Por DANILO JORGE VIEIRA*
A meta ousada de investir 2% do PIB em P&D depende de um pacto federativo sólido, hoje ameaçado por um programa de refinanciamento que pode converter o fomento à ciência em mera moeda de troca para quitar dívidas históricas
A nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI 2024-2034) estabelece como uma de suas principais metas a expansão substancial do dispêndio nacional em P&D no próximo decênio, visando a elevá-lo ao patamar de 2% do PIB do país até 2034.
Não se trata de um objetivo trivial, tendo em vista que a sua consecução exigirá um grande esforço econômico-institucional dos atores integrantes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). Basta verificar que o investimento realizado em P&D no Brasil, de acordo com os dados mais recentes, correspondeu a 1,19% do PIB em 2023.
Isso significa que, até 2034, o dispêndio nacional em P&D terá que aumentar mais de 68% para alcançar a meta fixada na nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, implicando uma taxa média de crescimento de 4,4% ao ano – quase o dobro do crescimento médio anual do PIB brasileiro observado neste século XXI.
Esta pretendida trajetória de crescimento acelerado, além de desafiadora, certamente não será possível de ser concretizada sem uma atuação incisiva e concertada dos atores do SNCTI, sobretudo do setor público, que é o principal indutor e investidor da atividade de P&D realizada no país, considerando os governos federal e subnacionais, por meio de aportes orçamentários diretos, assim como as instituições públicas de ensino e pesquisa, as empresas estatais e os bancos e fundos públicos.
Os governos estaduais, a despeito das acentuadas dificuldades fiscais e financeiras que experimentam de forma crônica, são responsáveis por fatia importante dos dispêndios nacionais em P&D. Entre 2000 e 2023, os estados foram responsáveis por média anual de 17% desses gastos, o equivalente a um desembolso nominal de cerca de R$ 18 bilhões em média ao ano.
A criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), no bojo da reforma tributária iniciada em 2023 para suprir recursos aos estados destinados ao fomento produtivo e tecnológico e à implantação de infraestrutura, estabeleceu perspectivas novas e mais promissoras para fortalecer o papel e a participação desses entes federados no esforço nacional de expansão sustentada do investimento em P&D. Mais do que isso, o FNDR tem condições de se tornar um dispositivo financeiro crucial para transformar o contexto da Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) no âmbito estadual e, consequentemente, contribuir para impulsionar o desenvolvimento socioeconômico, científico e tecnológico do país.
Contudo, exercendo força contraditória sobre esse processo potencial de mudanças estruturais em delineamento, a busca do necessário e definitivo equacionamento do grave e persistente endividamento estadual, por meio do recém-criado Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (PROPAG), coloca em xeque o FNDR.
No restante do texto, esses pontos apenas sumarizados a título de introdução serão melhor elucidados, demonstrando como o PROPAG não apenas o desvirtua as finalidades precípuas do FNDR, mas também provocará o aviltamento de seus recursos.
Os governos estaduais no SNCTI
Os governos estaduais são importantes atores do SNCTI. Mesmo diante das restrições orçamentárias, da limitada e instável disponibilidade de financiamento e da recorrente fragilização tributária que experimentam desde pelo menos os anos 1980, os governos estaduais respondem por fração relevante dos dispêndios nacionais realizados em atividades relacionadas ao desenvolvimento científico e tecnológico do país. A Tabela 1 reúne informações que ilustram esse ativismo, sob a ótica das despesas funcionais realizadas por esfera governamental.
Inicialmente, observa-se que, em 2024, os governos estaduais efetuaram gastos conjuntos de quase R$ 8 bilhões, o que significou mais de 30% dos dispêndios empenhados pelo setor público nacional em Ciência e Tecnologia (C&T). Na comparação com o exercício de 2010, os gastos estaduais em C&T registraram aumento real de quase 9%, ao passo que, nesse mesmo período, as despesas realizadas pela União tiveram recuo superior a 12%, também em termos reais.

Um segundo aspecto a ressaltar diz respeito à recuperação substancial dos gastos estaduais em C&T no período recente. De fato, depois do expressivo recuo superior a cerca de 35% entre 2014 e 2022, as aplicações estaduais em C&T aumentaram em cerca de R$ 2,5 bilhões no biênio 2023-2024, perfazendo crescimento real de 46%. Nesse sentido, evidencia-se que a queda da participação dos estados no total dispendido pelo setor público em 2024 foi muito mais um fenômeno meramente estatístico, motivado pela acelerada expansão dos dispêndios da União de mais de 80%.
