Por BOBBY BANERJEE*
Há três mundos que habitam as reuniões da COP, mas cuidadosamente evadem-se uns aos outros. Organizações genuínas da sociedade civil devem boicotar as futuras COPs e concentrar-se na ação direta em nível nacional e local
É uma tarde gloriosa num resort de luxo no Egito, com seis piscinas que levam a um trecho pequeno e encantador de praia no Mar Vermelho. Uma aula de salsa aquática em uma das piscinas tem vários participantes entusiasmados. Em outro lugar, os convidados relaxam em espreguiçadeiras tomando coquetéis gelados. Os garçons animados estão reabastecendo copos e servindo lanches.
Bem-vindo a Sharm el-Sheikh, o popular resort do Egito e anfitrião da 27ª reunião da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, ou COP27. Ou, como diriam alguns críticos, a Conferência dos poluidores.
Minha primeira impressão ao chegar foi que eu tinha entrado num gigantesco parque temático. As estradas que levavam aos resorts estavam repletas de palmeiras brilhantemente iluminadas em verde e amarelo, e postes de iluminação decorados com deslumbrantes luzes coloridas. O céu noturno estava atravessado por holofotes brilhantes do local para chamar a atenção para a emergência climática enfrentada pela humanidade.
Este é minha quarta reunião da COP, e não pretendo voltar novamente. Dado o pouco que estas conferências obtiveram desde que se iniciaram em 1995 – sem mencionar suas gigantescas pegadas de carbono –, estou convencido de que é hora de pararem.
Depois de 27 anos de negociações, conflitos e rupturas, as nações do mundo concordaram basicamente: (1) a mudança climática é um problema sério; (2) algo deve ser feito para resolvê-lo; (3) as nações ricas devem fazer mais; e (4) com base no acordo de Paris de 2015, cada país deve estabelecer suas próprias metas de emissões e fazer o melhor para cumpri-las.
A ONU alega que o acordo de Paris é “juridicamente vinculante”, mas não há mecanismos de aplicação ou penalidades para os países que não o cumprem. Mesmo as promessas atuais não serão suficientes para atingir a meta de restringir o aquecimento global a 1,5℃, objetivo acordado em Paris.
Como a COP funciona
Há três mundos que habitam as reuniões da COP, mas cuidadosamente evadem-se uns aos outros. Os delegados oficiais dos países participam das reuniões e elaboram políticas. Depois há as corporações e associações industriais, que são de longe a presença mais significativa e poderosa aqui.
Mais de 600 lobistas da indústria de combustíveis fósseis estão presentes. Isto é mais do que as delegações combinadas dos dez países mais afetados pelo clima, e a segunda maior delegação depois dos Emirados Árabes Unidos, que é uma potência petrolífera. Entre estes 600 lobistas, alguns foram convidados até mesmo como parte das delegações de 30 países.
O terceiro grupo na COP consiste de organizações da sociedade civil de uma ampla gama de países, mas dominado por organizações não-governamentais (ONGs) de países desenvolvidos. Um número crescente de ONGs que representam os interesses das empresas e da indústria (as Big International Non Governamental Organizations – BINGOs) ocupa o espaço da sociedade civil nas reuniões da COP para promover agendas particulares de uso de recursos e energia. Os financiadores incluem grandes corporações petrolíferas como Shell e Exxon, gigantes nucleares como Areva, e grandes mineradoras como Rio Tinto e BHP.
Os delegados das empresas e da sociedade civil participam das negociações climáticas e organizam eventos paralelos que mostram suas ações climáticas. Estas às vezes parecem ocorrer em realidades paralelas. Logo após uma sessão organizada pela ONG internacional Global Witness sobre as mortes e desaparecimentos de manifestantes contra projetos de mineração na África, Ásia e América Latina, foi realizada uma sessão sobre “governança da mineração para uma transição energética justa”.
Nesta última sessão, participantes do governo da República Democrática do Congo e do Conselho Internacional de Mineração e Metais descreveram as desigualdades, impactos ambientais, evasão fiscal e corrupção como os desafios enfrentados pela mineração na África. Na sessão anterior, não houve nenhuma menção à violência e assassinatos documentados na mesma região.
A presença da polícia
Estas narrativas contrárias são uma característica da COP, mas só se tornam visíveis durante as marchas de protesto. Notavelmente, porém, a COP27 é a primeira a ser realizada em um “Estado policial”. Antes de chegar ao local, passei alguns dias no Cairo num hotel perto da Praça Tahrir, berço da revolução de 2011. A praça tinha policiais fortemente armados em veículos blindados em cada esquina. Fotografei o obelisco da praça com um veículo policial blindado em primeiro plano e fui imediatamente repreendido por um soldado irado.
No entanto, surpreendentemente há poucos policiais no local, em Sharm el-Sheikh. Isto se deve aos extraordinários esforços dos organizadores para evitar protestos. Isto incluiu prisões preventivas de ativistas locais, um complicado processo de registro restringindo o público em geral a uma “zona verde”, e vigilância sem precedentes, incluindo câmeras monitoradas pela polícia em todos os táxis de Sharm el-Sheikh. Há também uma “área designada” para os manifestantes fora do local para evitar o tipo de protestos em massa que dificultaram as reuniões anteriores da COP.
A realização da COP num resort de luxo também estabeleceu o preço dos ativistas. As tarifas dos hotéis variam em média de 250 a 300 dólares por noite e não há opções “mais baratas”. Um sanduíche no local custa 15 dólares, embora tenha sido reduzido pela metade após reclamações. Também não há ruas onde as pessoas possam se reunir, apenas estradas ligando os vários resorts.
