Seis militares no banco dos réus

Imagem: Yaşar Başkurt
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Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*

A cena histórica de seis militares no banco dos réus é um símbolo da derrocada do projeto golpista que visava impedir Lula de “subir a rampa do Palácio do Planalto”

1.

Pergunta do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, Relator da Ação Penal 2668, ao réu Jair Bolsonaro, durante o interrogatório realizado em 10/06/2025: “É a segunda vez que o senhor fala isso, é importante esclarecer: O senhor está dizendo que a cogitação, a conversa, o início dessa questão de estado de sítio, de estado de defesa, teria sido em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral. É isso?”.

Resposta do réu Bolsonaro: “Sim, Senhor”.

A cena com seis militares no banco dos réus, outrora ocupantes de postos expoentes no Executivo federal, com posturas ameaçadoras, histéricas, supostamente determinados a fazer com que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito pelo voto soberano popular, não subisse a rampa do Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2023, impõe minimamente às instituições democráticas brasileiras uma séria reflexão sobre as razões pelas quais militares sintam-se em posição de cogitar a implantação da violência do estado de sítio ou de defesa por haverem sido contrariados seus interesses pessoais e corporativos, políticos e econômicos, e que medidas adotar para barrar de vez tal aberração.

O capitão Jair Bolsonaro, o general Braga Netto (preso por decretação de Alexandre de Moraes), o general Augusto Heleno, o general Paulo Sérgio, o almirante Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cid, conforme a denúncia apresentada pelo Procurador-Geral Paulo Gonet, são réus por integrarem de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída desde 29 de junho de 2021, operando até 8 de janeiro de 2023, visando ao empreendimento de Golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito, cujos delitos planejados não se deram de forma instantânea, mas se desenrolaram em cadeia de acontecimentos, num processo, para citar o célebre escritor tcheco Franz Kafka.

Como atestou o Procurador Geral na denúncia oferecida, não há ofensa institucionalmente mais grave à democracia do que o atentado pelo impedimento da atuação de quaisquer dos poderes, sobretudo por meio da força não autorizada constitucionalmente. A democracia é causa eficiente do respeito da dignidade humana, por isso precisa ser protegida em grau máximo, e todos aqueles que atentarem de forma violenta e armada contra sua existência, devem ser punidos exemplarmente. Portanto, não cabe anistia a tais criminosos.

Bem anotado pelo Ministro Alexandre, na pergunta registrada acima, um dos focos da ação da referida organização criminosa foi o combate sistemático e crescente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e às urnas eletrônicas, uma vez que por meio do voto escrito, objetivo da ação da organização criminosa, é infinitamente mais fácil ameaçar e manipular eleitores nos mais diversos rincões urbanos e rurais, como ocorria em passado não tão remoto no Brasil.

Era o que almejava a referida organização criminosa: enfraquecer o seguro processo eletrônico de votação brasileira, de referência mundial, para retroceder ao passado do voto escrito ou impresso. 

2.

Curioso assistir ao então corajoso general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, comparecendo ao interrogatório como um rato-toupeira-pelado, combinando perguntas e respostas escritas com o seu patrono, negando qualquer tipo de possibilidade de resposta a questionamentos advindos da parte do Ministro relator e do Procurador geral. Afinal, a mentira tem pernas curtas. A covardia também.

Simultaneamente, merecedor de toda a atenção, o depoimento do capitão Jair Bolsonaro, pedindo clemência, rastejando aos pés daquele ministro para o qual disparou, quando esteve no poder, uma centena de ataques verbais (“Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha!”), incentivando o seu gado às mais alucinadas e violentas ações físicas e midiáticas contra Alexandre de Moraes e ao Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de um elemento mentiroso contumaz, fazendo daquele momento mais um espetáculo eleitoral para a sua claque produzir matéria publicitária na internet.

Quando a mentira surge como um fim político, tornando-se um fim em si mesma, onde a falsidade é cultivada como prática regular e aceitável, a confiança na política e nos políticos se deteriora, abrindo espaço para aventureiros autoritários.

Para esses fétidos aventureiros, a verdade passa a ser um obstáculo, disparando contra os cidadãos uma sobrecarga de desinformações visando manipular a compreensão da realidade por parte da sociedade, para poder melhor adequá-la segundo seus interesses de grupo.

O efeito drástico de normalizar a mentira como ferramenta política é a corrosão da democracia. E isto fica, mais uma vez, bem nítido no depoimento do réu do capitão Jair Bolsonaro.

A sistemática adotada por Jair Bolsonaro, de produção da mentira de forma estruturada, tem sido amplamente discutida por especialistas e veículos da imprensa progressista de nosso país, ao utilizar a desinformação como estratégia política para mobilizar sua base de apoiadores e descredibilizar seus inimigos políticos. Há levantamentos que Jair Bolsonaro fez, em média, três declarações falsas ou distorcidas por dia durante os seus dois primeiros anos de mandato.[1]

A questão, portanto, que se coloca como desafio nacional: o que é intolerável no espaço público democrático, para proteger a democracia em grau máximo? 

As respostas a esta questão provocarão consequências profundas, tanto na estrutura do sistema político, extirpando de vez qualquer possibilidade de autoritarismo militar ou de outra ordem, como nos limites aceitáveis da convivência democrática.

*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas públicas e sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Nota

[1] https://www.aosfatos.org/noticias


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