Por FABIANO SANTOS*
Uma análise das causas da recente fragmentação partidária no Brasil
Um dos principais problemas da política brasileira diz respeito ao sistema partidário. Eleição após eleição, principalmente nas realizadas para a Câmara dos Deputados, os analistas vêm mostrando a ampliação da fragmentação. A explosão do número de partidos, em particular, acontece a partir de 2006-2010, revertendo uma tendência histórica – notada desde a transição da ditadura para a Nova República – de concentração das forças partidárias em torno de alguns clusters, de alguns agrupamentos políticos. A fragmentação aumentou de 2010 para 2014 e, de forma muito significativa, de 2014 para 2018.
Fragmentação é um nome técnico utilizado na ciência política para designar o grau de dispersão das forças políticas – o que pode sinalizar problemas de governabilidade, capacidade de organizar coalizões, consistência no processo decisório. Como se trata de um tema importante na ciência política, agora, na eleição local, existe muita curiosidade para saber, afinal de contas, qual é a origem dessa fragmentação, como ela está distribuída nas regiões, no país, em suma, se ela tem origem na vida política dos municípios.
As eleições municipais constituem assim um experimento significativo no exame da trajetória do sistema político brasileiro, nas análises sobre qual é o seu processo e como os partidos estão se organizando em torno disso. Gostaria de chamar a atenção para um aspecto importante para a investigação do problema da fragmentação que é a questão geográfica.
Alguns estudos elaborados mais recentemente mostram que a fragmentação tem muito a ver com os pequenos partidos. Se há muita fragmentação é porque os grandes partidos dispõem de pouca força hegemônica, o que acarreta uma dispersão grande para partidos médios e pequenos. Nessa linha de pesquisa existe uma preocupação destacada com os partidos de aluguel, os partidos nanicos, os partidos que são feitos de uma hora para outra e são desfeitos em uma velocidade muito grande, que só existem para momentos eleitorais e para negociações.
Quando se observa a geografia da fragmentação é possível notar um dado muito interessante. Os partidos de centro-direita – o PSDB, o DEM, o PMDB, o PP –, têm muita força no Brasil litoral, no Brasil tradicional, no Brasil da Colônia para a frente, no Brasil que se industrializou. E há muita fragmentação e partidos pequenos, nanicos, periféricos, nas demais regiões, ou seja, longe do Sul, do Sudeste e de uma determinada faixa do Nordeste, que é mais litorânea.
Quando se examina com lupa, quando se observa as eleições locais para as assembleias legislativas e depois para a Câmara dos Vereadores e para as prefeituras, nota-se uma grande fragmentação, a presença nas disputas locais de um grande número de partidos periféricos que não têm sequer representação na Câmara dos Deputados. Isso acontece especialmente, e com mais força, na região Centro-Oeste, na região Norte e num pedaço do Nordeste.
Assim cabe destacar duas coisas importantíssimas nas eleições locais. Como essas fragmentações se distribuem nas eleições para as prefeituras e para as Câmaras de Vereadores? Será que a distribuição geográfica é homogênea em todo o país? A minha desconfiança é que não. Nós vamos observar de novo os partidos periféricos, nanicos, sem expressão nacional tendo representatividade nessas regiões de fronteira, que são regiões relativamente recentes na geografia brasileira.
O outro aspecto a ser destacado é a distribuição ideológica dessa fragmentação. Temos que partir da seguinte hipótese: qual é a importância desses partidos – pouco expressivos do ponto de vista nacional – para o campo da direita política. Afinal, a mesma coisa não se reflete no campo da esquerda, que tem certa hegemonia do PT, tem o PSB, tem o PDT competindo, e agora o PSOL.
Temos assim duas hipóteses principais a respeito da fragmentação a serem examinadas na computação dos resultados das eleições locais. Primeiro, a sua distribuição geográfica, para verificar se há mais fragmentação, ou melhor, uma fragmentação induzida pela presença de mais partidos nanicos, nas regiões de fronteira. A segunda consiste em verificar se essa pulverização de partidos periféricos se deve à pouca capacidade dos partidos tradicionais de direita de penetrarem nessas regiões. Nesse caso trata-se de fenômeno atinente sobretudo à direita e aos seus vários formatos do que às outras forças do centro-esquerda e da esquerda.
*Fabiano Santos é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), onde coordena o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON).
Texto estabelecido a partir de depoimento para o Observatório das Eleições 2020 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).