A larga escala da disputa política

Imagem: Magali Magalhães
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Por EUGÊNIO TRIVINHO*

Sem reescalonamento dos antagonismos políticos à dimensão da “guerra cultural”, são estreitas as chances de superação da necropolítica neofascista

Para Angela Pintor dos Reis e Francisco Rüdiger

 

Aliança estratégica sob horizonte unificado

No verão de 2019 para 2020, redigi longo artigo – publicado no A Terra é Redonda – sobre a urgência da rearticulação permanente de todas as forças progressistas contra o neofascismo como movimento social e ideologia de Estado no Brasil. No rastro desse delírio de extrema direita, a pandemia, à época, adentrava fronteiras nacionais, para logo se converter num dos maiores dramas humanitários da história do país – o maior, com certeza, do período da redemocratização: um horror pró-pandêmico que ceifou milhares de vidas por completa irresponsabilidade institucional do governo federal. O fato integra duplamente – pela ocorrência e pela impunidade – o rol cínico e indiferente das carnificinas brasileiras.

A cauda longa da grande peste” – texto fundamentalmente de combate intelectivo, como se diz daqueles de características não-acadêmicas, destinado ao entrechoque de ideias na esfera pública – visou contribuir para o fortalecimento, renovação e expansão das forças de esquerda, republicanas e progressistas [note-se o itálico] contra esse descalabro político e social. A arquitetura da argumentação serviu, obviamente, à defesa da democracia, dos direitos humanos e das liberdades civis no país.

Com angulações complementares a várias autorias em idêntica direção, o estudo enfatizou a necessidade de uma aliança estratégica mais organizada, descentrada e intensa entre todas as forças antifascistas (partidárias e sindicais, jornalísticas e artísticas, educacionais e científicas, de ONGs e militantes etc.) – nas redes digitais, nas ruas, nos parlamentos, nos campi, nos palcos, em todos os espaços –, com amplo diâmetro nacional de oposição, internamente diverso e coeso na meta, visando longo enfrentamento do sinistro resiliente: a necropolítica neofascista – a governança populista do Estado e da sociedade mediante imposição indiferente (direta ou não, declarada ou silenciosa) de sofrimento e morte espalhados, sob inspiração em regimes militares e em vertentes nazistas e supremacistas.

Ao situar a confronto no terreno mais abrangente da cultura (encarada em sentido antropológico) e ao trazer para a mesa de discussão aspectos comunicacionais, bélicos e éticos, a defesa da mencionada aliança estratégica vislumbra horizonte unificado: a consolidação de uma dinâmica coletiva de atenção contínua contra as várias faces e disfarces do estado de corrosão antidemocrático vigente – até a sua superação satisfatória.

Entrecortado por epígrafes líricas, “A cauda longa da grande peste” inclui uma homenagem: os trechos de encerramento, de repúdio absoluto à tortura, evocam, com justiça, a dor e o clamor dos poetas combatentes – braços elevados à liberdade.

 

Potência inacabada das alianças eleitorais

Após dois anos e às vésperas das eleições de 2022, as condições político-articulatórias gerais a que o texto alude se alteraram positiva e significativamente. O campo do centro-esquerda prosperou em alianças importantíssimas, dos partidos políticos aos movimentos sociais e populares, dos sindicatos e associações de classe às Universidades, da cultura e das artes ao esporte, da ecologia à educação, do direito ao empreendedorismo, e assim por diante. A necessidade de ampliação e perduração das articulações, no entanto, remanesce a mesma: as alianças políticas costuradas, com folgado respaldo em pesquisas de intenção de volto e com potencial majoritário, não são suficientes para garantia de sobrepujamento consistente do sinistro. Ingredientes de exigência mais vultuosa e eleitoralmente vocacionadas, cumprem, obviamente, moto crucial de desencadeamento sine qua non.

A natureza autoritária e insidiosa da “guerra cultural” em curso – tal como exasperada em vertentes negacionistas da extrema direita – não se reduz a arranjos (mesmo bem-sucedidos) de disputa em torno do aparelho de Estado. Pleitos democráticos compõem rito tolerado en passent pelo neofascismo. Não constitui seu espaço exclusivo de manifestação.

