do seu país. Ela é uma insider do establishment. Por sinal, a sua aproximação recente com a presidente da comissão europeia, Ursula von der Leyen parece um sinal claro da fusão e crescente indistinção entre os outrora polos extremo-centro e extrema direita – ou neofascismo – no interior da União Europeia. A francesa, por outro lado, ainda produz um certo incomodo público naqueles que porventura forem fotografados em sua companhia; por enquanto é melhor continuar a encontrá-la só nos bastidores – embora seja verdade que Emmanuel Macron e outros políticos já possam anunciar publicamente que conversam, de vez em quando, por telefone com ela.

Por essas e outras havia a necessidade de uma figura jovem que encabeçasse a chapa europeia representando a renovação do partido, quem sabe, se tornar primeiro-ministro na brecha aberta por Macron. Jordan Bardella, que também é presidente do partido no qual milita desde 2012, tendo antes sido presidente da sua juventude, Génération nation (Geração nação), nasceu na periferia norte parisiense. Ele é originário de Seine Saint-Denis, o departamento mais pobre e violento de toda a França, não por acaso um dos locais com maior densidade de imigrantes e de pessoas em estado precário no país.

Jordan Bardella não escapa à regra sendo descendente de mãe italiana e de pai de dupla nacionalidade: italiano e franco-argelino (curiosamente, um dos pontos mais polêmicos do seu programa era o que questionava e colocava em risco o status legal dos cidadãos de dupla nacionalidade que trabalham para o Estado francês). Depois da separação dos pais, Jordan Bardella passou a viver junto com a mãe em uma habitação social e em situação relativamente precária.

A boa condição financeira do pai, por outro lado, garantiu que ele tivesse acesso à educação privada, a viagens aos Estados Unidos, um carro zero e um apartamento. Antes de encabeçar a lista do RN para as eleições europeia, Bardella já havia sido deputado europeu no qual integrou o grupo próximo ao primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, representante maior da extrema direita europeia, com o qual se alinhou contra o suporte militar ao esforço de guerra ucraniano, contra a imigração ilegal, em defesa da família tradicional e pelo abrandamento das restrições socioambientais impostas pela UE às empresas e aos seus Estados membros.

Jordan Bardella possuía um canal no YouTube com o pseudônimo “Jordan9320” (93 faz referência ao código postal de Sain-Denis), no qual compartilhava vídeos de sessões suas jogando o vídeo game Call of Duty. Os rumos políticos o obrigaram a deixar de lado este canal e substituí-lo por um canal político comum, no qual encontramos, entre outras coisas, os seus discursos públicos. Aos olhos da sociedade francesa, Jean-Marie Le Pen sempre apareceu como um personagem repulsivo, Marie Le Pen sempre foi tratada com desconfiança, Jordan Bardella, no entanto, parece um francês ordinário, uma pessoa como qualquer outra.

O fato é que o RN obteve o dobro de votos dos macronistas nas eleições europeias e, como já frisamos, se tornou o maior partido da França. Esse resultado não surgiu do nada. Já nas eleições de 1988 o RN (FN na época) obteve quase 15% dos votos, sua média desde então. Apenas Sarkozy que em 2007 aproximou ao máximo o seu discurso e práticas daquilo que todos imaginavam que era próprio a Jean-Marie Le Pen, conseguiu abaixar esta média de votos.

A ascensão do partido de extrema direita coincide com a reestruturação produtiva do capitalismo francês que tem como marco principal a deslocalização da maior parte do aparelho produtivo industrial do país. Não é à toa que o nordeste do país, antiga zona altamente industrializada, e o sudeste, onde se instalaram muitos daqueles que imigraram após a guerra da Argélia, são dois dos mais antigos bastiões da extrema-direita francesa. Foi no sudeste que Félicien Faudy realizou uma vasta enquete sociológica sobre o desenvolvimento histórico do voto na extrema-direita articulando questões econômicas, políticas e raciais.

