Por BRUNO MACHADO*
Sem o discurso populista de esquerda, Getúlio Vargas não teria feito as transformações econômicas no Brasil como fez, Leonel Brizola não teria o tamanho que teve no Brasil
1.
O populismo de esquerda que tanto foi alvo de críticas dos liberais brasileiros de Getúlio Vargas a Lula parece ter sido abandonado como estratégia de conquista do apoio popular para implementar mudanças estruturais no Estado brasileiro. O populismo hoje está sendo muito mais utilizado como ferramenta de força política pelo bolsonarismo do que pelo petismo.
Enquanto Jair Bolsonaro utiliza dos discursos anticorrupção, punitivismo penal e patriotismo para angariar a simpatia do brasileiro médio, o petismo se coloca em uma posição de defesa da institucionalidade, causando desconforto na sua militância que historicamente adotava uma posição política de anti-sistema. Abandonar a força do populismo em nome de uma política técnica e cientificamente limpinha é jogar fora uma boa arma na disputa pela opinião pública.
Desde a frente ampla de 2022, que incluiu Geraldo Alckmin e Simone Tebet, o petismo adotou um discurso mais próximo do tecnicismo tucano e o próprio presidente Lula tem feito discursos que parecem mais voltados ao Congresso e ao mercado do que a população em si, diferentemente do que fazia Jair Bolsonaro, por exemplo, em suas lives semanais as quintas-feiras. O episódio da fala de Fernando Haddad sobre compras na Shopee, onde o ministro do alto de sua soberba afirmou que compra livros na Amazon todo dia foi apenas um exemplo do afastamento do petismo do sentimento popular.
Além disso, enquanto Lula “taxou as blusinhas” da China, Jair Bolsonaro aumentou a validade da CNH para 10 anos, fato que é lembrado até hoje pelos brasileiros. É verdade que as mudanças nas compras internacionais foi apenas uma regulamentação para o cumprimento das leis que já existiam e não eram cumpridas e é verdade que o aumento da validade da CNH pode representar um risco maior para o trânsito, mas é fato que uma ação foi rejeitada pelo povo e outra foi aplaudida. É fundamental que o governo leve em conta a opinião pública e pequenos atos populistas de baixo custo devem sim ser utilizados para o ganho de força na opinião pública.
Outro ponto que colocado em perspectiva no orçamento público federal pode parecer irrisório, mas atinge em cheio a popularidade do governo são os gastos pessoais excessivos de Lula e Janja. Um presidente que esbanja com dinheiro público será visto com maus olhos pela população em qualquer país do mundo. Enquanto Jair Bolsonaro emulava uma falsa simplicidade com sua caneta Bic e seu pão francês com leite condensado, Lula não parece preocupado com isso enquanto o governo compra sofás de R$65 mil. É um erro achar que por ser irrelevante para o orçamento público os pequenos gastos pessoais do presidente da República não são importantes, pois para a moral popular são. Novamente o petismo cai no tecnicismo tucano em vez de utilizar a simplicidade do líder como instrumento de busca pela simpatia popular, como faziam José Mujica e López Obrador.
2.
O materialismo histórico como método de análise da sociedade é um dos pilares mais importantes do pensamento socialista, entretanto, na disputa democrática tanto pelo voto quanto pela opinião popular, a moralidade e a subjetividade cumprem papéis decisivos também. Se a esquerda quer maior poder popular para implementar mudanças além do que os bancos, o agro e os militares desejam, precisa se preocupar com o que pensa o brasileiro além das questões econômicas.
A ideia de que basta atuar nas bases para elevar a consciência de classe e a politização dos trabalhadores para que estes se unam aos partidos de esquerda que tem projetos de desenvolvimento econômico e distribuição de renda segue sendo o núcleo central da atuação da esquerda, mas não pode parar aí. As pautas moralistas de anticorrupção, punitivismo e patriotismo precisam ser recuperadas pela esquerda, ainda que não reflitam mudanças concretas na realidade e se convertam em medidas pontuais com eficácia reduzida e baixo custo-benefício.
A disputa pelas grandes questões da política brasileira, que envolve a dívida pública, o orçamento, as estatais, os direitos trabalhistas, a previdência, o agro, o sistema financeiro, as universidades e etc., é importante demais para ser perdida por questões que envolvem apenas o discurso, a moral e as aparências. É preciso vencer em todas as frentes.
O recente governo de López Obrador no México demonstrou a força que o populismo pode dar a esquerda enquanto desarma a direita, obrigando-a a ir para o debate público com suas políticas concretas, que são majoritariamente anti-povo e impopulares. Se Lula abraçasse o populismo de esquerda como López Obrador, talvez Jair Bolsonaro tivesse que ir para a disputa eleitoral com sua agenda política real e concreta, que é a agenda Paulo Guedes, da carteira verde e amarela, da previdência por regime de capitalização e da privatização das estatais.
É importante ressaltar que reconhecer a eficiência do método de governo de López Obrador não significa defender integralmente suas ideias e muito menos replicá-las cegamente no Brasil, não se pode esquecer do negacionismo de Obrador frente a pandemia e os danos que causou a saúde da população mexicana com seus discursos, na mesma linha que fez Jair Bolsonaro no Brasil.
Para derrotar o bolsonarismo e seus sucessores na direita, as lideranças de esquerda precisam se reconectar com o brasileiro médio, se aproximar da moral popular e sua religiosidade, capturar os discursos da anticorrupção, do punitivismo e do patriotismo que hoje pertencem à direita, e utilizar mais da comunicação direta com o eleitor, como fizeram Jair Bolsonaro e López Obrador, em vez de se limitar as campanhas de marketing e as coletivas de imprensa de sempre. Se não o fizer, correrá grande risco de perder para a onda do populismo de direita que veio com Donald Trump nos EUA, Javier Milei na Argentina e ainda tem força com Jair Bolsonaro no Brasil. O México mostrou o caminho.
Sem o discurso populista de esquerda, Getúlio Vargas não teria feito as transformações econômicas no Brasil como fez, Leonel Brizola não teria o tamanho que teve no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, e provavelmente Lula não teria sido eleito em 2002. Se a esquerda quer vencer a disputa pelo poder real para transformar o Brasil de forma estrutural, não pode deixar o canhão do populismo nas mãos da direita.
*Bruno Machado é engenheiro.
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