Enquanto o bolsonarismo se aprofundou, capilarizando-se em diversos escalões do Estado e da sociedade, antigas divisões em alguns segmentos de centro-esquerda preservaram-se inamovíveis: divergências programáticas (para não dizer pessoais) eventualmente ressentidas avivam a mutualidade de intensas críticas, à sombra legítima da democracia de ideais e propostas, como se o contexto social-histórico e político fosse qualquer, longe da urgência de enfrentamento do inimigo comum, com rostos visíveis (nem sempre hostis) e miríade de atuações oclusas. (A matéria é retomada no tópico final).

Diante da potência inacabada dos arranjos eleitorais – algo construtivamente crônico (de khronos, na flexão do étimo, atinente à duração) –, a essência de “A cauda longa da grande peste” remanesce por ser concretizada, em prol do robustecimento contínuo da democracia, dos direitos humanos e das liberdades civis no Brasil. De outro ângulo, a prevalência política e ética dessa injunção justifica desdobramentos temáticos, à guisa de post scriptum; e os motivos dessa evocação comparecem (re)contextualizados abaixo.

 

A cauda longa da necropolítica neofascista

Afastem-se enganos, hesitações e credulidades: tendências correntes explicitam o quanto o neofascismo bolsonarista (em todos os seus segmentos: civil-empresarial, militar, policial e miliciano) tem cauda longa no Brasil. Mesmo toscos no ultraconservadorismo paranoico-anticomunista e atrativos a grupos sociais vulneráveis a acenos autoritários em prol de um líder populista, adepto da ordem pelo tacape, esses segmentos abarcam movimentações estratégicas da direita e da extrema direita militar para além da eventual desidratação eleitoral do próprio bolsonarismo.

O foco prioritário da contenda deve ser, portanto, esse nacionalismo neofascista e sua necropolítica típica. Ele representa a franja antípoda mais obscura da polarização ostensiva e reducionista que recorta, desde origens coloniais, a formação sociopolítica do Brasil: invasor europeu e nativo tropical, elite indiferente e bolsões de miséria, repressão implacável e liberdade irruptiva, racismo estrutural e luta organizada, xenofobia e resistência, e assim por diante.

Do ponto de vista social-histórico, a onda bolsonarista configura uma paisagem neoliberal de época e, como tal, marcantemente arruaceira no campo institucional e dos direitos humanos, sociais e civis. Ela pode desaparecer daqui a algum tempo, como “bolha biodegradável”. O essencial são as pantanosas placas tectônicas que remanescem – estes buliçosos magmas olvidados da cultura brasileira, a partir das primeiras décadas colonizatórias e, em particular, do período escravista. Não por acaso, esse neofascismo deve ser apreendido como momento bem caracterizado no fluxo necropolítico da história brasileira. (Cumprindo definição estrita, a argumentação de “A cauda longa da grande peste” assim retratou essa extrema direita.) O pedigree histórico desse estado de exceção naturalizado se hipostasia hoje em evidências mediáticas de ódio, recorrente insensibilidade a milhares de mortes e fetichização de armas de fogo. São, entre outros, procedimentos bélicos triviais do bolsonarismo.

A resiliência fundamentalista de cerca de 50% de apoio eleitoral ao atual estirão autoritário se deve, por certo, a delírios anticomunistas, mas, antes de tudo, a uma identidade peculiar: na esteira saudosa de signos de poder pós-coloniais e de regimes de força e repressão, eles aplaudem a tortura e assassinatos de adversários. Essa banda percentual se dilata e seu conteúdo recrudesce conforme a flacidez institucional, política e moral das épocas. Foram tais magmas de submundo – não se esqueça – que viabilizaram e sustentaram o longevo descalabro pós-64.

Em escala internacional, sobretudo no que tange à América Latina, o bolsonarismo representa, como sinal de alerta, a reorganização estimuladora, no e a partir do Brasil, das forças de chumbo mais repulsivas, galhofeiras e desprezíveis (e ninguém tem alegria para constatar isso), na direção da remilitarização do Estado (prejudicando amplamente a imagem constitucional das Forças Armadas) e da “milicianização” da sociedade civil.

