A reunião do G20 no Brasil

Imagem: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
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Por LAURO MATTEI*

O governo Lula III priorizou a definição de uma estratégia política global de combate à fome e à pobreza

A cúpula do G20 – grupo de líderes das vinte maiores economias do mundo – realizou sua reunião anual de 2024 no Rio de Janeiro entre os dias 18 e 19/11/2024. Nesta edição, além dos chefes de Estado do G20,[i] foram convidados diversos líderes mundiais, além de organismos internacionais (ONU/FAO/OMS/BID etc.). Com isso, pode-se dizer que o mundo político mundial esteve presente neste fórum organizado e realizado pelo governo brasileiro.

Inicialmente é importante registrar que o G20 não define leis, mas apenas firma compromissos políticos, econômicos, sociais e ambientais de relevância global. Assim, nesta edição três temas prevaleceram nos debates: as políticas contra a fome e a pobreza; os fenômenos climáticos e seus efeitos sobre o desenvolvimento sustentável e as reformulações necessárias na governança global. Obviamente que todos são temas potencialmente polêmicos diante do cenário político mundial atual.

Como o governo brasileiro exercia a presidência do fórum desde 2023, coube a ele organizar os debates e estabelecer prioridades em suas proposições políticas. Neste caso, fica evidente que o governo Lula III priorizou a definição de uma estratégia política global de combate à fome e à pobreza.

A aliança global contra a fome e a pobreza

Enquanto presidente do G20, o Brasil apresentou a proposta de criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Até o início da cúpula tal iniciativa teve a adesão inicial de 81 países, exceto a Argentina. Talvez o que mais tenha sensibilizado os países que aderiram a essa iniciativa foi o fato de que a FAO/ONU, em seu relatório de 2024, informou que 733 milhões de pessoas se encontravam em estado de fome, cifra que indica que uma a cada onze pessoas do mundo se encontra atualmente em estado de fome.

Visando operacionalizar tal iniciativa, foi criado o “Conselho dos Campeões” com a participação de 50 integrantes, sendo 25 representantes de países e os outros 25 representantes da sociedade civil. A sede da iniciativa ficará em Roma (junto à FAO/ONU) e contará com um escritório em Brasília (DF). Além disso, ficou estabelecida a meta de se cumprir até 2030 os objetivos 1 e 2 do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Para tanto, as ações deverão beneficiar 500 milhões de pessoas com programas de transferência de renda e oferecer merenda escolar para 150 milhões de crianças.

Para que tais metas sejam alcançadas é importante o envolvimento do conjunto da sociedade global. Nesta direção, durante a realização da cúpula do G20 ao menos 24 organizações internacionais já haviam aderido à iniciativa, bem como 9 instituições financeiras institucionais e 34 ONGs globais estavam incorporadas a esse processo. Registre-se que durante o evento o BID anunciou o destino de 25 bilhões de US$ à iniciativa.

É indiscutível que o cenário mundial atual colaborou para que houvesse essa adesão maciça à proposta. Segundo documento do Banco Mundial de 2024, aproximadamente 700 milhões de pessoas viviam na extrema pobreza no mundo (aquelas pessoas que vivem com menos de 1,90 US$/dia), enquanto 1,3 bilhões de pessoas se encontravam em situação de pobreza moderada (aquelas pessoas que viviam com renda entre US$ 1.90 e 3.20/Dia).

A adesão tardia da Argentina à iniciativa

É importante registrar que o presidente da Argentina Javier Milei já chegou ao evento isolado e sua primeira intervenção nos debates afirmando que é a presença do Estado que gera a pobreza foi duramente criticada por outros chefes de Estado, especialmente por parte do presidente do Chile e pelo presidente da Colômbia.

