Por FELIPE GALLO DA FRANCA*
O que podemos esperar da propaganda eleitoral durante uma pandemia?
A pandemia do COVID-19 trouxe impactos para diversos setores da sociedade, afetando, também, as eleições de 2020. Além da mudança das datas, a Justiça Eleitoral adotou uma série de protocolos sanitários para garantir uma eleição segura.
Contudo, uma eleição não é uma escolha protocolar em que o cidadão simplesmente cumpre uma obrigação legal. É um momento fulcral em nossa democracia, visto que é a oportunidade de escolha dos rumos da política, no caso de 2020, municipal. Para que o eleitor seja capaz de fazer uma escolha consciente das lideranças políticas que o representarão, ele precisa informar-se e é nesse momento que podemos refletir sobre a importância da propaganda eleitoral para a democracia.
Muito além de ser um direito das candidaturas, a propaganda eleitoral é um direito dos cidadãos, porque, além de ter acesso às propostas políticas dos candidatos, o eleitor tem contato com a crítica política dos principais concorrentes ao pleito.
Apesar de sua importância, os movimentos recentes de “mini-reforma eleitoral”, com o objetivo de reduzir os custos das campanhas, passaram a diminuir cada vez mais as possibilidades de propaganda. Nesse sentido, tivemos nos últimos anos: (i) a redução do tempo de propaganda eleitoral de 90 para 45 dias; (ii) a vedação à veiculação de propaganda em outdoors, cavaletes, bandeiras fixas, muros e fachadas; (iii) a não veiculação de propaganda em rede das candidaturas à vereança no horário eleitoral gratuito; (iv) o impedimento de veiculação em carro de som ou minitrios em eventos que não sejam carreatas ou congêneres; entre outros.
Tendo em vista as restrições à realização de “campanhas tradicionais”, aos poucos as propagandas passaram a migrar cada vez mais para o ambiente virtual. As campanhas passaram a ver as redes sociais como um ambiente propício, em razão do seu baixo custo e alcance do eleitorado, mesmo se pensarmos nas limitações causadas pelos algoritmos e a criação de “bolhas”. Cabe ressaltar que tal fenômeno tende a se intensificar com o advento da pandemia, em que várias campanhas devem migrar para o ambiente virtual.
Tendo em vista esse “novo” cenário, a legislação eleitoral, aos poucos, começou a regulamentar a propaganda na internet. Foram permitidas (i) a arrecadação de recursos em sites; (ii) o incentivo ao financiamento coletivo através de plataformas de crowdfunding; (iii) o impulsionamento pago de conteúdo; e (iv) a veiculação de propaganda em sites¸ redes sociais e blogs de candidatos.
Mas as experiências recentes com a propaganda na internet demonstraram problemas não aventados anteriormente pela legislação eleitoral. De um lado, temos a desinformação, comumente denominada como fake news. Através de uma coleta massiva de dados e da utilização dos algoritmos de maneira estratégica, algumas candidaturas foram acusadas de promoverem uma campanha ordenada de desinformação em massa, repassando mensagens e notícias falsas sobre outras candidaturas.
Por outro lado, o mecanismo legal normalmente utilizado pelas candidaturas para enfrentar a disseminação de desinformação é a remoção do conteúdo, estratégia muito criticada por especialistas pelo potencial da desinformação ser confundido com o direito à crítica ou opinião.
Dessa forma, em “eleições pandêmicas” encontramos dois desafios para realização da propaganda eleitoral.
Nas “campanhas de rua”, além das inúmeras vedações mencionadas acima, as candidaturas deverão preocupar-se com as condições sanitárias de seus apoiadores. Cabe ressaltar que a Emenda Constitucional 107/20, responsável pelo adiamento do pleito, não estabeleceu nenhuma vedação para realização de propaganda eleitoral durante o período da pandemia. Pelo contrário, a norma permitiu uma flexibilização da realização de publicidade institucional de órgãos públicos municipais com o objetivo de promover atos e campanhas destinados ao enfrentamento da pandemia, o que, em outros tempos, poderia ser considerada uma conduta vedada, nos termos do art. 73 da Lei, 9.504/97.
Além disso, a EC impediu que norma municipal limitasse a realização de propaganda eleitoral, salvo se houver decisão fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional. A intenção desse dispositivo foi de limitar o abuso do poder político, visto que candidatos à reeleição poderiam tentar impedir a campanha eleitoral de seus adversários através de norma municipal.
Já nas “campanhas virtuais” o desafio é tentar minimizar os efeitos da desinformação, sem que o eleitor tenha cerceado seu direito de expressar-se livremente. Para tanto, a própria Resolução 23.610/2019, que regulamenta a propaganda eleitoral na internet deixa claro o respeito à liberdade de expressão.
Dessa forma, além das naturais adversidades de uma eleição durante a pandemia, a Justiça Eleitoral vai encontrar um enorme desafio em fiscalizar a propaganda eleitoral, seja nas campanhas de rua ou nas virtuais.
*Felipe Gallo da Franca é mestre em Direito Político pela UFMG e membro da Comissão de Direito Municipal da OAB-MG.
Publicado originalmente no Observatório das Eleições 2020 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).