 

Reconfiguração do legado conceitual da modernidade política

Protofascismo, neofascismo e quejandos, no rastro de nacionalismos autoritários da segunda metade do século XX, integram, de fato, como terminologia pálida às vezes, a banalidade política das últimas décadas. Esses termos, no entanto, jamais correspondem a clichês passadistas, menos ainda a meros fetiches da crítica politizada. A empiria que recobrem – sempre mais abismal do que conceitos podem apreender, e isto para além do conhecimento acumulado – é palpável em vários países da Europa e da América Latina. Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslováquia, Estados Unidos, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Itália, Polônia e Turquia seguem tão ameaçados – e não somente do ponto de vista político-partidário – por essas forças ultraconservadoras quanto Argentina, Chile, Equador, Paraguai e Uruguai. Ruas e praças de metrópoles brasileiras, com intensa repercussão e multiplicação em redes sociais, têm dado testemunho emblemático e internacional disso.

Evidentemente, convém, de época para época, reconfigurar significantes e sentidos. Prevalece, no pormenor, o indicado anteriormente: a rigor, não se trata apenas de fascismos como vertentes definidas, mas de algo muito maior, organizado como necropolítica neofascista, dentro e fora do Estado. O metabolismo semântico dessa expressão conceitual, na perspectiva da argumentação de “A cauda longa da grande peste”, recaracteriza, em retorno, tanto o neofascismo, quanto a necropolítica (em natureza, estado da arte, modus operandi, escala de alcance e consequências mediatas). A matéria, então saldada no texto, não precisará ser repercutida aqui.

A mencionada tarefa de reconfiguração terminológica tem validade extensiva, projetando-se para a maioria dos elementos conceituais legados pela modernidade, a partir do final do século XVIII.

Que as esquerdas – as do segmento político, em especial – necessitam se renovar e avançar constantemente na compreensão de si e de seus pares genuínos, das fontes de “fogo amigo” e de seus inimigos e adversários; e que precisem acercar-se compreensivamente do estágio social-histórico e das tendências político-econômicas locais e mundiais, constitui exigência conhecida da própria qualificação do embate, quer na linha de frente, quer na retaguarda: vem desde antes de 1933 (o golpe final de Hitler) e 1947 (marca da emergência da dissuasão “iluminista” da indústria cultural), para não retroagir mais no tempo.

A questão, tendo larga esteira nacional e internacional, carrega sua própria complexidade para ali onde, sem olhos de filigrana, pode-se, igualmente e sem querer, lacunar na reflexão. Em particular, a regressão política no Brasil a partir de 2016 foi tão gigantesca que reverteu o caráter démodé e borrado de termos clássicos tanto da política pragmática quanto da filosofia e ciência políticas – como “direita”, “esquerda”, “liberal”, “reacionário” e similares –, ressituando-os, não sem surpreendente legitimidade, na ordem do dia. Mesmo a parcela mais sensível e atenta do senso comum não deixou de perceber, via telas e à mesa, o quanto a virulência da extrema direita fez o mundo dar inúmeros passos institucionais, políticos e sociais para trás. Ao invés de o processo civilizatório assestar o Estado democrático de Direito na direção da vida cotidiana, o retrocesso histórico, sequestrando a realização universalizada do ideal democrático, acabou por requerer a defesa urgente e absoluta da democracia formal, a saber, na modalidade estrita de organização suficiente do Estado.

Esse é o momento histórico dos países ameaçados pelo neofascismo. Não sendo a história linear, tampouco se pode supor, entretanto, que o feito ultraconservador, objeto de contrapressões multilaterais, não a tenha represado: dure quantos séculos for, a promessa inclusiva e igualitária do ideal democrático sempre será a de realizá-lo integralmente na vida cotidiana – doa a quem doer.

No âmbito antes considerado – o das forças de oposição aos regimes de Estado e/ou governo autoritários (por pressuposto, em condições multicapitalistas de produção da vida social) –, é importante saber de quais dimensões da esquerda se fala. A diversidade do espectro político nessa seara abrange desde a heterodoxia teórica mais arejada até a ortodoxia praxiologicamente mais engajada. Esse diapasão internamente tensional faz os estratos e agrupamentos se diferirem em relação ao discurso de fundo e à narrativa de contexto (ambos embasados em peculiares balanços históricos e peritagem de tendências), ao projeto econômico, político e cultural de interação com a sociedade (doravante algoritmizada e vigiada por robótica de rede), à arquitetura das alianças, às metas de processo, às ações estratégicas, e assim por diante. A equação bem-sucedida desses fatores, seja em única frente política, seja em composições trianguladas e sincronizadas, depende de características macroestruturais e da temperatura do momento histórico, em geral infelizmente vinculado apenas a ciclos rituais de disputa partidária em torno do Estado.

