As ideias precisam circular. Ajude A Terra é Redonda a seguir fazendo isso.

Jacob Taubes: o filósofo do apocalipse

Janet Ledger, Ponte ferroviária em Deptford, óleo no painel, 21x29cm.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ARI MARCELO SOLON & ALEXANDRE DE LIMA CASTRO TRANJAN*

Comentário sobre o livro de Jerry Miller

Jacob Taubes: o filósofo do apocalipse é a biografia definitiva do filósofo. É tão bem escrito pelo autor, Jerry Miller, que pode ser sorvido como qualquer um dos livros de Saw Bellow sobre a vida tumultuada de um acadêmico. Aqui, focaremos apenas no conceito teológico-político do apocalipse.

A capa do livro é Taubes, ao lado de Marcuse, em Berlim. Se, para os marxistas, a religião é uma ilusão,[1] a contribuição de Taubes é reinserir o marxismo ocidental em suas origens apocalípticas. A ideia do fim do tempo, para a qual caminha a história, faz dela um processo progressivo. Essa história teleológica, com uma direção linear, não recorrente, é produto de uma visão escatológica, cuja origem se encontra na Bíblia Hebraica. Esta visão de Hegel tem sua origem tanto na Bíblia Hebraica, como no Novo Testamento, e também em suas transformações medievais e em sua secularização final.

A crença no apocalipse é a de que a ordem e o mundo existentes são maus e corruptos. Nessa doutrina, buscam-se sinais de que esta ordem está em seu fim, agindo-se para buscar o reinado de Deus na Terra. O mundo estaria decaído, mas existe uma alternativa, mais perfeita. O apocalipse é antinômico, visando à transformação externa: eis o aspecto revolucionário de seu pathos. Origina-se no Livro de Daniel, passa pelo cristianismo primitivo, Joaquim de Fiori, os anabatistas e puritanos e, enfim secularizado, culmina no marxismo.

Taubes dialoga, em sua obra, com Ernst Bloch, Hans Urs von Balthazar, Carl Löwith. O tema é atual, estudado também pelo influente Carl Schmitt, que comanda mentes conservadoras ao redor do mundo. Este, porém condena o agnosticismo, por ele visto como nefasto. Também é perceptível um intertexto (ainda que não notado pelo próprio Taubes) com doutrinas do assim chamado “novo marxismo”, mais especificamente a Nova Crítica do Valor, de Robert Kurz, e seus seguidores diretos ou indiretos, como Nick Land (este, não marxista) e Mark Fisher. Se é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo, a escatologia apocalíptica poderia consistir justamente na possibilidade de refundação do mundo segundo os desígnios bíblicos da igualdade e da fraternidade entre os homens.

A visão revolucionaria taubesiana provém de uma divergência em relação a seu mestre, Gershom Scholem. A compreensão do messianismo, para este, é interna. Para seu aprendiz, tanto o judaísmo quanto o cristianismo, como vemos em sua leitura sobre Paulo, veem figuras como Cristo dentro do judaísmo, e não fora dele. Taubes nega a distinção scholemiana entre um judaísmo voltado para a Terra e um cristianismo interiorizado – nela, o cristianismo explicitaria o caráter antinômico da história judaica.

Assim, vemos os temas de Taubes: o apocalipse como a escatologia da história e da filosofia da história. Continua-se Scholem, dele divergindo, de volta a Benjamin. Para Taubes, este é um filósofo paulino marcionita, agnóstico, de cariz judaico.

A biografia de Taubes enriquece a filosofia na medida em que tal filósofo bebe do pensamento rabínico. Deste modo, dela surge o autor como um dos grandes filósofos judeus do século XX, revolucionário e de práxis mística, descendente de uma dinastia hassídica, de vários eruditos. Toda essa energia é canalizada numa vida de agitações políticas e acadêmicas. O autor, que parece ser crítico da assim chamada esquerda pós-moderna, não deixa de valer-se de ironia em relação a sua própria atuação radical.

Nem por isso, o livro deixa de ser essencial. Apesar da quantidade excessiva de dados biográficos pouco relevantes (vulgo fofoca acadêmica), as linhas fundamentais a respeito do apocalipse e a crítica contundente ao pensamento de Schmitt, e a retomada da vertente revolucionária do judaísmo, fazem sua leitura valer a pena.

*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).

Alexandre de Lima Castro Tranjan é graduando em direito na Universidade de São Paulo (USP).

