Por EMILIANO JOSÉ*
Num milagre contra a corrente, um Brasil de pleno emprego e fome decrescente avança sob um manto de invisibilidade tecido pela grande imprensa, que lamenta o sucesso alheio e celebra a austeridade como dogma
1.
Houve um momento na nossa história onde havia um debate muito intenso em torno dos dois Brasis. Um semi-colonial, semi-feudal. O outro, capitalista. Convivendo.
Havia outra concepção: nada de dois Brasis. Um único país, sob domínio capitalista, evidentemente convivendo com uma porção ainda não totalmente tomada pelo capitalismo, muito embora este, inegavelmente, se valesse do atraso das relações de produção para seguir no intenso processo de acumulação.
Dois intelectuais, de grande valor, expressavam tais posições, e se fala nos dois sem qualquer desprezo a tantos outros envolvidos naquela porfia. Um, Nelson Werneck Sodré, defensor da primeira posição. Outro, Caio Prado Júnior, lança em riste na defesa da segunda.
Creio ser discussão superada. Brasil, país capitalista. Ao menos, se consideramos o lado estrutural do capitalismo brasileiro. E ao dizer isso, não estamos minimizando as marcas da Casa Grande, tão presentes entre nós. A toda hora, empresários, isso, empresários são flagrados valendo-se do trabalho escravo. Um estranho capitalismo, mas é ele, o modo de produção de mercadorias da sociedade brasileira.
Só comecei assim por conta do título, mas, a pretensão desse texto é tratar da atualidade. De dois Brasis, também. Um Brasil pensado pelos meios de comunicação e outro, o Brasil real. O Brasil das corporações empresariais midiáticas, especialmente pela rede Globo. E o Brasil ressurgido desde 2023, após a posse Lula.
Há os iludidos com nosso jornalismo. Neste, há um discurso permanente. As grandes corporações midiáticas mantêm, de modo rigoroso, um pensamento único – defesa intransigente do capital, do modo de produção capitalista, de modo especial, atualmente, do neoliberalismo, modo de existência do capitalismo desde pelo menos o reinado de Margaret Thatcher.
Nisso, nosso jornalismo, aquele praticado pelas grandes redes, e por menores afiliadas a tal pensamento, nisso ele não varia. Há momentos, como o da pandemia, tal a gravidade da situação, onde ele até abraçou visões progressistas. Não embarcou na visão negacionista daquele governo. Não obstante, permaneceu rezando pela cartilha de Paulo Guedes, sem qualquer vacilação. O apoio ao neoliberalismo faz parte das cláusulas pétreas do jornalismo empresarial brasileiro.
2.
Penso no Brasil de hoje. Houve a vitória de Lula na eleição de 2022, superando, portanto, aquela fase de obscurantismo de quatro anos. A provocar a morte de 700 mil pessoas por absoluta irresponsabilidade do presidente anterior, capaz de sorrir diante da morte – da morte de brasileiros, de brasileiras.
Lula vence e a rigor inicia um processo de reconstrução. Não é metáfora. Quando o presidente anterior assumiu, em 2019, disse, sem rodeios, ter como tarefa central destruir – o governo dele seria de destruição. E foi. A afirmação ele o fez nos EUA, pátria de predileção dele, e de toda a família.
Não se esconda, no entanto: fez a lição de casa do capital. Para alegria do empresariado, ao menos do grande empresariado, cuja política atual, cujos procedimentos dos dias de hoje não são tão diferentes, não obstante as políticas do governo Lula, voltadas ao incremento da industrialização e do apoio ao campo, inclusive ao agronegócio.
Só olhar a liderança atual do grande empresariado, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, para compreender minha posição. Montou uma equipe, logo ao assumir a presidência da entidade, cheia de bolsonaristas de carteirinha, e disso se orgulha. Esse empresariado tudo fará para derrotar Lula, disso ninguém duvide. E não é novidade para o atual presidente.
Volta e meia, é o uso do cachimbo, vejo o Jornal Nacional, na maioria das vezes a contragosto. E deparo com um Brasil à beira do abismo. Ainda nas últimas horas, dia 10 de outubro, assisti a uma das coberturas daquele jornal. Quem chegasse ao Brasil, e nada soubesse da situação em que nos encontramos, se assustaria.