Abrangendo essas preocupações – focadas, ressalte-se, no pensamento e na práxis do espectro de oposição em campo exclusivamente convencional (o político-partidário) –, vale apreender, diferentemente, as esquerdas conforme se expressam em campos desdobrados: esquerda na cultura e nas artes em geral, esquerda nas ciências e nas religiões, esquerda na educação e no direito, nas Universidades e no jornalismo, e por aí vai, ao lado das e/ou em conjunto com esquerdas nos parlamentos e nas associações de classe, nos partidos e sindicatos etc.

As filigranas desse mosaico de propensões à tensão qualificada tornam-no obviamente complexo. (O último tópico traz observações complementares.) Acima de tudo, trata-se, essencialmente – como se disse –, de contraponto democrático radical a todos os tipos de autoritarismo político, como também a todas às formas de violência engendradas pelo modelo de status quo vigente.

Tendo em vista a variedade de predisposições e orientações (conscientes ou inconscientes, voluntárias ou tácitas, incondicionais ou não) dessas forças de esquerda, a re-esculturação lexical e semântica da argumentação deve necessariamente evocar a velha – e ainda sólida – proposição biopolítica, de Foucault a Deleuze e Guattari, a partir dos anos 1970: elas não dizem exclusivamente respeito a batalhas por controle de instâncias estatais. Poderes burocratizados (executivos, parlamentares e jurisprudentes) não totalizam nem esgotam seus pendores de questionamento e/ou contestação à forma macroestrutural da vida social, bem como às conjunturas políticas da condição histórica atual.

As forças de esquerda, para além da política pragmática, dispõem-se como fio macroestrutural, múltiplo e descentrado de condução que perpassa, sem amarras, todos os campos e setores de expressão e atuação humanas. Em angulação miúda, essas forças se esparramam como cinturão micropolítico multilateral que recorta, em protesto diuturnamente explicitado ou pressuposto, os ateliês e as redações, as salas de aula e os congressos, os laboratórios e palcos, os tribunais e púlpitos, as rodas de conversa e consumo, os balcões de compra e venda, até a caserna e, com sorte, a bancada financeira, entre outros redutos. A exuberância dessas forças, na medida de suas tensões contextuais (totais ou parciais, diretas ou não), as posiciona, de um modo ou outro, à esquerda do establishment, compreendido como o modelo vigente de organização da vida social e dos modos de subjetividade compatíveis, isto é, correspondentes (mesmo que ambígua e/ou resistentemente) à reprodução social-histórica desse modelo societário. Tal oposição se projeta sobre o presente e sobre o futuro do país, em abraço a direitos a serem protegidos e/ou conquistados.

 

Politização da disputa civilizatória na dimensão da cultura

O caleidoscópio do contradito carece, neste momento, de um procedimento difícil (e até agora improvável), desafiado pela passagem do tempo: articular-se de forma estável, com organização descentralizada e vigor persistente, numa frente antifascista como meta histórico-programática, sob a iniciativa da sociedade civil mais preparada, coincidente com as esquerdas intelectuais, científico-educacionais e jornalísticas, partidárias e sindicais, artísticas e religiosas. Em nome da preservação do que ainda resta da democracia como regime formal, das liberdades constitucionais e dos direitos sociais, civis, trabalhistas e previdenciários, essa união estratégica em torno do princípio político cardinal em jogo – além do antifascismo, o antineoliberalismo – converteu-se na agenda nacional mais relevante que as forças de esquerda, democráticas e progressistas podem entregar ao país, em prol do restabelecimento gradativo da saúde republicana das instituições herdadas do final dos anos 1980.

Essa prioridade deve se conjugar com um programa político-econômico emergencial e mediato, voltado para a recuperação das massas trabalhadoras, precarizadas e/ou desempregadas da população, que mais sofre, dia a dia, as desigualdades abissalmente aprofundadas sob o bolsonarismo como insanidade de Estado.