Os governos estaduais se destacam também no âmbito do SNCTI pela sua atuação no sistema de ensino superior, no qual está abrigada a maior parte das atividades de P&D do país, além de ser o principal responsável pela formação de profissionais altamente especializados, essenciais em qualquer sistema nacional de inovação.
Dados disponíveis revelam que, em 2024, os governos estaduais e o Distrito Federal empenharam gastos conjuntos de cerca de R$ 17 bilhões em atividades de ensino superior, sendo que somente São Paulo (45%) e Paraná (18%) responderam por mais de 63% da aplicação consolidada. Outros 27% foram alocados por outros 5 estados (Santa Catarina, Bahia, Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro). Assim, esses sete estados responderam por praticamente 90% dos dispêndios realizados no ano passado em atividades de ensino superior.
Para além desses gastos orçamentários, observa-se que os governos estaduais controlavam 139 Instituições de Ensino Superior (IES) em 2024, correspondendo a 5% do total de estabelecimentos em funcionamento no país. Nessas IES estaduais, estavam em exercício mais de 54 mil docentes e 666 mil estudantes matriculados nos cursos de graduação, o equivalente a 14% e a 7% do contingente nacional, respectivamente. Essas Instituições de Ensino Superior mantinham quase 900 programas acadêmicos de pós-graduação e titularam cerca de 20 mil mestres e doutores em 2024 – o que significou 24% e 26% do total do país, respectivamente.
Os dados arrolados acima são sintéticos, mas suficientes para demonstrar que os governos estaduais exercem atribuições fundamentais no plano subnacional do SNCTI, complementando a atuação do governo central e ocupando eventuais lacunas existentes de caráter mais local e regional, de modo que a atuação desses entes federados possibilita a ampliação do alcance e da abrangência da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PCTI).
Nesse sentido, explicita-se que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que começa a operar em 2029, é peça fundamental de transformações da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, podendo reforçar efetivamente o papel funcional e estratégico que os governos estaduais desempenham no SNCTI, ao estabelecer condições financeiras e institucionais renovadas para qualificar e impulsionar o ativismo científico e tecnológico dos estados, como será explicado na próxima seção.
O FNDR como dispositivo de alavancagem da C&T
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional foi criado pela reforma tributária com a finalidade de compensar os estados pelas mudanças estruturais que irão ocorrer em decorrência da extinção do ICMS e sua substituição gradual pelo IBS, que começa em 2026 e se completa em 2033. No bojo desse processo, a receita gerada por tais impostos deixa de ser apropriada majoritariamente na origem para ser feita integralmente no destino das operações.
Tal alteração terá efeitos de grande extensão, pois os estados perdem o seu mais potente e duradouro instrumento de fomento produtivo, que consiste nos variados tipos de incentivos tributários baseados no ICMS, historicamente concedidos por esses entes federados para atrair investimentos e, assim, modernizar e impulsionar as economias de suas respectivas jurisdições. A frequente eclosão da denominada “guerra fiscal” em diferentes momentos da história do país é a comprovação mais objetiva da importância central que o dispositivo tributário assumiu nas políticas de fomento produtivo dos governos estaduais.
Assim, é possível afirmar que o triplo processo desencadeado pela reforma tributária de extinção do ICMS; criação do IBS, com incidência no destino das operações interestaduais, e instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional remodela completamente e estabelece um novo quadro institucional e econômico para a formulação e a implementação das políticas de desenvolvimento dos estados.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional é previsto pelo Art. 159-A, acrescido à Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 132/2023, cujo seu Art. 13 fixa os valores e o cronograma dos desembolsos a serem feitos pela União. De acordo com essas normas, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional começa a operar em 2029 e, até 2043, os aportes financeiros da União serão crescentes: iniciam em R$ 8 bilhões até alcançar o total de R$ 60 bilhões, permanecendo neste patamar a partir de então. Esses valores dos desembolsos da União devem ser atualizados pelo índice da inflação (IPCA) de 2023 até o ano anterior ao da entrega dos recursos.
Com base nesse procedimento, o Gráfico 1 apresenta uma estimativa dos aportes da União no Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional nos seus primeiros quinze anos de operação. Nessa estimativa, os valores foram atualizados pelo IPCA de 2023 (4,62%) e de 2024 (4,83%) e uma projeção de inflação média de 4% ao ano entre 2025 e 2043.

