Eleições pandêmicas

Imagem: Thelma Lessa da Fonseca
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FELIPE GALLO DA FRANCA*

O que podemos esperar da propaganda eleitoral durante uma pandemia?

A pandemia do COVID-19 trouxe impactos para diversos setores da sociedade, afetando, também, as eleições de 2020. Além da mudança das datas, a Justiça Eleitoral adotou uma série de protocolos sanitários para garantir uma eleição segura.

Contudo, uma eleição não é uma escolha protocolar em que o cidadão simplesmente cumpre uma obrigação legal. É um momento fulcral em nossa democracia, visto que é a oportunidade de escolha dos rumos da política, no caso de 2020, municipal. Para que o eleitor seja capaz de fazer uma escolha consciente das lideranças políticas que o representarão, ele precisa informar-se e é nesse momento que podemos refletir sobre a importância da propaganda eleitoral para a democracia.

Muito além de ser um direito das candidaturas, a propaganda eleitoral é um direito dos cidadãos, porque, além de ter acesso às propostas políticas dos candidatos, o eleitor tem contato com a crítica política dos principais concorrentes ao pleito.

Apesar de sua importância, os movimentos recentes de “mini-reforma eleitoral”, com o objetivo de reduzir os custos das campanhas, passaram a diminuir cada vez mais as possibilidades de propaganda. Nesse sentido, tivemos nos últimos anos: (i) a redução do tempo de propaganda eleitoral de 90 para 45 dias; (ii) a vedação à veiculação de propaganda em outdoors, cavaletes, bandeiras fixas, muros e fachadas; (iii) a não veiculação de propaganda em rede das candidaturas à vereança no horário eleitoral gratuito; (iv) o impedimento de veiculação em carro de som ou minitrios em eventos que não sejam carreatas ou congêneres; entre outros.

Tendo em vista as restrições à realização de “campanhas tradicionais”, aos poucos as propagandas passaram a migrar cada vez mais para o ambiente virtual. As campanhas passaram a ver as redes sociais como um ambiente propício, em razão do seu baixo custo e alcance do eleitorado, mesmo se pensarmos nas limitações causadas pelos algoritmos e a criação de “bolhas”. Cabe ressaltar que tal fenômeno tende a se intensificar com o advento da pandemia, em que várias campanhas devem migrar para o ambiente virtual.

Tendo em vista esse “novo” cenário, a legislação eleitoral, aos poucos, começou a regulamentar a propaganda na internet. Foram permitidas (i) a arrecadação de recursos em sites; (ii) o incentivo ao financiamento coletivo através de plataformas de crowdfunding; (iii) o impulsionamento pago de conteúdo; e (iv) a veiculação de propaganda em sites¸ redes sociais e blogs de candidatos.

Mas as experiências recentes com a propaganda na internet demonstraram problemas não aventados anteriormente pela legislação eleitoral. De um lado, temos a desinformação, comumente denominada como fake news. Através de uma coleta massiva de dados e da utilização dos algoritmos de maneira estratégica, algumas candidaturas foram acusadas de promoverem uma campanha ordenada de desinformação em massa, repassando mensagens e notícias falsas sobre outras candidaturas.

Por outro lado, o mecanismo legal normalmente utilizado pelas candidaturas para enfrentar a disseminação de desinformação é a remoção do conteúdo, estratégia muito criticada por especialistas pelo potencial da desinformação ser confundido com o direito à crítica ou opinião.

Dessa forma, em “eleições pandêmicas” encontramos dois desafios para realização da propaganda eleitoral.

Nas “campanhas de rua”, além das inúmeras vedações mencionadas acima, as candidaturas deverão preocupar-se com as condições sanitárias de seus apoiadores. Cabe ressaltar que a Emenda Constitucional 107/20, responsável pelo adiamento do pleito, não estabeleceu nenhuma vedação para realização de propaganda eleitoral durante o período da pandemia. Pelo contrário, a norma permitiu uma flexibilização da realização de publicidade institucional de órgãos públicos municipais com o objetivo de promover atos e campanhas destinados ao enfrentamento da pandemia, o que, em outros tempos, poderia ser considerada uma conduta vedada, nos termos do art. 73 da Lei, 9.504/97.

Além disso, a EC impediu que norma municipal limitasse a realização de propaganda eleitoral, salvo se houver decisão fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional. A intenção desse dispositivo foi de limitar o abuso do poder político, visto que candidatos à reeleição poderiam tentar impedir a campanha eleitoral de seus adversários através de norma municipal.

Já nas “campanhas virtuais” o desafio é tentar minimizar os efeitos da desinformação, sem que o eleitor tenha cerceado seu direito de expressar-se livremente. Para tanto, a própria Resolução 23.610/2019, que regulamenta a propaganda eleitoral na internet deixa claro o respeito à liberdade de expressão.