A premente resposta à fome, à miséria e às segregações cidades afora, com superação definitiva e dignificadora igualmente do analfabetismo, é e sempre será um dever histórico, institucional e moral – a razão de ser – das forças de esquerda, democráticas e progressistas.

Ambas as tarefas devem, por seu turno, subordinar-se a um macroprojeto político-econômico e cultural de nação – amplamente discutido, com prospectivas concretas, décadas computadas –, a exemplo, mutatis mutandis, da função social-histórica e jurídico-organizatória desempenhada até hoje pela Constituição Federal de 1988, malgrado todos os riscos, solavancos e vacilos.

Esse protagonismo de cerzidura civil visa robustecer as forças de oposição para o lento processo de disputa de consciências e afetos no terreno da “guerra cultural” e, em particular, dos rituais eleitorais – terreno simbólico no qual joga a sedução neofascista, com resultados substantivos. Esse horizonte deve prever, em primeiro lugar, a desidratação permanente do potencial de voto das vertentes do neofascismo, em especial a hegemônica, o bolsonarismo; e, em segundo lugar, o seu isolamento como movimento político, até torná-lo simples exceção na dinâmica de poderes sociais: com alcance e estruturação minimizados, sua capacidade de produzir adesão, multiplicação e expansão será certamente remota.

Conforme antes lembrado, o tabuleiro da disputa, porém, jamais se esgota em pleitos bem-sucedidos. Ao contrário, não havendo acurado cuidado, o sufrágio vitorioso pode operar ufanamente em prol de frágeis sensações de mundo – como a de que o caminho mais árduo foi galgado, o Estado está sob controle e o restante virá a reboque. Vértices cruciais da suplantação satisfatória do sinistro, vitórias eleitorais não podem dissuadir quanto a premências político-transgeracionais mais complexas, desdobradas no tempo longo.

O diapasão antropológico da cultura mostra, com clareza inconfundível, o quanto a disputa partidária é um córrego – fundamental, mas apenas um – de enfrentamento do drama social em curso: o antagonismo visceral em torno das matrizes axiológicas (atinentes a valores prioritários) do processo civilizatório no atual estirão digital e interativo do capitalismo – e, obviamente, para além dele. Essa disputa civilizatória recai sobre o desenvolvimento socioeducacional e sobre as visões e sensibilidades de mundo, sobre a formação de hábitos e costumes, sobre os usos da língua e da linguagem, sobre o comportamento e a relação com o outro, com a cidade e com o si-próprio – para ficar somente nesses fatores. Tal concorrência está hoje internacionalizada; e o Brasil pode contribuir muito para a compreensão da rediviva nazifascista mundial, com base nas reverberações nacionais e transfronteiras da trajetória corrosiva do bolsonarismo como ideologia de Estado.

O prisma da cultura, sobrelevado na contraluz de tendências autoritárias que pretensamente correm para moldar o amanhã, revela o quanto a oposição antifascista deve se repensar no diapasão das largas durações. A necessidade política e ética de traduzir resultados e produzir indicadores sociais imediatos precisa se atrelar a esse princípio.

Em depreensão alternativa, o desafio social-histórico das forças republicanas e democráticas, no país e no exterior, reside em conjugar, em esteira longitudinal, aliança estratégica e estabilidade de meta, foco e ação, sem prejuízo da diversidade política.

Depois de 1964-1985 e do retorno do recalcado, na forma cinicamente virulenta do bolsonarismo – este sinal vermelho sintomático, em todos os sentidos –, um projeto de nação para, digamos, cinco décadas deve abranger esforços (inclusive de Ministérios e Secretarias de Estado) para desidratação progressiva da necropolítica neofascista no miolo da sociedade (da vida cotidiana às esferas profissionais e/ou formais), preservando olhar atento a ventos extremistas no estrangeiro.

