Ciclos longos na economia capitalista

Imagem: Jordan Benton
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Por MICHAEL ROBERTS*

Um novo livro analisa ciclos longos e crescimento econômico com dados mais recentes e busca identificar esses longos ciclos no capitalismo

Há muito simpatizo com o conceito de longos ciclos na produção e acumulação capitalistas. A ideia é que a produção capitalista se move em ciclos, não apenas booms e recessões a cada 8-10 anos ou mais, mas que também há períodos mais longos de acumulação e crescimento da produção geralmente mais rápidos, ou seja, períodos de relativa prosperidade seguidos por períodos de acumulação e crescimento relativamente mais lentos, com mais recessões. Esses ciclos ou ondas mais longas duram cerca de 50 a 60 anos, incluindo as fases de expansão e queda.

Se tais ciclos existirem e puderem ser apoiados por evidências empíricas, eles forneceriam um indicador importante do estado da economia capitalista mundial.

Por exemplo, se as economias capitalistas estão em um longo boom de produção, investimento e lucratividade, como estavam após a Segunda Guerra Mundial até a década de 1960, então as perspectivas de mudança radical ou revolucionária eram escassas: o capitalismo estava funcionando.

Por outro lado, se a economia mundial tivesse entrado em queda na produção, acumulação e lucratividade, isso criaria novas tensões de classe que poderiam trazer mudanças radicais (por exemplo, do final dos anos 1960 ao início dos anos 1980, com a derrubada das ditaduras militares em todo o sul da Europa).

A análise mais famosa de ciclos longos é atribuída a Nicolai Kondratiev, um economista russo do início do século XX. Ele argumentou que esses ciclos longos existiam com toda a “probabilidade” e procurou demonstrar isso empiricamente, com base principalmente nos movimentos dos preços das commodities, que por sua vez dependiam de investimentos de longo prazo em infraestrutura e mercados. Nicolai Kondratiev argumentou que tais ciclos eram “endógenos”, isto é, eram internos ou impulsionados pelas forças econômicas do capitalismo.

Nicolai Kondratiev foi fortemente criticado por sua abordagem “mecanicista” – seu crítico mais famoso foi Leon Trotsky, que, embora reconhecesse as características convincentes das alegações de Nicolai Kondratiev, rejeitou que esses ciclos, se existissem, fossem economicamente endógenos, argumentando que as forças políticas e sociais, como guerras e revoluções, eram fatores importantes que contribuíam para qualquer mudança significativa na direção do desenvolvimento capitalista.

Mais tarde, um seguidor próximo de Leon Trotsky, o economista marxista belga Ernest Mandel também defendeu ciclos ou ondas longas. Mas ele argumentou curiosamente que, embora os booms e recessões em ciclos longos fossem devidos a mudanças econômicas (ou seja, endógenas), as recessões só terminaram por causa de eventos políticos (guerra, revolução etc.) e não por causa de mudanças econômicas.

Falo sobre isso porque acaba de ser publicado um novo livro que analisa ciclos longos e crescimento econômico com os dados mais recentes e busca identificar esses longos ciclos no capitalismo. Os autores são os economistas marxistas gregos, Nikolaos Chatzarakis, da New School for Social Research de Nova York; Persefoni Tsaliki Aristóteles da Universidade de Thessaloniki e Lefteris Tsoulfidis da Universidade da Macedônia.

Em seu livro, Crescimento econômico e ciclos longos, os autores avaliam criticamente os modelos de crescimento convencionais existentes e oferecem uma abordagem alternativa à teoria do crescimento econômico baseada no que eles chamam de economia política clássica, mas que é essencialmente uma abordagem marxista. Eles argumentam que o desenvolvimento capitalista assume a forma de “longos períodos de expansão sistematicamente caracterizados por taxas de crescimento aceleradas e outros períodos de longevidade semelhante durante os quais o crescimento desacelera e às vezes se torna negativo”.

Seu modelo mostra que “o crescimento econômico é um processo turbulento, mas não errático e indeterminado”, no qual dois padrões distintos se tornam aparentes: a tendência de longo prazo do capitalismo de crescer e a natureza cíclica desse crescimento. A causa dos ciclos longos depende, em última análise, da tendência de longo prazo da taxa de lucro cair “o que dá origem à natureza cíclica do crescimento capitalista”. É a evolução da mais-valia e da taxa de mais-valia que, em última análise, molda a evolução da economia capitalista, em oposição às teorias convencionais baseadas em investimento, consumo ou produtividade.

Seu modelo de crescimento combina as três leis básicas da teoria econômica marxista: a lei do valor; a lei geral da acumulação (juntamente com os esquemas de reprodução estendida) e a lei da lucratividade. Essa combinação das três leis básicas é algo que também enfatizei em meu próprio trabalho sobre crises (qual seja ele, aquele que denominei de Marx 200).