Com base nesses parâmetros, estima-se que o aporte anual no Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional aumentará de R$ 10,3 bilhões para R$ 133,3 bilhões entre 2029 a 2043.
Em termos macrorregionais, verifica-se que a maior parte dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional será destinada ao Norte e ao Nordeste. As duas macrorregiões terão participações médias anuais na distribuição do fundo da ordem de 24% e 42%, perfazendo uma fração combinada correspondente a 2/3 das disponibilidades financeiras, o que indica o viés redistributivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, tendo em vista que seus recursos tendem a ser direcionados para as regiões de capacidade produtiva e econômica mais débil, por estarem inseridas de forma subordinada na divisão inter-regional do trabalho organizada historicamente no Brasil.

Os recursos transferidos por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional são direcionados a três modalidades de gastos, de acordo com as normas do Art. 159-A, da Constituição Federal, quais sejam: realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura; fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras; promoção de ações com vistas ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação.
Um aspecto de suma importância a ser ressaltado diz respeito às possibilidades que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional cria para que os estados implementem políticas potentes e de grande impacto socioeconômico de fomento produtivo e científico-tecnológico. Basta verificar que as normas gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional determinam que somente atividades produtivas intensivas em força de trabalho e com elevada capacidade de geração de renda devem ser estimuladas.
Adicionalmente, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional é dedicado também a promover as atividades de CTI. A combinação articulada, sinérgica e sincrônica desses dois preceitos em uma única política pública pode proporcionar um tipo de intervenção estatal que superaria o recorrente trade-off entre emprego-inovação que se impõe a qualquer PCTI, fazendo com que sejam conciliados em um mesmo processo de modernização tecnológica o progresso técnico e a absorção intensiva de mão de obra.
Ou seja, os preceitos gerais definidos para modelar a gestão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional abrem uma janela de oportunidade para experimentações de novos modelos de PCTI, não orientados por ganhos estritos de produtividade ou direcionados fundamentalmente à geração e apropriação privada de rendas tecnológicas – elementos que têm reconhecidamente transformado a inovação tecnológica em processos de espoliação e de polarização intensiva de renda e poder, implicando no aprofundamento das desigualdades socioeconômicas.
Modelos de PCTI baseados, por exemplo, em tecnociência solidária e em arranjos institucionais mais abrangentes e que extrapolam os marcos restritos do ambiente empresarial passam a primeiro plano sob a lógica subjacente que baliza o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.
as essas potencialidades transformadoras do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional podem vir a ser embotadas, em especial pelo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (PROPAG), como será examinado a seguir.
PROPAG: políticas estaduais de desenvolvimento em xeque
O PROPAG é um programa federal de refinanciamento das dívidas estaduais, instituído pela Lei Complementar nº 212, de janeiro de 2025, e regulamentado pelo decreto nº 12.433, de abril de 2025. O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados vai refinanciar um conjunto de dívidas estaduais junto à União, em especial as originadas da operação de refinanciamento realizada ao amparo da Lei nº 9.496/1997. Com base em dados de março deste ano, o estoque da dívida estadual elegível ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados soma mais de R$ 820 bilhões. Deste total, quase 90% são passivos detidos pelos estados de São Paulo (35,55%), Rio de Janeiro (21,75%), Minas Gerais (20,00%) e Rio Grande do Sul (12,39%).
O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados irá refinanciar as dívidas estaduais por prazo de até 30 anos, com taxas de juros mais favorecidas, que podem ser formalmente eliminadas, de acordo com o disposto no Art. 5º, I, da LC 212/2025. Mas em termos efetivos, os juros não serão eliminados, permanecendo uma taxa residual implícita que estimamos entre 0,09% a 1,94% ao ano, em razão da criação do Fundo de Equalização Federativa (FEF), previsto no Art. 9º da LC 212/2025 e nos Arts. 44 a 47 do Dec. 12.433/2025.
A taxa de juros dependerá, de forma inversa, da amortização que o estado fizer antecipadamente da dívida a ser refinanciada pelo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados: quanto maior a amortização, menor o custo financeiro incorrido na operação. Pelas normas estabelecidas, os ingressantes no programa poderão efetuar amortização de até 20% da dívida, com a utilização de moeda corrente, mas também através da federalização do controle societário de empresas estatais, bens e outros ativos financeiros de propriedade dos estados, entre os quais estão justamente os recursos do FNDR.
