Por DYLAN RILEY*
Reduzir a ação política a um cálculo de interesses fixos é esvaziar a luta de classes de seu conteúdo histórico, que é justamente a batalha pela definição de quais futuros se tornam realizáveis e, portanto, de quais interesses podem de fato importar
A nova cultura marxista que emergiu nos EUA pelos anos de 2010 tem muitos méritos. Ela está particularmente preocupada com a realidade empírica, e focada em questões táticas e estratégicas. Ela apresenta, portanto, um ceticismo saudável frente à teoria, especialmente qualquer coisa que cheire a Hegel, Sartre, Lukács ou a Escola de Frankfurt. Seus maîtres à penser (os que eles reconhecem em alguma medida) são Wright, Przeworski e, um pouco menos, Burawoy. A sombra de Kautsky ronda esse pano de fundo também. A perspectiva básica desse grupo é uma espécie de escolha racional simplificada, ou marxismo “analítico”. Nessa visão de mundo existem classes cujos membros têm interesses materiais que derivam de suas posições nas relações de propriedade. O sucesso ou fracasso de partidos de esquerda depende de quanto eles atendem aos interesses, assim definidos, da classe trabalhadora. Uma síndrome que preocupa o novo marxismo é uma tendência de partidos de centro-esquerda de buscarem realizar, no lugar disso, políticas de identidade.
Uma pergunta crucial, contudo, raramente é colocada: o que exatamente quer dizer “interesses materiais”? Em uma análise mais detida, o termo assume uma qualidade peculiarmente metafísica e intemporal. Os interesses “derivariam” das relações de propriedade, sem maiores especificações. Mas esse modo de compreender a questão é essencialmente irreal.
O marxismo não pode esquecer que os “membros” das classes são pessoas, e pessoas vivem em direção ao futuro conforme elas o entendem e o imaginam. Basear sua política em um apelo a um determinado status – um estado de existência social atual – e os interesses que fluiriam dessa posição, é um erro fulcral. Porque uma política bem fundamentada do ponto de vista antropológico envolve uma tentativa de mobilizar grupos e classes em torno de certas circunstâncias históricas determinantes. Interesses são “materiais” no sentido que eles emergem dessas circunstâncias objetivas; eles são interesses porque orientam-se em direção a um horizonte. O marxismo não pode ser, retomando uma maravilhosa frase de Labriola, “una filosofia del ventre”.
Isso levanta a questão de como os horizontes são construídos. Um caminho caminho é por meio do processo sobre o qual os novos marxistas materialistas falam relativamente pouco a respeito: luta de classes. Compreendidas material e dialeticamente, as classes não têm a priori interesses por quais elas lutam. Na verdade, a luta de classes é fundamentalmente sobre que futuros são ou não são realizáveis nas condições atuais, e só nesse contexto prospectivo interesses materiais adquirem significado substantivo. Faz pouco sentido dizer que um servo do século XIII na Inglaterra tinha interesse no socialismo. No entanto, poderia fazer sentido afirmar que um trabalhador de uma usina siderúrgica na Alemanha, no século XIX, teria interesse no socialismo, porque esse era um futuro possível entre os que se apresentavam naquela realidade histórica.
Em certo sentido esse é o outro lado de outra tendência característica do marxismo analítico anglo-americano: sua tentativa de desenvolver uma crítica do capitalismo por meio da listagem de seus “malefícios” – a contrapartida negativa dos interesses. Mas os “malefícios” só são politicamente relevantes se estiverem ligados a alternativas históricas. Os malefícios capitalistas que Wright lista nas páginas iniciais de “Imaginando Utopias Reais”, por exemplo – ineficiência, propensão sistêmica ao consumismo, destruição ambiental, limitação da democracia, entre outros – não constituem uma crítica do capitalismo pois muitos são igualmente aplicáveis a qualquer forma de produção social, incluindo o socialismo.
Nosso ponto metodológico geral é que falar de interesses na ausência de alternativas – futuros imagináveis e viáveis, que são eles próprios construídos historicamente por meio de lutas – é falar de algo irreal e abstrato como se fosse concreto. Pior que isso, dotar uma entidade chamada de “interesses materiais”, concebida nesses termos, com poder causal sobre indivíduos que são seus portadores, é uma afirmação teológica. Esse tipo de materialismo se tornou a pior forma de idealismo: um idealismo que não se reconhece como tal.
*Dylan Riley é professor de sociologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Autor, entre outros livros, de Microverses: observations from a shattered present (Verso). [https://amzn.to/4oIdgba]
Tradução de Julio Tude d’Avila.
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