Pesquisa recentemente publicada em livro que ganhou uma merecida repercussão muito pelo fato de ter sido lançado pouco antes das eleições europeias, toca em dois pontos cruciais já no seu título: Des électeurs ordinaires. Enquête sur la normalisation de l’extrême droite [Eleitores ordinários. Investigação sobre a normalização da extrema-direita].[xviii] Um é a normalização da extrema direita, e o outro a noção de ordinário, um termo que mereceria um estudo próprio de crítica da ideologia pelo fato de estar sendo mobilizado por vários pesquisadores e ideólogos (como o próprio Jordan Guilluy, uma sínteses dos dois) para nomear não só os eleitores do RN, como militantes de movimentos novos tais como os Gilets Jaunes e os agricultores que se rebelaram no início de 2024 por toda a Europa contra as medidas (ou falta) protecionistas da União europeia.

A maior força da pesquisa de Faudy é mostrar que o crescimento da extrema direita e, sobretudo, a adesão de parte da população a esta posição política se deve não apenas a questões morais, econômico e estruturais como também ao fato de experimentarem uma sociedade que tem se encaminhado para a direita. Isto é, no fundo, e simplificando muito o argumento, se trata acima de tudo de adesão ao curso do mundo.

De todo modo, também é verdade que a extrema direita entrou no vácuo deixado pela desindustrialiação e pelo desemprego em massa. O voto expressa uma posição dual que estes eleitores possuem. De um lado um ódio às elites globais, intelectuais e dirigentes de quem ressentem desprezo e opressão,[xix] do outro lado, ódio e racismo contra os imigrantes e franceses de origem africana e, principalmente, árabe. A islamofobia não é novidade, mas ela ganhou um enorme impulso após os atentados do 11/09 contra as torres gêmeas e, sobretudo, após os atentados de 2015 em Paris. Ela virou prática e discurso oficial, orientando medidas políticas.

Em seu romance histórico lançado no final de agosto, Les Derniers jours du Parti socialiste [Os últimos dias do Partido socialista], o escritor Aurélien Bellanger insiste, de maneira bastante polêmica pois numa obra de ficção literária, que parte considerável deste processo de crescente islamofobia e aumento do racismo no país foi conduzido e induzido pela esquerda. Verifica-se também um crescente nacionalismo que se expressa inclusive nos produtos alimentícios. Os produtos fabricados no país possuem agora um selo próprio que destaca e incentiva o consumo desses produtos como um fato de distinção ética e solidária com a sociedade através do consumo.

O crescimento do RN coincide também com o fato do PS e do PCF terem abandonado toda e qualquer prática opositora e crítica ao capitalismo, desde a época da eleição de François Mitterrand, sem esquecer que muito da viabilização e da legitimação que o RN encontra hoje em dia se deve ao esforço que o saudoso François Mitterrand empenhou em garantir democraticamente que vozes fascistas fossem escutadas em pé de igualdade.

Abertura ou fechamento de horizonte?

Não foram poucos aqueles que experimentaram uma abertura efetiva dos horizontes políticos com a possibilidade real da vitória do RN. Ao final do primeiro turno das eleições legislativas apenas um em cada dois franceses temia uma vitória do RN. Após as eleições, durante as semanas de indecisão do presidente na escolha do novo primeiro-ministro, pesquisas indicavam que esse número não havia caído.

Emmanuel Macron queria dar voz à sociedade francesa, ele conseguiu, o recado que chegou era de certa forma esperado, embora não fosse o que ele e a outra metade da sociedade, que pertencem a outro mundo social, gostariam de ouvir. O primeiro turno das eleições legislativas contou com um forte engajamento de 66,7% de participação no pleito, a maior desde 1997. O resultado demonstrou que há uma presença efetiva e de certa forma hegemônica do RN por praticamente todo o território nacional, à exceção de Paris e na sua região metropolitana, bem como nas maiores cidades do país. Por exemplo, historicamente de centro e com certa inclinação à esquerda, a região da Bretanha votou, especialmente nas suas comunas rurais, majoritariamente no RN. Novidade também foi a dimensão dos votos que o sudoeste destinou ao partido da extrema direita.