A rigor, as instituições sociais – a começar por estas – deveriam responder ao enorme desafio de modo peculiarmente correspondente: com trabalho de esclarecimento antifascista voltado a gerações emergentes e pósteras, abrangendo o maior número possível de setores da sociedade. A educação (formal e informal), a ciência (sobretudo no âmbito das humanidades) e as artes (em todos os segmentos) jogam – e sempre jogarão – papel fundamental nesse processo. O horizonte de influência contributiva dessas áreas requer investimentos públicos substanciais sob legislação de Estado (não de governo), impedidas sabotagens esporádicas por administrações desalinhadas. Igualmente, a envergadura dessa práxis compreende trabalho incansável e articulado de instâncias e meios de comunicação progressistas, para combate à desinformação estrutural e à espiral de fake news; e monitoramento jurídico-político de práticas antirrepublicanas e antidemocráticas, entre outros focos importantes.

Em razão da gravidade histórica da situação, valha o mérito exaustivo da explicitação: as forças de esquerda, democráticas e progressistas, apesar de já no front simbólico e multilateral décadas a fio, não adentraram, com a devida integração e organização estratégicas, o tablado da guerra em que a necropolítica do bolsonarismo tem investido fichas governamentais, corporativas, militares e milicianas, a saber: o campo da cultura (na escala da acepção mencionada).

Como ressalva conexa e alerta à paciência histórica, fica o registro: a aliança democrática das forças políticas de esquerda, centro e direita que governou o Brasil de 2002 a 2016, sob a condução do núcleo articulatório-majoritário do Partido dos Trabalhadores e com caução econômico-financeira conservadora, não permitiu moldar as instituições e o modo econômico de produção na perspectiva originária de uma sociedade sem profundas desigualdades materiais. O Brasil é excessivamente diverso e, por isso, de difícil governabilidade (ainda mais em pouco tempo) sem uma aliança extensiva, a mesma que, em retorno perverso, acaba por colocar qualquer governo progressista no fio da navalha e, por essa armadilha, submetê-lo a sabotagens fatais.

 

Dissolução necessária de diferenças ressentidas

O fato de a crítica à necropolítica bolsonarista ter sido reescalonada ao arco mais abrangente da cultura molda, desde o início, o conjunto de destinatários da reflexão. Em “A cauda longa da grande peste”, esse delineamento abrangeu a previsão de estratégias e práticas sugeridas.

Tal injunção se liga a fontes teóricas inspiradoras e pressupostas. Por envolverem eficácia de meta, a natureza e a premência do embate com a extrema direita evocam e/ou ressignificam concepções há muito conhecidas nas Universidades ocidentais. A argumentação, aqui como no outro texto, inspirou-se livremente (isto é, sem compromisso sistemático de citação) na conjunção de fundo entre o prisma contestatário de Marcuse sobre o existente e a visão micropolítica de Foucault, Deleuze e Guattari. A sociodromologia fenomenológica de Virilio esteve presente do início ao fim.

Essa conjugação teórica poderia ser expressa ao inverso, na devida diplomacia, preservando-se a coerência originária de cada vertente lembrada: a crítica sociodromológica pode abraçar fundamentos hegeliano-fenomenológicos e marxistas de parcela da Escola de Frankfurt na direção da ação micropolítica nas ruas e redes. A equação não dispensa a companhia da sociopsicanálise (no caso, de Freud a Lacan) e da teoria do imaginário (de Castoriadis) aplicadas à biopolítica. Nesse contexto, permaneceu no horizonte a visão desmistificadora de Mbembe sobre a necropolítica.

Não por outra razão, essa malha de inspirações excepcionou da batalha teórica a advocacia voluntarista do denuncismo, seja na letra, seja nas entrelinhas.

Os destinatários da reflexão perfilam-se naquele fio de tensão que permeia o social como cinturão multilateral de insatisfação ativa em relação à estrutura dinâmica dos modelos de vida atuais, especialmente embasados em – ou vinculados a – procedimentos de acumulação capitalista divorciada de compromissos consistentes com o desenvolvimento humano sustentável.

Sem prejuízo da positiva volatilização desse diâmetro destinatário (para inclusão de simpatizantes da e/ou interessados na causa democrática e antifascista), essas notações não deixam de evidenciar que ambos os textos – aquele e este – se dirigem majoritariamente a um universo seleto e exclusivo de agentes históricos do campo da ousadia progressista, descartada, por pressuposto, toda espécie de políticos e vertentes oportunistas, cujo vacilo de praxe entrega facilmente a fragilidade de caráter.