Diante de sua fria recepção por parte do organizador do evento – e para não ficar ainda mais isolado – Javier Milei resolveu aderir à iniciativa. Com isso, ao final do encontro do G20 a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza teve o apoio de 82 Chefes de Estado. Todavia, tal adesão foi efetivada por meio de uma declaração em que o presidente argentino afirmava se dissociar parcialmente do conteúdo geral vinculado à agenda 2030.

A declaração dissociativa de Javier Milei

Dentre as diversas pérolas que fazem parte da declaração do presidente da Argentina, destacam-se aquelas em que ele afirma que não acompanhará alguns pontos da declaração final da cúpula do G20: (a) restrição da liberdade de expressão nas redes sociais; (b) o tratamento desigual diante das leis (?); (c) imposição de restrições à soberania das instituições de governança global (?); a noção de uma maior intervenção do Estado não é a melhor forma de lutar contra a fome e a pobreza, uma vez que toda vez que se tentou fazer isso, o resultado foi o êxodo da população e do capital e mortes de vidas humanas.

A partir daí Javier Milei deixou claro sua posição sobre o assunto: para lutar contra a fome e a pobreza a solução é retirar a presença do Estado. Para tanto, afirma que o capitalismo de mercado já retirou da extrema pobreza 90% da população mundial e duplicou a expectativa de vida.[ii]

Ao final de sua declaração, Javier Milei conclama todos os líderes mundiais a seguir por esse caminho porque na Argentina ele já está dando seus frutos ao combater a fome e a miséria causadas pela intervenção estatal.

O mundo paralelo de Javier Milei

As declarações do presidente da Argentina na cúpula do G20 deixaram claro para todos aqueles que conhecem minimamente a realidade atual da Argentina que Javier Milei vive no mundo fictício e que talvez seu interlocutor preferido continue sendo o cachorro de estimação que já morreu. Senão vejamos:

(i) Dados de setembro de 2024 do INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da República da Argentina) revelaram que nos primeiros dez meses de gestão de Milei a pobreza aumentou consideravelmente e atingiu a cifra de 15,7 milhões de pessoas, o que corresponde a 52,9% da população do país.

(ii) Na mesma data o INDEC também revelou que o Índice de Gini da distribuição de renda subiu de 0,417 (2023) para 0,436 (2024); (iii) que a dramática realidade econômica e social atual dos argentinos decorre, segundo o INDEC, dos seguintes fatores: elevação brutal do desemprego; redução dos salários; retirada dos direitos sociais; e desvalorização acentuada da moeda.

Já o INDEC-BA revelou que em setembro/24 a capital do país (Buenos Aires) atingiu a cifra de 988 mil pessoas classificadas como em situação de pobreza, o que corresponde a 32,4% da população da capital. Além disso, esse indicador registrou que somente nos dez primeiros meses da gestão de Milei emergiram 159 mil novos pobres em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo o INDEC-BA, esse está sendo o segundo maior registro histórico desde o ano de 2015.

Essas informações anteriores propagadas por Javier Milei na cúpula do G20, além de fantasiosas, nada mais são do que o chororô das viúvas do neoliberalismo. No mundo real os Estados ainda detém um papel decisivo na definição do destino das nações e, sobretudo, na implantação de condições que visem melhorar a vida de todos, especialmente daquelas parcelas que sobrevivem em condições de fome e de pobreza!

*Lauro Mattei é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do programa de pós-graduação em Administração, ambos na UFSC.


[i] Com exceção do presidente da Rússia, representado neste ato por seu Chanceler, todos os demais chefes de Estado estiveram presentes.

[ii] Registre-se que o economista Javier Milei deve ter faltado às aulas de História Econômica Global. Do contrário, entenderia que a engrenagem e contradição fundamental do modo de produção capitalista é marcada pela desigualdade, a qual se expressa exatamente na permanência e existência de uma minoria que se utiliza dos resultados produzidos por todos, enquanto a grande maioria da população sobrevive em condições miseráveis. Vide os dados recentes dos relatórios do Banco Mundial.


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