Quando combinados, os resultados empíricos seguem de perto a evolução real da economia capitalista ao longo de longos ciclos. Com base nessas leis, eles constroem um modelo de crescimento econômico e ciclos longos que consiste em cinco equações diferenciais baseadas em: a evolução da taxa de lucro, o investimento em capital constante (fixo) e variável, a mudança tecnológica e a desvalorização do capital.

Os autores descobriram que houve cinco ondas longas ou ciclos K abrangendo 187 anos de desenvolvimento capitalista nos Estados Unidos e no Reino Unido, de 1834 a 2021.

Essas ondulações coincidem com o trabalho anterior de Anwar Shaikh (em seu livro Capitalism (2016) e anteriormente em 1992). Também construí um modelo de ondas longas ou ciclos em meu livro, The Long Depression, embora as datas de meus ciclos fossem diferentes das dos autores, uma vez que em minha cronologia o período de queda da lucratividade na década de 1970 é a fase descendente de um quarto ciclo K, entrando assim em um quinto ciclo K de 1982 até agora. Para obter mais informações sobre as diferenças entre minha visão e a dos autores, consulte isto.

A evidência empírica dos autores conecta seus ciclos a mudanças de longo prazo na trajetória da taxa de lucro. “Durante o estágio upstream do ciclo longo, a lucratividade está aumentando e as empresas não têm motivos convincentes para arriscar seu bom desempenho introduzindo inovações radicais. Por outro lado, na desaceleração do ciclo longo, a lucratividade está estagnada ou mesmo caindo, e as perspectivas são sombrias, desafiando a própria sobrevivência da empresa. Nessas circunstâncias, a pressão para inovar está em alta, pois os capitalistas, por um lado, enfrentam o abismo da falência; por outro lado, ter uma chance maior de sobrevivência os obriga a correr o risco de se tornarem mais propensos a inovações e, portanto, optarem pelo caminho da inovação”.

Assim, os autores afirmam que sua análise de ciclos longos integra a visão de Joseph Schumpeter de inovações e teorias de estruturas sociais de acumulação (SSA) em uma teoria única e unificada na qual a “causa das causas” é a evolução da taxa de lucro. É o efeito cumulativo de longo prazo da taxa sobre o investimento e sobre a massa de lucros líquidos reais que, além de um ponto, cria as condições para a manifestação da crise econômica e a mudança na fase da atividade econômica.

Os autores argumentam que “Para Marx, as crises no capitalismo têm causas intrínsecas e, portanto, não são conjecturas; Nesse sentido, eles são inevitáveis.” A evolução da economia americana segue o esquema teórico de Nicolai Kondratiev e o movimento da taxa de lucro inevitavelmente a moldou durante o período pós-Segunda Guerra Mundial.

Os aspectos técnicos do modelo são detalhados em um capítulo que cobre os padrões seculares e cíclicos na evolução do capitalismo, nos quais a lucratividade governa as decisões dos capitalistas de expandir ou contrair, moldando tanto a tendência quanto os padrões cíclicos de comportamento do sistema.

Os autores argumentam curiosamente que a taxa de crescimento da taxa de mais-valia torna-se a variável explicativa chave das mudanças para cima e para baixo da taxa de lucro por duas razões: primeiro, formula o grau e o nível de desproporções entre os departamentos de consumo e investimento e, segundo, define a capacidade do sistema de gerar nova mais-valia suficiente em cada fase do processo de acumulação. “Ao fazer isso, a taxa de mais-valia torna-se a principal variável que determina a taxa de acumulação de capital e, na medida em que conhecemos a literatura, esse papel específico não foi adequadamente explorado”. Na verdade, esta é uma nova visão.

Como os autores enfatizam com razão, uma taxa de lucro em declínio não é “em si” capaz de gerar crises. De fato, se a queda na taxa de lucro for lenta o suficiente, a economia pode continuar a se expandir por muitos anos. O que é necessário é uma causa subjacente que transforme as crises de “possibilidade” em “realidade” (veja meu artigo, Tendências, gatilhos e tulipas). Tal causa é oferecida por Marx na trajetória da massa de mais-valia realizada (lucros). À medida que a taxa de lucro diminui, há um ponto em que os lucros líquidos maciços ou reais estagnam e até caem depois disso. Isso é o que pode ser chamado de “momento Marx” ou ponto de “superacumulação”. Nesse ponto de inflexão, os capitalistas se abstêm de investir e o sistema cai em uma espiral de crise.

Os autores nos fornecem novas evidências para a existência de ciclos longos e, ao fazê-lo, nos oferecem um importante indicador da “saúde” de longo prazo do capitalismo no século XXI. De acordo com a análise dos autores, o quinto ciclo K deve terminar até o final desta década (ver tabela acima).

*Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de The great recession: a marxist view (Lulu Press) [https://amzn.to/3ZUjFFj]

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente em The next recession blog.

Referência


Nikolaos Chatzarakis, Persefoni Tsaliki & Lefteris Tsoulfidis. Economic Growth and Long Cycles: A Classical Political Economy Approach. Routledge. 1ª edição (3 junho 2024), 286 págs. [https://amzn.to/3DQF2jO]


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