O círculo abarca quatro principais segmentos de potência política no Brasil, em matéria de resistência e transformação. Acima de tudo, a reflexão se destina à esquerda dirigente (parlamentar e executiva), à esquerda intelectual (dentro e fora das Universidades), à esquerda cultural (mediática ou não) e à esquerda socialmente esclarecida (com ou sem filiação a partidos e/ou adesão a militância) – todas espalhadas pelo país. São segmentos admiráveis, marcados por história pungente – de vida, desejo e luta – e fatalmente retalhados pelo ressentimento na extensa jornada de interações e conflitos com o status quo.

Na política convencional, ressentimento é cristal de trava a avanços rumo a direitos: precisa ser granulado e dissolvido ou, ao menos, preterido em circunstâncias históricas definidas, que exigem união estratégica de propósitos, em torno de metas prioritárias comuns. É o caso do Brasil – e assim continuará por tempo indeterminado. Diferenças ressentidas têm impedido a formação programática da mais ampla rede de oposição antifascista, tão necessária quanto premente, mais clarificada na percepção de contexto, mais organizada em relação ao norte comum, mais preparada no fôlego de longo prazo, mais abertamente firme a consequências imprevisíveis.

Igualmente e por motivos evidentes, a reflexão foi dedicada a todas as forças democráticas e progressistas (e, com elas, seus simpatizantes) com histórico estável de honestidade e coerência políticas. O objetivo específico, nesse caso, foi o de contextualizar minimamente essas forças a respeito da natureza alterada e da dimensão cultural da missão envolvida. Os valores democráticos, que precisam de defesa radical e inveterada, devem ser colocados no colo dos neofascistas, em série infatigável de embates republicanos, dentro e fora dos parlamentos, antes, durante e para além de rituais eleitorais. O rumo histórico desse contradito necessita preservar e expandir o rol de conquistas humanitárias no mundo civilizado.

Essas tintas calcadas não indiciam senão, de outro modo, o patamar antropológico do conflito crucial corrente. Como a necropolítica neofascista extrapola o âmbito da política partidária – esta, ao contrário, é ingrediente de diapasão mais amplo –, a experiência de superação em jogo envolve esforços conjugados de instâncias, agentes e expertise progressistas nos campos aludidos – do direito ao jornalismo, da ciência às artes, da educação à religião, do empreendedorismo ao voluntariado, e assim por diante.

De todos os segmentos destinatários da reflexão, são as forças de esquerda e democráticas as mais preparadas para realizar os fundamentos da proposta feita, trazendo consigo as demais forças identitárias e/ou afins, para ampliação coesa da rede antifascista.

Os estratos ou grupos dogmáticos, ortodoxos, extremistas e similares, indispensáveis na e para a militância em contextos específicos de ação coletiva, mas eventualmente impermeáveis ao pensamento livre, não vigoraram no radar da concepção e do desenvolvimento da argumentação. Com certeza, esses estratos e grupos prosseguirão juntos na caminhada. Se não compreenderem, porém, a necessidade prioritária da defesa antirregressiva dos valores republicanos e democráticos na macroescala da cultura, ficarão em desalinho com as exigências dramáticas do combate ao neofascismo como necropolítica.

 

Fragmentação das esquerdas e consequências políticas e sociais

A mentalidade conservadora e reacionária, caudatária inconsciente da adesão voluntária ou submissão tácita à tradição da tutela colonial, sempre teve representação robusta nas massas brasileiras – desde antes da formação capitalista-industrial do país. A fragmentação das forças de esquerda, democráticas e progressistas, desgastando entrada no quadro de insatisfações e indignação populares e da sensibilidade contestatária, joga papel relevante na continuidade expandida dessa representação pós-colonial.

A fragmentação das oposições partidárias, especialmente depois de resultados bem-sucedidos em pleitos majoritários, contribui para gerar e nutrir o tal “Centrão”, instância parlamentar informal que submete, com escambo de terror simbólico (“toma lá, dá cá”), todo e qualquer governo sob regime presidencial dependente (ou não) de coalizão voluvelmente heterogênea. Compondo maioria com poder de veto, esse agrupamento pragmático-conservador, escaldado em bases eleitorais relativamente estáveis, chantageia e humilha o Poder Executivo, quando não o Poder Judiciário e o próprio Poder Legislativo, com pragmatismo nepotista e fisiologista sem qualquer constrangimento ou remorso.

