Por SIMÃO PEDRO*
Um final de ano de enormes desafios para a esquerda brasileira
Nos últimos dias foram divulgados os dados de duas pesquisas de opinião sobre a conjuntura e avaliação do governo Bolsonaro. Uma é a encomendada pela revista Exame em parceria com o instituto Ideia Big Data, que mostra Bolsonaro em vantagem em relação aos seus potenciais adversários, incluindo Lula, com quem empata entre os eleitores das classes D e E, ou seja, os mais pobres e ganha entre os mais ricos.
A outra pesquisa é a do Instituto PoderData, que mostra que 50% dos brasileiros aprovam o governo Bolsonaro enquanto que 41% o desaprovam. Mas, esta última, bem mais completa, mostra que entre os 24% que acham o governo regular, cresce o número dos que desaprovam o governo e mostra ainda que caiu a aprovação no Nordeste, apesar da intensificação de agendas do presidente naquela região no último mês. É sobre isso que quero tecer a reflexão.
Importante registrar que ambas as pesquisas foram feitas por telefones e celulares. Há muito questionamento sobre essa metodologia, já que o índice de aceitação para ser entrevistado é pequeno comparado ao de entrevista externas ou em residências. Isso leva a inferir que quem dá entrevista já está predisposto politicamente, e também tem a ordem das perguntas que pode influenciar nas respostas.
O que se verifica conforme as pesquisas, que usam essa metodologia, é que realmente o Auxílio Emergencial, a liberação do FGTS e do PIS trouxeram um alívio, -além da fadiga da Pandemia, apesar das 125 mil mortes e 4 milhões de contaminações até aqui, -serviram para alavancar a aprovação do ex-capitão. Porém, essa curva vai voltando ao viés de baixa, como se vê no segmento que avalia como regular e na estabilidade da aprovação e desaprovação. Isso se deve há muito fatores: 1) o Auxílio Emergencial vai diminuir e pode até acabar já que no Orçamento Federal de 2021 não foi previsto nada nesse sentido e muita gente ainda tem dificuldade de acessar; 2) a economia despencou e emperrou de vez (- 10% no último trimestre); 3) o custo de vida aumentou muito, o pacote de arroz de 5kg já chega a R$ 30 reais – no tempo de Lula era R$ 10 reais, lembram? 4) o desemprego não abaixa, muito pelo contrário; 5) as pequenas e médias empresas estão quebrando e falindo e a indústria e comércio não vêem saídas, só o agronegócio está indo mais ou menos nesse governo, mesmo assim já é o grande vilão mundial do desmatamento e destruição da Amazônia junto com Bolsonaro.
Mas apoiado nessa ainda boa avaliação, o ministro neoliberal Paulo Guedes e o presidente fascista estão passando a boiada em tudo, numa espécie de casamento entre essas duas correntes ideológicas destrutivas, basta vermos as suas últimas iniciativas: as propostas do orçamento para 2021 que corta R$ 31 bilhões da Saúde e a da reforma administrativa, que propõe o fim da estabilidade do funcionalismo. Alguns eixos centrais desse enlace: 1) a clássica entrega do patrimônio público e agora dos serviços do estado brasileiro, acelerada pelo governo militar-miliciano, num modelo copiado do Chile de Pinochet; 2) a flexibilização e destruição dos marcos regulatório do trabalho, da organização sindical e dos direitos dos trabalhadores, vindas desde o governo Temer, que desestabilizaram a força política dos sindicatos; 4) o enfraquecimento do estado enquanto agente regulador do mercado e provedor do estado de bem estar social, o que leva também ao enfraquecimento do serviço público e consequentemente da imagem do servidor público; 5) uma nova configuração do trabalho agora plataformizado que piora a precarização, mas, politicamente, pode provocar a aversão ao trabalho formal e ao estável do concurso público; 6) o caos político via estímulo ao ódio e desinformação através das redes de fakes news e da mídia grande ligadas aos interesses do sistema financeiro e religioso; 7) o sistema político, midiático, jurídico, policial e religioso que se mantêm, apesar das suas contradições, amalgamadas pelo bolsonarismo.