Dessa forma, além das naturais adversidades de uma eleição durante a pandemia, a Justiça Eleitoral vai encontrar um enorme desafio em fiscalizar a propaganda eleitoral, seja nas campanhas de rua ou nas virtuais.

*Felipe Gallo da Franca é mestre em Direito Político pela UFMG e membro da Comissão de Direito Municipal da OAB-MG.

Publicado originalmente no Observatório das Eleições 2020 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
José Luís Fiori Jean Marc Von Der Weid Mariarosaria Fabris Bruno Fabricio Alcebino da Silva Luiz Roberto Alves Henri Acselrad Paulo Capel Narvai Bruno Machado Dennis Oliveira Rafael R. Ioris Leda Maria Paulani Fernão Pessoa Ramos Alysson Leandro Mascaro Marcelo Módolo Elias Jabbour Carla Teixeira Annateresa Fabris Luis Felipe Miguel Ronald Rocha Michael Löwy Remy José Fontana Julian Rodrigues Osvaldo Coggiola Salem Nasser Lincoln Secco Kátia Gerab Baggio Manchetômetro Luiz Carlos Bresser-Pereira Marcos Aurélio da Silva Daniel Afonso da Silva Daniel Brazil Carlos Tautz Alexandre Aragão de Albuquerque Paulo Nogueira Batista Jr Gilberto Maringoni Heraldo Campos Vladimir Safatle Gerson Almeida Ronaldo Tadeu de Souza José Costa Júnior Caio Bugiato Afrânio Catani Ricardo Musse Milton Pinheiro Érico Andrade Eleonora Albano Michel Goulart da Silva José Machado Moita Neto Paulo Fernandes Silveira João Paulo Ayub Fonseca Luiz Werneck Vianna Jean Pierre Chauvin Lorenzo Vitral Liszt Vieira Igor Felippe Santos Priscila Figueiredo Sergio Amadeu da Silveira Flávio R. Kothe Paulo Martins Marcos Silva Matheus Silveira de Souza Luiz Eduardo Soares Gilberto Lopes Ricardo Antunes Flávio Aguiar Marjorie C. Marona Atilio A. Boron André Márcio Neves Soares Tarso Genro Francisco Pereira de Farias Luiz Renato Martins Manuel Domingos Neto Slavoj Žižek Denilson Cordeiro Marcelo Guimarães Lima Rubens Pinto Lyra Marilena Chauí Eduardo Borges Chico Whitaker Luís Fernando Vitagliano Fábio Konder Comparato Yuri Martins-Fontes Andrew Korybko Ari Marcelo Solon Leonardo Avritzer Jorge Branco Francisco Fernandes Ladeira Antonio Martins João Sette Whitaker Ferreira Walnice Nogueira Galvão João Carlos Salles José Dirceu Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Luiz Marques Marilia Pacheco Fiorillo Luciano Nascimento Alexandre de Lima Castro Tranjan Celso Favaretto Chico Alencar André Singer Rodrigo de Faria Armando Boito João Feres Júnior Jorge Luiz Souto Maior Airton Paschoa Paulo Sérgio Pinheiro Lucas Fiaschetti Estevez Daniel Costa Plínio de Arruda Sampaio Jr. Leonardo Sacramento Eleutério F. S. Prado Ricardo Abramovay Claudio Katz Renato Dagnino Antônio Sales Rios Neto Fernando Nogueira da Costa Anderson Alves Esteves Sandra Bitencourt Bento Prado Jr. Berenice Bento Ricardo Fabbrini Antonino Infranca Tadeu Valadares Henry Burnett Vinício Carrilho Martinez Dênis de Moraes Bernardo Ricupero Everaldo de Oliveira Andrade Thomas Piketty João Lanari Bo João Adolfo Hansen Celso Frederico Valerio Arcary José Raimundo Trindade Samuel Kilsztajn Eliziário Andrade Vanderlei Tenório Eugênio Trivinho Luiz Bernardo Pericás Ladislau Dowbor José Micaelson Lacerda Morais Ronald León Núñez Eugênio Bucci Otaviano Helene Juarez Guimarães Boaventura de Sousa Santos Anselm Jappe Andrés del Río Gabriel Cohn Marcus Ianoni Mário Maestri Leonardo Boff José Geraldo Couto Maria Rita Kehl Benicio Viero Schmidt Francisco de Oliveira Barros Júnior Alexandre de Freitas Barbosa Michael Roberts João Carlos Loebens Tales Ab'Sáber

NOVAS PUBLICAÇÕES