Inicialmente, o uso do FNDR foi vetado pelo presidente da República, antes da promulgação da LC 212/2025. Mas quando da apreciação desses vetos, em sessão do Congresso Nacional em 27 de novembro passado, esses vetos foram derrubados, restabelecendo a possibilidade dos estados fazerem a cessão desses créditos junto ao FNDR para a União, a título de amortização de dívida. Tal mudança foi considerada essencial pelos estados sobre-endividados, especificamente pelos governos de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
O uso do FNDR para amortização da dívida é especialmente importante para estes entes federados, sobretudo em razão do fato de que eles praticamente não possuem mais empresas estatais aptas a serem privatizadas ou transferidas para a União, o que implicará um esforço financeiro muito maior para aderir ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados e para rebaixar os custos da operação de refinanciamento.
e qualquer forma, o envolvimento do FNDR no PROPAG é temerário e bastante problemático, pois irá implicar um duplo efeito de desvirtuamento e de aviltamento dos recursos do fundo, como será explicado a seguir.
(a) desvirtuamento do FNDR
A leitura atenta das normas que dispõem sobre o FNDR permite afirmar que não há previsão constitucional para o uso do FNDR para a amortização da dívida, pois são especificadas textualmente as três únicas categorias de gastos suscetíveis de serem custeadas com os recursos do fundo, como visto anteriormente.
Corrobora essa interpretação a redação dada aos dispositivos relativos ao uso do FNDR incluídos na LC 212/2025, notadamente o Art. 3º, § 7º, que determina: “O recebimento dos ativos a que se refere o inciso VIII [cessão de parte ou da integralidade do fluxo de recebíveis do Estado junto ao FNDR] realizar-se-á apenas para o pagamento de dívidas contraídas para as finalidades referidas no art. 159-A da Constituição Federal”.
Ademais, a leitura também atenta das normas que regulamentam o PROPAG (Dec. 12.433/2025) não deixa dúvidas de que está vedada a utilização dos recursos do FNDR na amortização da dívida estadual, por serem vinculados a modalidades de dispêndios especificadas no Art. 159-A da Constituição Federal: “Art. 17, § 2º: não poderão ser objeto de cessão os créditos do Estado contra a União que possuam vinculação legal ou constitucional […]”
Diante desses dispositivos constitucionais e legais, pode-se afirmar que, caso seja efetivada a utilização dos recursos do FNDR na amortização da dívida refinanciada pelo PROPAG, como pretendem os governos dos estados sobre-endividados, este fundo criado com o objetivo precípuo de dar sustentação financeira e institucional às políticas estaduais de fomento produtivo e científico-tecnológico será desvirtuado, comprometendo estruturalmente as potencialidades de desenvolvimento no plano subnacional, com transbordamentos negativos para o desenvolvimento do próprio país.
(b) aviltamento financeiro do FNDR
O aviltamento financeiro do FNDR será certamente o efeito mais deletério da possível aplicação dos recursos do fundo constitucional na amortização de dívidas a serem refinanciadas pelo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados. Essa depreciação do FNDR resultará do custo financeiro incorrido em qualquer operação de estruturação de recebíveis, que consiste na cessão de direitos de crédito futuro detidos por um agente (cedente) a favor de outro agente (cessionário). Normalmente, tais operações incorporam o custo de capital do cessionário, que se expressa em uma dada taxa de juros.
O próprio regulamento do PROPAG (Dec. 12.433/2025) prevê esse procedimento, em seu Art. 20, § 2º, que determina: “Após a validação do Estado ofertante dos recebíveis quanto à adequação da estimativa do fluxo futuro nominal, tais informações serão submetidas à Secretaria do Tesouro Nacional para fins de aplicação de taxa de desconto e cálculo do valor presente do fluxo futuro dos recebíveis e servirão de base para a amortização da dívida […]”.
No caso dos recebíveis derivados dos recursos do FNDR, como o cessionário é a União, é possível considerar que a taxa de desconto a ser aplicada provavelmente corresponderá ao custo de captação do Tesouro Nacional. Em outubro deste ano, informação mais recente disponível, este custo foi de 13,82% ao ano. A Tabela 2 evidencia os efeitos da aplicação desta taxa de desconto nos fluxos anuais do FNDR, demonstrando uma substancial depreciação dos recursos a serem transferidos aos estados.