Assim, enquanto mais de 100.000 pessoas marcharam pelas ruas de Glasgow na COP26, e em COPs anteriores como Copenhague, Durban e Paris também houve confrontos entre manifestantes e policiais, a dissidência é efetivamente neutralizada aqui. Mais de mil manifestantes marcharam dentro do local em 12 de novembro, e eu não consegui nem mesmo encontrá-los.
A COP e o petróleo
Então, o que mais mudou desde que fui pela primeira vez a uma reunião da COP, em Durban em 2011? Notavelmente, o marketing das corporações e das ONGs é muito mais elaborado. E as corporações tornaram-se muito mais espertas – não consigo ver um logotipo da BP, da Shell ou da Exxon-Mobil em nenhum lugar. A transformação da COP em corporação está completa quando o diretor executivo da BP e outros quatro funcionários seniores estão na delegação oficial da Mauritânia, país onde a BP tem grandes investimentos.
Para consolidar ainda mais o poder da indústria de combustíveis fósseis, a COP27 tem uma “Iniciativa Verde do Oriente Médio” liderada pela Arábia Saudita com o inevitável compromisso de neutralização até 2050. A Arábia Saudita também tem um dos maiores estandes no local da conferência. E não é por acaso que a próxima COP será sediada pelos Emirados Árabes Unidos.
Em 27 anos de reuniões da COP não houve um único apelo para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. A única referência foi o acordo da COP26 que clamava pela “redução progressiva da energia produzida com carvão não-tratado e a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes”.
Enquanto isso, um esforço massivo de reformulação está em andamento na COP27, onde o gás natural está sendo posicionado não como um combustível fóssil, mas como um “combustível de transição”. Uma vez concluída esta remodelação, os principais atores do combustível fóssil dominarão todos os subsídios para o gás natural.
O grande fracasso da COP
Em 1995, quando a COP1 foi convocada para Berlim, as emissões globais de carbono eram de 23,45 bilhões de toneladas métricas. Em 2021, elas eram de 36,4 bilhões de toneladas métricas. As emissões têm aumentado a cada ano, com duas exceções: a crise financeira de 2007-09 e durante a Covid-19. Em ambos os casos, isto se deveu à contração econômica e não aos esforços para enfrentar a mudança climática.
Ninguém na COP vai falar deste elefante particular na sala: que pode ser impossível dissociar o crescimento econômico das emissões de carbono. As emissões recuperaram-se em ambas as ocasiões e espera-se que atinjam seu nível mais alto já registrado em 2022.
Vejamos três outras medidas quantificáveis da COP: o financiamento climático, que é visto como fundamental para ajudar os países pobres a reduzir as emissões; as reparações climáticas de países ricos para países pobres por danos causados por emissões históricas de carbono; e o sucesso das tecnologias para mitigar as emissões, particularmente a captura e armazenamento de carbono.
No financiamento climático, as nações mais ricas se comprometeram em Copenhague 2009 a mobilizar 100 bilhões de dólares por ano para os países mais pobres. No entanto, eles nunca alcançaram este objetivo. Enquanto isso, os 60 maiores bancos do mundo investiram 3,8 trilhões de dólares em combustíveis fósseis desde o acordo de Paris. Em dezembro de 2019, os investidores pagaram quase 26 bilhões de dólares pela oferta pública inicial de ações da companhia petrolífera estatal saudita Aramco. Naturalmente, tanto as empresas de combustíveis fósseis quanto os bancos envolvidos prometeram compromissos fictícios de neutralização para 2050.
As reparações climáticas estão na agenda oficial na COP27 pela primeira vez, o que certamente é um passo à frente. É difícil ser otimista, no entanto. Os EUA desafiarão vigorosamente a criação de qualquer fundo de perdas e danos para os países pobres, como fizeram consistentemente nas COPs anteriores.
Quanto à captura de carbono, armazenou-se apenas 0,02 por cento de combustível fóssil CO₂ em 2021. Isso faz com que esta pedra angular da mitigação da mudança climática seja ridicularizada.
Alternativas
A COP representa um encontro de elites. Um estudo recente descobriu que este era um grande obstáculo para a mitigação do clima. Os pobres, os marginalizados e aqueles que suportam o peso dos impactos climáticos, mas quem menos contribuíram para o problema (e suportarão o impacto das transições energéticas das nações ricas porque os minerais e metais necessários serão extraídos de suas terras) estão excluídos. A crescente dissidência está sendo criminalizada, não apenas nos “Estados policiais”, mas também nas democracias liberais ocidentais.
É hora de acabar com este espetáculo de jatos particulares voando com dignitários e delegados para discutir a emergência climática. Organizações genuínas da sociedade civil devem boicotar as futuras COPs e concentrar-se na ação direta em nível nacional e local. Elas precisam responsabilizar seus governos pelas metas de emissões e mirar nas corporações de combustíveis fósseis e nos bancos que as financiam.
Não há prestação de contas na COP, apenas uma difusão da (ir)responsabilidade que legitima o poder corporativo. A COP27 seguirá o caminho das COPs anteriores: promessas vazias, discursos emocionados e campanhas corporativas astutas. E maiores emissões de carbono no próximo ano.
Então, deixemos que a COP se torne outra Davos, uma conferência de e para os ricos. Há muitos resorts de luxo à beira-mar e estações de esqui em países ansiosos para sediar as próximas COPs. Simplesmente não vá lá.
*Bobby Banerjee é professor de administração na The Business School, City, University of London.
Tradução: Fernando Lima das Neves.
Publicado originalmente no portal The Conversation.
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