No entanto, o horizonte político dos eleitores não aponta tanto para a possibilidade, de quem sabe, melhorar de vida com uma eventual mudança radical de governo. Pouquíssimos ainda parecem alimentar tal ilusão. O que parece existir é uma vontade compartilhada pelos periferizados de virar a mesa, de finalmente intervir diretamente no jogo político que lhes parece cada vez mais distante, como algo que caminhar de maneira autônoma e apartada da sociedade. Haveria uma mistura de revanchismo e excitação pelo desconhecido, que viria acompanhada de fatalismo e de uma vontade de virar democraticamente ao avesso a vida nacional.

Sentem, pouco importando se conscientemente ou não, que há uma nova dinâmica objetiva que lhes ameaça quando transforma a sociedade em uma guerra social que eles, evidentemente, não querem perder. Por um lado, eles parecem exigir que se encontre uma solução para a crise sociopolítica – mesmo que isso demande, entre várias outras coisas, o cumprimento do destino sinistro que parece ter sido selado para os imigrantes racializados.

Por outro, agem como quem deseja arrastar o restante da sociedade, sobretudo as elites econômicas e culturais, das direitas ou das esquerdas, para o fundo do poço no qual já se encontram, e do qual sentem que não escaparão mais. Seria esta talvez a última maneira catastrófica de impor um destino comum a todos os cidadãos do país. Como ninguém consegue sair da situação caótica em que se encontra, opta-se por uma socialização da desgraça. Cansaram de esperar.

Note-se que se esta interpretação estiver ao menos em parte correta, o recado dado pelos eleitores parece apontar para a direção contrária àquela tomada pelo RN. Este último tem concentrado os seus esforços em integrar e participar ao seu modo do establishment institucional francês e europeu, podendo tornar-se assim, quem sabe, uma nova elite dirigente. Virá-lo ao avesso ou mesmo explodi-lo parece ter desaparecido do horizonte do partido de extrema-direita. Ainda não foi dessa vez, mas frente a essa avalanche que se anuncia, o largo escopo das esquerdas parece até aqui ter pouco a oferecer para além de bons modos; pouco sobrou de político, nenhuma ideia ou prática nova para contrapor ou quem sabe intervir e redirecionar essa onda radical que vem principalmente de baixo.[xx]

*Frederico Lyra é professor nos departamentos de arte e de filosofia da Universidade de Picardie Jules Verne (França).

Para ler o primeiro artigo da série clique em https://aterraeredonda.com.br/eleicoes-na-franca-uma-vitoria-que-nao-houve/

Notas


[i] Para a leitura da integralidade do programa, consultar: https://assets.nationbuilder.com/nouveaufrontpopulaire/pages/1/attachments/original/1719575111/PROGRAMME_FRONT_POPULAIRE_2806.pdf?1719575111

[ii]Arantes, Paulo, “Alarme de incêndio no gueto francês” O Novo Tempo do Mundo, São Paulo, Boitempo, 2014, p.

[iii]Cf: Guilluy, Christophe, La France périphérique: comment on a sacrifié les classes populaires ( Paris, Flammarion, 2014) e Fractures françaises (Paris, Flammarion, 2013).

[iv]Cf: Guilluy, Christophe, “Il n’y a pas trois blocs mais deux, les métropoles contre la France périphérique”, Le Figaro, 15 julho 2024.

[v]Os diversos mapa oficiais que indicam os partidos vencedores de cada circunscrição nas diferentes fases da eleição podem ser consultados aqui: https://www.data.gouv.fr/fr/reuses/cartes-interactives-des-resultats-des-elections-legislatives-2024/

[vi]Cf: Guilluy, Christophe, No Society. La fin de la classe moyenne occidentale, Paris, Flammarion, 2018.

[vii]Arantes, Paulo Eduardo, A Fratura brasileira no mundo. Visões do laboratório brasileiro da mundialização , São Paulo, 34, 2023.

[viii]A bibliografia já é imensa, ver por exemplo: Leoni, Tristan, sur les Gilets Jaunes. Du trop de réalité (Genebra, Entremondes, 2023). A pouca atenção que os coletes amarelos receberam no Brasil diz muito sob a situação atual da esquerda brasileira.

[ix]Clerval, Anne, Paris sans le peuple. La gentrification de la capitale, Paris, La Découverte, 2016.

