O racismo mata?

Imagem: Marcio Costa
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ÉRICO ANDRADE & PAULO FERNANDO PEREIRA DE SOUZA*

E o que há de estrutural no racismo é a compreensão da raça como dispositivo de controle social

O que garante que um crime foi racista? A resposta a essa pergunta no campo do Direito passa pela tipificação do crime. Ou seja, o enquadramento no que é descrito como crime no Código Penal passa pela identificação do crime de racismo ou do crime de injúria racial. O racismo como agravante penal foi votado pelo Senado recentemente, mas ainda não é aplicado.

É importante ressaltar que a criminalização do racismo foi um avanço no sentido de reconhecimento da prática do racismo no Brasil como uma das formas mais recorrentes de injúria, mas no jogo jurídico a prova do crime de racismo envolve noções de causalidade, responsáveis por explicar o fator decisivo para a ocorrência de um fenômeno, que estão longe de esgotar a dimensão estrutural do racismo. Ou seja, a discussão jurídica sobre os crimes supracitados pode não reconhecer que foram casos estritamente de injúria racial, mas isso não importa para o reconhecimento de que aquelas mortes refletem uma sociedade estruturalmente racista.

E o que há de estrutural no racismo é a compreensão da raça como dispositivo de controle social como muito bem aponta Achille Mbembe. Assim, o uso da violência física disciplinar é um elemento fundamental nas relações sociais no Brasil e tem a sua origem claramente na escravidão. Nesse sentido, as pessoas negras foram historicamente castigadas exemplarmente em praça pública, chicoteados, esmurrados, esbofeteados etc., sem, contudo, ocorrer uma mudança substancial nos dias correntes. Opera-se uma continuidade dessa lógica colonial no sentido da autorização – tácita e muitas vezes inconsciente – da violência contra a pessoa negra, da omissão de cuidado com as pessoas negras, especialmente crianças e com uma violência dirigida majoritariamente às pessoas negras.

Nessa perspectiva, se, por um lado, é fundamental reconhecer a importância da criminalização do racismo, por outro, é essencial compreender que a mudança não passa pela esfera jurídica que funciona, ou deveria funcionar, como reparadora do direito, uma vez que a justiça não promove as condições para a realização do direito. Por isso, o caráter estrutural do racismo deve ser combatido com uma educação antirracista com foco na compreensão de que a formação racista do Brasil é a causa, compreendida como condição material e estrutural, da desigualdade não apenas da pobreza, mas das mortes violentas que têm no corpo negro o seu destino mais comum.

*Érico Andrade é professor de filosofia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

*Paulo Fernando Pereira de Souza é psicanalista.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Valerio Arcary Manchetômetro Eleonora Albano Fábio Konder Comparato Fernão Pessoa Ramos Marcos Aurélio da Silva Slavoj Žižek Juarez Guimarães Eliziário Andrade Gerson Almeida Gilberto Lopes Luis Felipe Miguel Airton Paschoa Caio Bugiato Eugênio Bucci Ricardo Musse João Sette Whitaker Ferreira Chico Whitaker Ricardo Fabbrini Elias Jabbour Jean Marc Von Der Weid Ronaldo Tadeu de Souza Paulo Capel Narvai Celso Frederico Henry Burnett Bento Prado Jr. Mário Maestri Jorge Luiz Souto Maior Carla Teixeira Remy José Fontana Paulo Nogueira Batista Jr Alexandre de Lima Castro Tranjan Celso Favaretto Igor Felippe Santos Berenice Bento Fernando Nogueira da Costa José Micaelson Lacerda Morais Alexandre de Freitas Barbosa Jean Pierre Chauvin José Costa Júnior Ronald Rocha Milton Pinheiro Rafael R. Ioris Bruno Fabricio Alcebino da Silva Renato Dagnino Paulo Sérgio Pinheiro André Márcio Neves Soares Érico Andrade José Raimundo Trindade Denilson Cordeiro Plínio de Arruda Sampaio Jr. Francisco Fernandes Ladeira Eleutério F. S. Prado Carlos Tautz Luiz Bernardo Pericás Osvaldo Coggiola Atilio A. Boron Michel Goulart da Silva Benicio Viero Schmidt Antonio Martins Marcelo Módolo Claudio Katz Everaldo de Oliveira Andrade Annateresa Fabris João Lanari Bo Daniel Afonso da Silva Gilberto Maringoni Ladislau Dowbor Samuel Kilsztajn Priscila Figueiredo Tales Ab'Sáber Dennis Oliveira Michael Roberts Luiz Roberto Alves João Paulo Ayub Fonseca Rodrigo de Faria Paulo Fernandes Silveira Flávio Aguiar Anselm Jappe Yuri Martins-Fontes João Adolfo Hansen João Carlos Loebens Dênis de Moraes Salem Nasser Marjorie C. Marona Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Alysson Leandro Mascaro Maria Rita Kehl Luiz Eduardo Soares Flávio R. Kothe Marilia Pacheco Fiorillo Walnice Nogueira Galvão Matheus Silveira de Souza Paulo Martins Luciano Nascimento Tarso Genro Daniel Costa Henri Acselrad Afrânio Catani Eduardo Borges Lincoln Secco Ricardo Abramovay Rubens Pinto Lyra João Feres Júnior Mariarosaria Fabris Leda Maria Paulani Andrés del Río Lucas Fiaschetti Estevez Ricardo Antunes Thomas Piketty Ronald León Núñez Manuel Domingos Neto Luís Fernando Vitagliano Gabriel Cohn Liszt Vieira Vladimir Safatle André Singer Lorenzo Vitral Marcos Silva Antônio Sales Rios Neto Vinício Carrilho Martinez Luiz Werneck Vianna Alexandre Aragão de Albuquerque Armando Boito Heraldo Campos Leonardo Sacramento Anderson Alves Esteves Marcus Ianoni Bernardo Ricupero José Geraldo Couto Kátia Gerab Baggio Sergio Amadeu da Silveira Leonardo Avritzer Bruno Machado Boaventura de Sousa Santos Marcelo Guimarães Lima Marilena Chauí Jorge Branco Leonardo Boff Luiz Carlos Bresser-Pereira Francisco Pereira de Farias José Luís Fiori João Carlos Salles Antonino Infranca Francisco de Oliveira Barros Júnior Andrew Korybko José Machado Moita Neto Ari Marcelo Solon Otaviano Helene Sandra Bitencourt Chico Alencar Daniel Brazil Luiz Renato Martins Julian Rodrigues Vanderlei Tenório Tadeu Valadares Michael Löwy Luiz Marques José Dirceu Eugênio Trivinho

NOVAS PUBLICAÇÕES