Outro ingrediente nesse caldo é o papel que desemprenham alguns governadores, como o novo grão tucano de São Paulo, João Dória, que apesar de divergir pontualmente com o presidente nas questões técnicas do enfrentamento da Pandemia, na questão da destruição do Estado vai na mesma linha da área econômica do governo central. Aproveitando-se da “distração“ geral causada pela devastação de vidas pelo Covid-19, tenta aprovar uma “reforma administrativa“ que acaba com fundos de financiamento das universidades, extingue empresas e autarquias estratégicas para o desenvolvimento do Estado, estruturação de políticas públicas e prestação de serviços fundamentais à população, com o condão de “cortar gastos”.
Aqui no Estado de São Paulo o desafio é derrotar o PL 529/20 do Dória, engrossando a luta dos servidores que perderão empregos concursados e a da população e movimentos sociais que perderão os serviços como a assistência técnica rural, habitação popular, entre outros.
No plano federal as organizações do funcionalismo público, com apoio dos partidos progressistas e dos movimentos sindical e popular, terão que organizar a resistência para não deixar passar mais essa malfadada reforma administrativa, ou as “bombas” que Paulo Guedes prometeu colocar no bolso do funcionalismo público, que têm simpatia dos representantes da direita, no Congresso, como o presidente Rodrigo Maia e na mídia grande como já demostraram Folha de São Paulo e Rede Globo. Não será fácil, mas taí um desafio para o movimento sindical iniciar a volta por cima das derrotas que sofreu com as reformas sindical, trabalhista e da previdência. A primeira fez com que os sindicatos perdessem mais de 3 milhões de filiados.
Ainda no plano institucional, o desafio grande para os parlamentares da esquerda, aliados aos progressistas, é a luta pela prorrogação do Auxílio Emergencial de R$ 600,00 até o fim da Pandemia e sua substituição por um programa de Renda Básica de Cidadania permanente, nos moldes que propõe o incansável Eduardo Suplicy. Sem isso, a tragédia que já atinge milhões de brasileiros, será bem pior, com possibilidades reais de convulsões sociais e aumento da violência, causadas pelo desespero de muitos pais e mães de famílias. Neste terreno, nossos parlamentares foram bem, impondo derrotas à ala econômica neoliberal, como quando aprovou um valor maior do que o governo propunha para o Auxílio Emergência e na aprovação do Fundeb.
E temos aí logo à frente as eleições e as campanhas que começam no fim deste mês. Depois da derrota de 2016, está será uma grande oportunidade para o Partido dos Trabalhadores recuperar musculatura política elegendo prefeitos e vereadores principalmente nas grades cidades e capitais e impondo derrota ao bolsonarismo e seus assemelhados que agora vem como força política mais organizada na sociedade. Mas, um obstáculo para isso é a própria divisão da Esquerda em importantes localidades e onde justamente as forças de direita e extrema-direita jogaram mais pesado para derrotar a Esquerda nas eleições de 2016 e 2018: São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Diferente de Porto Alegre, Florianópolis, Belém e Recife, por exemplo, onde PT, PCdoB e PSOL marcham unidos, aqui no Sudeste não se conseguiu essa unidade. Um risco grande demais, mas que, nesta altura do calendário, será difícil mudar o rumo.
O bolsonarismo, sistema que alia o ultraneoliberalismo e o fascismo, aproveita a onda do caos econômico e social para angariar índices de aprovação via auxílio emergencial, porém, demonstra fortemente suas fraquezas e contradições para que as forças progressistas consigam atuar em defesa da população e da soberania nacional, desde que o façam em conjunto para obter vitórias. Nesse cenário, enormes desafios se impõem para aqueles que entendem que a resistência e não o conformismo é o caminho a continuar a ser trilhado.
*Simão Pedro foi deputado estadual (2003-2015) e secretário municipal de serviços no governo de Fernando Haddad.