Jacob Taubes: o filósofo do apocalipse

Janet Ledger, Ponte ferroviária em Deptford, óleo no painel, 21x29cm.
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Por ARI MARCELO SOLON & ALEXANDRE DE LIMA CASTRO TRANJAN*

Comentário sobre o livro de Jerry Miller

Jacob Taubes: o filósofo do apocalipse é a biografia definitiva do filósofo. É tão bem escrito pelo autor, Jerry Miller, que pode ser sorvido como qualquer um dos livros de Saw Bellow sobre a vida tumultuada de um acadêmico. Aqui, focaremos apenas no conceito teológico-político do apocalipse.

A capa do livro é Taubes, ao lado de Marcuse, em Berlim. Se, para os marxistas, a religião é uma ilusão,[1] a contribuição de Taubes é reinserir o marxismo ocidental em suas origens apocalípticas. A ideia do fim do tempo, para a qual caminha a história, faz dela um processo progressivo. Essa história teleológica, com uma direção linear, não recorrente, é produto de uma visão escatológica, cuja origem se encontra na Bíblia Hebraica. Esta visão de Hegel tem sua origem tanto na Bíblia Hebraica, como no Novo Testamento, e também em suas transformações medievais e em sua secularização final.

A crença no apocalipse é a de que a ordem e o mundo existentes são maus e corruptos. Nessa doutrina, buscam-se sinais de que esta ordem está em seu fim, agindo-se para buscar o reinado de Deus na Terra. O mundo estaria decaído, mas existe uma alternativa, mais perfeita. O apocalipse é antinômico, visando à transformação externa: eis o aspecto revolucionário de seu pathos. Origina-se no Livro de Daniel, passa pelo cristianismo primitivo, Joaquim de Fiori, os anabatistas e puritanos e, enfim secularizado, culmina no marxismo.

Taubes dialoga, em sua obra, com Ernst Bloch, Hans Urs von Balthazar, Carl Löwith. O tema é atual, estudado também pelo influente Carl Schmitt, que comanda mentes conservadoras ao redor do mundo. Este, porém condena o agnosticismo, por ele visto como nefasto. Também é perceptível um intertexto (ainda que não notado pelo próprio Taubes) com doutrinas do assim chamado “novo marxismo”, mais especificamente a Nova Crítica do Valor, de Robert Kurz, e seus seguidores diretos ou indiretos, como Nick Land (este, não marxista) e Mark Fisher. Se é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo, a escatologia apocalíptica poderia consistir justamente na possibilidade de refundação do mundo segundo os desígnios bíblicos da igualdade e da fraternidade entre os homens.

A visão revolucionaria taubesiana provém de uma divergência em relação a seu mestre, Gershom Scholem. A compreensão do messianismo, para este, é interna. Para seu aprendiz, tanto o judaísmo quanto o cristianismo, como vemos em sua leitura sobre Paulo, veem figuras como Cristo dentro do judaísmo, e não fora dele. Taubes nega a distinção scholemiana entre um judaísmo voltado para a Terra e um cristianismo interiorizado – nela, o cristianismo explicitaria o caráter antinômico da história judaica.

Assim, vemos os temas de Taubes: o apocalipse como a escatologia da história e da filosofia da história. Continua-se Scholem, dele divergindo, de volta a Benjamin. Para Taubes, este é um filósofo paulino marcionita, agnóstico, de cariz judaico.

A biografia de Taubes enriquece a filosofia na medida em que tal filósofo bebe do pensamento rabínico. Deste modo, dela surge o autor como um dos grandes filósofos judeus do século XX, revolucionário e de práxis mística, descendente de uma dinastia hassídica, de vários eruditos. Toda essa energia é canalizada numa vida de agitações políticas e acadêmicas. O autor, que parece ser crítico da assim chamada esquerda pós-moderna, não deixa de valer-se de ironia em relação a sua própria atuação radical.

Nem por isso, o livro deixa de ser essencial. Apesar da quantidade excessiva de dados biográficos pouco relevantes (vulgo fofoca acadêmica), as linhas fundamentais a respeito do apocalipse e a crítica contundente ao pensamento de Schmitt, e a retomada da vertente revolucionária do judaísmo, fazem sua leitura valer a pena.

*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).

Alexandre de Lima Castro Tranjan é graduando em direito na Universidade de São Paulo (USP).

 

Nota


[1] Tal concepção, muito presente na obra marxiana de juventude, é notadamente influenciada pelo pensamento de Feuerbach, do qual Marx posteriormente se afasta. O Jovem Marx, ainda que pré-científico (confira Por Marx, de Louis Althusser), manteve-se uma base relevante para o marxismo ocidental, cujo nome é, de fato, mais topográfico que teórico.

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