Por EMIR SADER*
O novo ano não virá, terá que ser construído na luta por um mundo pós-hegemônico, onde a superação do analfabetismo seja alicerce da verdadeira cidadania
1.
O ano que vem? Ou, como nos recorda todo ano a Mafalda: O ano que vem, de onde vem? Ou o que faremos vir? As coisas não vêm, salvo as fatídicas. Temos que fazer vir, se queremos intervir no futuro.
No mundo, certamente a continuidade do declínio ou a decadência da hegemonia norte-americana no mundo, um dos fenômenos mais importantes deste período histórico.
As consequências do mandato suicida de Donald Trump se farão sentir cada vez mais. Os conflitos com os anteriormente aliados, como a Europa, por exemplo, tenderão a se intensificar, na medida em que não é um tema prioritário do “America first” do atual governo dos Estados Unidos.
As consequências da desastrada política tarifaria acentuarão o isolamento e os conflitos com outros países. Na América Latina, haverá consequências da situação de maior isolamento que jamais os Estados Unidos viveram em relação ao continente.
A única novidade lhe é favorável: a superação do isolamento da Argentina de Javier Millei, com a vitória de José Antonio Kast no Chile. Ainda assim está por se ver em que medida eles vão priorizar a aliança entre eles ou vão diversificar sua política externa, conforme dependem muito do intercâmbio, por exemplo, com o Brasil.
Na América Latina, certamente se prolongarão os governos neoliberais da Argentina e do Chile, enquanto o polo antagônico, do México e do Brasil tenderão a se consolidar.
No Brasil, a provável reeleição do Lula prolongará os governos do PT para um quarto mandato do presidente do pais. Um mandato que deve, além da continuidade e extensão da prioridade das politicas sociais, da politica de pleno emprego, da expansão econômica e de fortalecimento do Estado, o governo terá que se enfrentar à politica de juros altos – os segundos mais altos do mundo -, que limite o nível de expansão da economia. Ou com a mudança do presidente do Banco Central, quando terminar o seu mandato ou com uma intervenção nas decisões do BC.
Nesse provável quarto mandato, Lula da Silva deverá enfrentar um limite estrutural à transformação dos indivíduos em cidadãos – a superação do alto nível de analfabetismo, que ainda atinge a várias dezenas de milhões de brasileiros, entre analfabetos originários e funcionais, aqueles que aprenderam a ler e escreveram, mas não o praticaram e se tornaram analfabetos funcionais. O que os impede de ter conhecimento e acesso a seus direitos.
Uma campanha nacional por transformar o Brasil em território livre do analfabetismo pode ser um grande objetivo do novo mandato, com a mobilização em massa de estuantes. Um objetivo tanto mais difícil que a maior parte dos analfabetos agora são mulheres idosas, que nunca forma alfabetizados, que tem que ser localizados em cada estado e convencidos a que se alfabetizem, além da adaptação do método Paulo Freire a seu respectivo vocabulário.
O mais importante dever ser a continuidade do mandato de Lula, consolidando a hegemonia da esquerda no país, o que só pode efetividade existir se se der também no plano da comunicação. O PT faz bons governos, mas continua a perder a disputa no plano da comunicação, onde o monopólio dos meios de comunicação joga a favor da direita. Terá que se enfrentar a um mundo crescentemente hostil.
2.
2025 foi um bom ano, tanto para o mundo, como para o Brasil. No mundo se prolongou o processo de declínio ou de decadência da hegemonia norte-americana. Sua economia perde peso diante da maior força tecnológica da China e sua forca política diante do destaque cada vez maior dos Brics.
No Brasil, o governo Lula recolocou nossa economia em expansão, com pleno emprego, expansão inédita dos intercâmbios internacionais, renovação tecnológica, projeção do modelo de governo brasileiro no mundo.
Que perspectiva podemos ter para o próximo ano?
No mundo, consolidar o papel central que os Brics passaram a ter no mundo. Ampliar ainda mais a participação de países, aceitando a incorporação da grande lista de países que se propõem a ingressar.
Mas, além disso, formular um projeto coletivo de perspectiva para o mundo em toda a primeira metade do século. Um projeto que permita o mundo passar do anti-neoliberalismo ao pós-neoliberalismo. Definirmos o que isto significa, isto é, qual o período histórico em que a humanidade ingressará depois da era neoliberal.
Este deverá ser um debate essencial, ao qual se subordinam todos os outros, porque dele dependem as perspectivas do mundo ao longo de todo o século XXI. Valer-se do declínio ou decadência da hegemonia norte-americana para fazer do novo século o primeiro, em tanto tempo, sem a hegemonia imperial norte-americana como protagonista fundamental.
No Brasil, um provável quarto mandato do governo Lula, além de estender e aprofundar as políticas sociais – a melhor forma de combater o neoliberalismo – tem que quebrar o eixo ainda existente do capital financeiro – em sua modalidade especulativa – na economia brasileira.
Para isso, precisa resolver a questão da necessidade de baixar a segunda maior taxa de juros do mundo, que freia a chegada do país a um novo ciclo longo expansivo da economia. Para isso, precisa tornar coerente a política econômica do governo com a política do Banco Central.
Ainda precisa e pode tornar o Brasil um território livre do analfabetismo. E’ impossível tornar os indivíduos cidadãos – isto é, sujeito dos seus direitos -, sem alfabetizá-los. No país do Paulo Freire, é impossível seguir com dezenas de milhões de analfabetos, incluídos os analfabetos funcionais, os que foram alfabetizados, mas não o praticaram e deixaram de conseguir ler e escrever.
Um dos principais problemas é o de que a maioria dos ainda analfabetos no Brasil são mulheres idosas, que nunca souberam ler. Elas têm que ser convencidas das vantagens de se alfabetizar, além de que se necessita adaptar o método do Paulo Freire à linguagem e ao universo dessas pessoas.
Além disso, teríamos um ano bem melhor, se conseguirmos mobilizar a grande quantidade de estudantes para protagonizar uma campanha de tornar o Brasil um “território livre do analfabetismo”. Por que não? Só isso já faria 2026 um ano ainda melhor que 2025.
*Emir Sader é professor aposentado do departamento de sociologia da USP. Autor, entre outros livros, de A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana (Boitempo). [https://amzn.to/47nfndr]






