[x]Cf: https://actu.fr/ile-de-france/saint-ouen-sur-seine_93070/mon-fils-a-perdu-la-moitie-de-ses-copains-la-seine-saint-denis-veut-mettre-fin-au-boycott-de-ses-colleges_61556494.html

[xi]Cf: https://www.lemonde.fr/politique/article/2024/08/06/anne-hidalgo-avec-les-jo-les-gens-se-disent-c-est-pas-completement-foutu-on-peut-etre-ensemble-et-on-peut-etre-heureux-ensemble_6269386_823448.html ;

[xii]Cf: https://www.liberation.fr/societe/jeux-olympiques-12-545-personnes-ont-ete-expulsees-dile-de-france-les-associations-denoncent-un-nettoyage-social-20240603_C5SB3DJ6CZGX7BVRZMMDAK43EQ/#mailmunch-pop-1146266

[xiii]Tratei disto em um outro texto: Lyra de Carvalho, Frederico “Um mundo de soldados e estrangeiros” https://urucum.milharal.org/2018/03/29/um-mundo-de-soldados-e-estrangeiros/

[xiv]Cf: https://www.mediapart.fr/journal/france/250724/aux-jo-2024-un-usage-sans-precedent-des-drones-et-des-algorithmes-de-surveillance e https://www.tf1info.fr/jeux-olympiques/video-45-000-policiers-et-gendarmes-deployes-paris-sous-un-quadrillage-serre-avant-l-ouverture-des-jeux-2309557.html

[xv]https://www.bfmtv.com/politique/gerald-darmanin-les-moyens-dans-la-securite-mis-en-place-a-saint-denis-resteront-apres-jeux-olympiques_VN-202408020182.html

[xvi]Bréville, Benoît; Halimi, Serge e Rimbert, Pierre, “Nous y sommes”, Le Monde Diplomatique, 844, julho 2024. Esse artigo faz parte de um dossiê intitulado : França, da crise ao caos político.

[xvii]Por razões óbvias, desde fevereiro de 2022, o RN tenta esconder as relações íntimas que sempre manteve com a Rússia de Putin. Essa relação parece, no entanto, ser mais importante na forma de situar o partido no complexo escopo da política institucional europeia e na aliança internacional das extremas-direitas, sem muito peso em relação à situação interna à França. Porém, não é o que pensa parte da esquerda e da direita liberal que, o invés de olharem para as transformações político-sociais que o país tem sofrido, preferem o caminho mais fácil de apontar as ligações reais do RN com a Rússia como uma das supostas causas principais da deriva eleitoral francesa.

            Por exemplo: https://www.nouvelobs.com/politique/20240618.OBS89944/le-rn-et-la-russie-une-longue-histoire-d-amour-qui-n-est-pas-terminee.html e https://basta.media/bots-manipulations-chercheurs-pointent-campagne-kremlin-pour-faire-elire-RN-legislatives-ingerence-russe

[xviii]Faury, Félicien, Des électeurs ordinaires. Enquête sur la normalisation de l’extrême droite, Paris, Seuil, 2024). A quantidade de estudos sobre a extrema-direita francesa é particularmente densa e rica; muito embora todo esse conhecimento seja dificilmente traduzido em qualquer ação política para conter ou mesmo virar a onda ao avesso. Uma outra contribuição fundamental é o livro de Ugo Palheta, La possibilité du fascisme. France, la trajectoire du désastre (Paris, La Découverte, 2018).

[xix]Em um artigo no Le Monde Diplomatique o operário e ex-candidato à presidência pelo Nouveau Parti Capitaliste, Philippe Poutou notava que o governo se utilizava do desprezo de classe como arma política com o intuito de desmoralizar qualquer luta social e resistência às reformas e à guerra social que o conduz contra a população do país. Apesar de tudo, em 2023 o governo teria ficado acuado com a enorme grave nacional contra a reforma da previdência, embora isso não tenha sido suficiente para dissuadi-lo de utilizar o procedimento 49.3 para aprová-la contra o parlamento e a população. (Cf: Poutou, Philippe, “Mais que faut-il pour gagner?”, Le Monde Diplomatique, n. 841, abril, 2024

[xx] Esse artigo se insere em um projeto de pesquisa sobre a França contemporânea conduzido junto ao Instituto Alameda.


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