 

Nota


[1] Tal concepção, muito presente na obra marxiana de juventude, é notadamente influenciada pelo pensamento de Feuerbach, do qual Marx posteriormente se afasta. O Jovem Marx, ainda que pré-científico (confira Por Marx, de Louis Althusser), manteve-se uma base relevante para o marxismo ocidental, cujo nome é, de fato, mais topográfico que teórico.

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.800 autores.
Heraldo Campos Fábio Konder Comparato Leonardo Sacramento Thomas Piketty Chico Alencar Manuel Domingos Neto Michael Löwy João Feres Júnior Rubens Pinto Lyra Rodrigo de Faria Celso Frederico João Paulo Ayub Fonseca Antonino Infranca Rafael R. Ioris Marilena Chauí Ari Marcelo Solon Bento Prado Jr. Eugênio Bucci André Márcio Neves Soares Luis Felipe Miguel Armando Boito Marcus Ianoni Leda Maria Paulani Gilberto Lopes Everaldo de Oliveira Andrade José Micaelson Lacerda Morais Yuri Martins-Fontes Paulo Martins Leonardo Boff Antônio Sales Rios Neto Ronald León Núñez Andrew Korybko Luiz Augusto Estrella Faria Priscila Figueiredo Carlos Tautz Maria Rita Kehl Daniel Afonso da Silva José Dirceu Marilia Pacheco Fiorillo Vladimir Safatle Luís Fernando Vitagliano Ricardo Fabbrini Bernardo Ricupero Luiz Eduardo Soares Fernão Pessoa Ramos Jean Pierre Chauvin Roberto Noritomi Tarso Genro Jorge Branco José Raimundo Trindade Valério Arcary Remy José Fontana Daniel Costa Antonio Martins Matheus Silveira de Souza André Singer Alysson Leandro Mascaro Osvaldo Coggiola Flávio R. Kothe Luiz Costa Lima José Geraldo Couto Francisco Pereira de Farias Slavoj Žižek Mário Maestri Luiz Renato Martins Gerson Almeida Carlos Águedo Paiva Gabriel Cohn Eugênio Trivinho Vinício Carrilho Martinez Celso Favaretto Ronald Rocha Sergio Amadeu da Silveira Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luiz Marques Flávio Aguiar Ladislau Dowbor Benicio Viero Schmidt Paulo Sérgio Pinheiro Juarez Guimarães Paulo Nogueira Batista Jr Sandra Bitencourt Carla Teixeira Roberto Bueno Airton Paschoa Paulo Capel Narvai Ruben Bauer Naveira Samuel Kilsztajn Kátia Gerab Baggio Ricardo Antunes Boaventura de Sousa Santos Paulo Fernandes Silveira Fernando Nogueira da Costa João Carlos Loebens Luiz Roberto Alves Tadeu Valadares Lincoln Secco Denilson Cordeiro Henry Burnett Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Tales Ab'Sáber Eduardo Borges Anderson Alves Esteves Elias Jabbour José Machado Moita Neto Dênis de Moraes Bruno Machado João Sette Whitaker Ferreira Lucas Fiaschetti Estevez Annateresa Fabris Alexandre Aragão de Albuquerque Vanderlei Tenório Érico Andrade Daniel Brazil Jean Marc Von Der Weid Francisco Fernandes Ladeira Leonardo Avritzer Eleonora Albano João Carlos Salles Ronaldo Tadeu de Souza Milton Pinheiro Luiz Bernardo Pericás Dennis Oliveira Luciano Nascimento Walnice Nogueira Galvão Alexandre de Freitas Barbosa Eleutério F. S. Prado Jorge Luiz Souto Maior Julian Rodrigues Liszt Vieira Claudio Katz Marcelo Guimarães Lima João Lanari Bo Lorenzo Vitral Luiz Carlos Bresser-Pereira Chico Whitaker Berenice Bento Manchetômetro Marcelo Módolo José Costa Júnior Marjorie C. Marona Marcos Aurélio da Silva Henri Acselrad Marcos Silva Anselm Jappe Atilio A. Boron Ricardo Musse Michael Roberts Mariarosaria Fabris Luiz Werneck Vianna Caio Bugiato Igor Felippe Santos José Luís Fiori Francisco de Oliveira Barros Júnior Ricardo Abramovay João Adolfo Hansen Eliziário Andrade Alexandre de Lima Castro Tranjan Otaviano Helene Afrânio Catani

NOVAS PUBLICAÇÕES