As perdas hipotéticas decorrentes da cessão de crédito dos estados à União com a finalidade de amortização da dívida são substanciais, nas estimativas feitas com base em uma taxa de desconto equivalente ao atual custo de capital do Tesouro Nacional. Certamente, o valor da taxa de desconto a ser definida pela STN será objeto de negociação, ainda que a definição dessa taxa consista em um procedimento usual baseada na aplicação de métodos estritamente técnicos e corriqueiros.
Um aspecto importante a ressaltar é que, quanto maior a taxa de desconto aplicada aos direitos creditórios dos estados vinculados ao FNDR tanto maior deverá ser o prazo de utilização do fundo para cumprir com a obrigação de amortização antecipada de 20% da dívida a ser refinanciada pelo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados.
Essa situação é ilustrada na Tabela 3, que mostra a capacidade do FNDR, nos seus primeiros 15 anos de operação, de cobrir a amortização antecipada exigida dos estados que provavelmente irão aderir ao PROPAG. Excetuando Goiás, as transferências recebidas por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul do FNDR, entre 2029 e 2043, são amplamente insuficientes para fazer face ao dispêndio exigido para quitar antecipadamente parcela de 20% da dívida a ser refinanciada pelo PROPAG.
Dessa forma, esses estados terão que necessariamente estender por prazo mais longo a utilização indevida e desvirtuada dos recursos do fundo constitucional a fim de atender as obrigações financeiras impostas pelo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados comprometendo, assim, as potencialidades de transformação socioeconômica e científico-tecnológica proporcionadas pelo FNDR.

Por um novo modelo de ajustamento fiscal dos estados
Os dados mais recentes sobre as finanças públicas subnacionais divulgados pelo Banco Central mostram que os governos estaduais (incluindo o Distrito Federal) registraram déficit nominal conjunto acumulado em 12 meses de quase R$ 61 bilhões em junho de 2025, pela ótica da necessidade de financiamento do setor público (NFSP). Essa posição deficitária foi decorrente, sobretudo, de juros nominais da ordem de R$ 87 bilhões. Excluída essa obrigação financeira, os estados geraram superávit primário combinado de cerca de R$ 26 bilhões.
Dos 27 estados, 16 contabilizaram déficit nominal de aproximadamente R$ 72 bilhões, enquanto outros 11 conseguiram encerrar o período em análise com superávit nominal de cerca de R$ 11 bilhões. Ademais, observa-se que os estados sobre-endividados (Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) acumularam déficit nominal conjunto de R$ 51 bilhões, o que correspondeu a 71% do resultado nominal negativo gerado pelos estados até junho de 2025.
Em relação ao resultado primário, que exclui a conta de juros nominais, verifica-se que 12 estados registraram superávit de quase R$ 39 bilhões no período em análise, ao passo que as demais 15 UF tiveram déficit próximo a R$ 13 bilhões. O desempenho positivo consolidado foi motivado, sobretudo, pelo importante esforço fiscal realizado pelos estados sobre-endividados (excetuando o Rio Grande do Sul), que conseguiram contabilizar superávit superior a R$ 28 bilhões, o que correspondeu a 74% do resultado primário consolidado dos governos estaduais.
O que esses dados evidenciam, de forma inequívoca, é que o desequilíbrio fiscal dos estados é predominantemente de natureza financeira, estando associado ao sobre-endividamento de alguns estados, mas não somente a eles. Além disso, as informações sistematizadas pelo Banco Central desfazem a generalizada ideia de que os estados sobre-endividados são caracterizados por uma gestão fiscal irresponsável, tendo em vista que são justamente esses entes federados que têm contribuído de forma determinante para o resultado primário dos governos estaduais.
Um processo de ajustamento das finanças estaduais que não leve em consideração esses elementos básicos tende mais a agravar e a prolongar a situação de desequilíbrio fiscal e financeiro do que a equacionar essas dificuldades orçamentárias vivenciadas cronicamente pelos estados.
Um programa de saneamento financeiro capitaneado pela União é imprescindível para a solução dos desafios fiscais dos estados, mas o PROPAG, tal como está agora conformado, induzindo um amplo processo de desestatização no plano estadual e embutindo a possibilidade de utilização temerária e indevida dos recursos vinculados do FNDR, não aponta para o equacionamento dos problemas. Ao contrário, tende a afetar profundamente os estados, ao provocar, ao mesmo tempo, o desmonte de importantes estruturas estatais existentes e a fragilização de potenciais dispositivos de financiamento controlados por esses entes federados.
*Danilo Jorge Vieira é doutor em economia aplicada pela Unicamp.






