Um olhar enviesado, totalmente dirigido pela lógica do capital financeiro, nem é a lógica do capital produtivo, indica uma situação desastrosa. Tudo, meninos eu vi, gira em torno da austeridade, do corte de gastos, corte inclusive e principalmente nas políticas públicas destinadas à população mais pobre do País, e podíamos citar, entre tantas, o Bolsa-Família, o benefício da Prestação Continuada e, não podia faltar, o “absurdo” da correção do salário mínimo acima da inflação.
A cobertura do crime cometido pela maioria congressual, evitando cobrar impostos, na linha de mínima, de milionários, chega a ser absurda porque praticamente comemorada. Aquela maioria, pressionada pelas ruas, dá com a mão esquerda, isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, e tira com a mão direita. Quer colocar o governo numa encruzilhada.
Difícil seguir desenvolvendo políticas públicas capazes de melhorar a vida do povo sem a contrapartida da cobrança de alguma contribuição dos que ganham milhões. As fontes jornalísticas, sempre escolhidas a dedo, vinculadas ao rentismo, ao capital financeiro, apontando a necessidade incessante do corte de gastos, sempre de modo a sangrar a parte mais pobre da população brasileira.
E a lamentar, isso mesmo, a lamentar o que pudesse ser considerado positivo na cena brasileira. Houvesse alguma ética, e no mínimo, tal jornalismo devia procurar fontes diversas, com outro pensamento, mas aí seria pedir demais. Este, um Brasil, apresentado pela rede Globo, e não só por ela.
3.
O outro, submerso, quase clandestino, é o país surgido, reconstruído depois do tsunami bolsonarista, negacionista e golpista. Costumo dizer: o governo Lula é um milagre. Cercado por essa mídia, pela maioria congressual hegemonizada pela extrema-direita, Lula consegue fazer um governo cujos números são absolutamente surpreendentes. Não vou cansar os leitores, mas devo lembrar alguma coisa.
Houvesse alguma honestidade no jornalismo dessas grandes redes, e seriam obrigadas a ressaltar, com muito destaque, o fato de praticamente estarmos vivendo situação de pleno emprego, de estar acontecendo melhoria reais nas condições de vida do povo brasileiro.
Um governo capaz de ter conseguido tirar 26,5 milhões de pessoas de uma situação de fome, retiradas do Mapa da Fome, condição onde fôramos jogados durante o governo passado. A proporção de domicílios em insegurança alimentar grave caiu de 4,1% para 3,2% entre 2023 e 2024, menor nível desde 2004. Essas vitórias contra a fome são conquistas civilizatórias.
Decorre de programas sociais, da agricultura familiar, da geração de empregos, do investimento público, ação do Estado. E tais conquistas civilizatórias deviam ser comemoradas.
Esse Brasil, essa recuperação experimentada pelo governo Lula, essa reconstrução, são, no entanto, praticamente ignoradas pelo jornalismo das grandes redes.
Mais: tal jornalismo prega a necessidade de reduzir a atividade econômica, lamenta o fato de o país ter tanto emprego, e celebra os abusivos juros ditados pelo Banco Central, a favorecer o capital financeiro, e apenas a ele.
O presidente Lula e o governo dele estão fazendo um milagre, insisto. O importante a destacar: o Brasil e as conquistas alcançadas desde 2023 estão vencendo. O Brasil da Globo está perdendo.
O povo brasileiro tem demonstrado confiança no presidente. Aponta para a reeleição dele, de modo a continuar enfrentando os desafios do País. Há muito a caminhar. Especialmente, enfrentar a absurda desigualdade, a necessidade de avançar na distribuição de renda, exigir dos mais ricos o pagamento de impostos, diminuir os juros abusivos de modo a assegurar mais e mais desenvolvimento, terminar com o domínio do capital financeiro.
Entre os dois Brasis, melhor ficar com aquele voltado a melhorar a vida do povo. E não com o outro, sempre empenhado em engordar a burra do grande capital, dos rentistas.
*Emiliano José é jornalista, escritor, membro da Academia de Letras da Bahia. Autor, entre outros livros, de O cão morde a noite (EDUFBA). [https://amzn.to/46i5Oxb]
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