Mesmo nos dois mandatos do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 2002 a 2010, a fragmentação das esquerdas e dos segmentos liberais progressistas obrigou a governabilidade a basear-se num conjunto de forças partidárias tão diversas que, legadas ao mandato subsequente, de Dilma Rousseff, deram as cartas a ponto de isolarem a então presidenta e desencadearem seu impeachment, num processo totalmente iníquo e casuístico apoiado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Esse descalabro – não é demais lembrar – extrai potência diretamente do vazio cedido por forças políticas que deveriam, antes, ocupar, com urgência, o cenário central de forma integrada e duradoura; e, quando não o fazem, o efeito decisório é similar ao de uma renúncia coletiva (mesmo involuntária) à mencionada premência. O acentuado primado personalista brasileiro em relação a ações conjuntas de liderança multilateral e permanente guarda íntima relação com essa lacuna: ele prospera em desfavor total dos resultados necessários destas mesmas ações.

A culminância factual desse processo, embora coletivamente inintencional, arrasta consigo a severidade de sua própria sombra histórica: a perduração de circunstâncias fragmentárias e não-agregadoras no campo progressista beneficia, amplamente e sem cumplicidade, as condições de avanço do neofascismo, o mesmo que as forças de oposição desejam superar. Obviamente, fragmentações sobretudo ressentidas não interessam senão à perpetuação política e institucional de mentalidades e práticas de ultradireita nos interstícios da sociedade, indiferentes às mazelas colaterais de extrema desigualdade que produzem.

Em razão do mais recente quadriênio da amargura (2018-2022), os segmentos democráticos da esquerda política, cultural, educacional e jornalística precisam induzir e liderar o trabalho paulatino e concatenado de reconquista do coração das massas, com base – como sinalizado – num programa multidisciplinar de ação afirmativa a curto, médio e longo prazos (tanto para um quadriênio quanto para 50 anos). (A subordinação do plano de ação à empiria imediata faz a política de alianças, por exemplo, equivaler a um cinturão de agentes ébrios: sem domínio dos rumos do conflito fundamental, cobrem apenas o que vai aparecendo pelo caminho).

Vencer as eleições presidenciais em 2022 é, nessa direção, o reinício político sine qua non da oportunidade de ouro para a reconstrução do país sob o norte de um projeto de nação que contemple a dimensão antropológica e educacional da cultura em perspectiva antifascista. A trágica experiência do quadriênio 2018-2022, com a rediviva da peste, não deixa margens a hesitações.

Somente esse trabalho sociopolítico – tão agregador quanto estável, tão contínuo quanto expansivo –, com acenos a vertentes liberal-democratas não-corruptas, é capaz de interromper o ciclo de reprodução reacionária reinaugurado após o golpe de 2016, remover os escombros do inferno que pesam sobre a cabeça de todos e todas, e recolocar o país nos trilhos de uma reestruturação inadiável. Estão aí, agigantados, a miséria e o analfabetismo, a exclusão e a segregação, da zona rural à urbana; o estímulo deliberado a todo tipo de preconceito, com assassinatos de indígenas, negros e membros da comunidade LGBTQIA+; a velocidade criminosa do desmatamento na Amazônia; a destruição mineradora e garimpeira da biodiversidade; a invasão e depredação de territórios ancestrais; as ameaças à dinâmica institucional republicana e democrática, a partir da deturpação de dispositivos constitucionais; a agressão à doutrina dos direitos humanos e aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários; a militarização do Estado e da educação; o armamentismo civil e a expansão miliciana; a promoção da tortura e a condecoração de seus defensores; o autoritarismo contra a imprensa; a disseminação de fake news; a corrupção acobertada por orçamentação secreta e cláusula de sigilo (de 100 anos); o desinvestimento em educação e ciência, pesquisa e inovação, e a estigmatização das Universidades, entre outras tendências graves, no rastro da indiferença institucional e genocida durante a pandemia de Covid-19 e da depreciação internacional da imagem do país.

A simultaneidade entre a vigência dessa extensa lista e as fraturas insistentes no universo democrático e progressista constitui, por ora, o pior aviso histórico sobre o cenário político e cultural brasileiro.

*Eugênio Trivinho é professor do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP.

 

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