A transição agroecológica no Brasil – parte 2

Imagem: Sonic
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Por JEAN MARC VON DER WEID*

A abordagem da promoção do desenvolvimento agroecológico

Problemas na abordagem da promoção do desenvolvimento agroecológico – conceitos

A primeira questão se refere à própria compreensão do conceito de agroecologia. Apesar das definições bastante consistentes elaboradas por Altieri e Glissman desde os anos oitenta e reproduzidas com complementos e algumas clarificações por teóricos e praticantes em várias partes do mundo, a percepção desta proposta varia segundo o público e no interior de cada público.

Agricultores, técnicos e cientistas, agentes públicos, extensionistas, agentes financeiros, professores, mídia, políticos, percebem a agroecologia de formas variadas.

A confusão entre agroecologia e produção orgânica já foi mencionada neste artigo, mas cabe voltar a ela, sem medo da repetição. Um sistema de produção orgânico está centrado em evitar o uso de insumos químicos e sementes transgênicas, mas não cobra a integração da biodiversidade natural nos desenhos produtivos ou a restrição a monoculturas. Isto permite que o agronegócio verde invista na produção orgânica e tenha seus produtos certificados pelas várias legislações existentes mundo à fora.

Ao manter uma abordagem que simplifica bastante o desenho do sistema produtivo para permitir a mecanização das várias atividades, a proposta orgânica se distancia da diversidade existente nos sistemas naturais nos quais está inserida e acaba sendo menos eficiente do ponto de vista da produtividade, da resistência e da resiliência.

Estes sistemas acabam dependentes de insumos externos orgânicos, seja para a fertilização seja para o controle de inimigos naturais (plantas invasoras, insetos e patógenos), que não deixam de surgir como parte do efeito do desequilíbrio ambiental das monoculturas orgânicas. Esta dependência acaba incidindo nos custos de produção, tornando os sistemas orgânicos mais caros.

A produção orgânica, versão muito simplificada da proposta agroecológica, acaba sendo atraente para o agrocapitalismo verde e já vemos empresas com esta identidade assumindo espaços importantes nos mercados de alimentos em maior escala. Outro efeito deste sistema é o abandono da agrobiodiversidade das plantas cultivadas, quer pelo uso de variedades convencionais quer pela adoção de umas poucas variedades crioulas mais performáticas ou mais adaptadas à demanda do mercado.

Em outras palavras, os sistemas orgânicos de produção tendem a ser um modelo próximo do convencional e mais fáceis de serem aplicados em grande escala, em concorrência com sistemas agroecológicos mais complexos e em menor escala, aplicados pela agricultura familiar. Isto facilita os processos de pesquisa e de extensão rural ao centrar em cada planta ao invés de trabalhar com os sistemas produtivos como um todo. Igualmente, os processos de financiamento se aproximam dos hoje dominantes, voltados a um ou outro produto.

É claro que a substituição do sistema convencional por sistemas orgânicos é um avanço sob muitos pontos de vista, em particular o da conservação dos solos e a não poluição química do ambiente, dos produtores e dos consumidores. Mas as maiores vantagens ambientais, sociais, econômicas e nutricionais dos sistemas agroecológicos deixam de ser aproveitadas.

Por outro lado, os praticantes da agroecologia, sobretudo aqueles mais integrados no mercado, acabam se rendendo às pressões, seja do mercado, seja da busca de aumentos de escala e adotando formas simplificadas derivando na direção de sistemas orgânicos.

Além disso, a complexidade dos sistemas agroecológicos coloca um desafio metodológico para os técnicos e entidades de Assistência técnica e extensão rural (ATER) voltados para a sua promoção e isto também leva à simplificações na busca de desenhos produtivos “generalizáveis”, ou seja, que possam ser adotados em massa pelo público de produtores familiares.

Para concluir, o domínio deficiente dos conceitos acaba afetando todos os mecanismos de promoção do desenvolvimento agroecológico. A baixa compreensão do conceito de agroecologia tem efeitos ainda mais deletérios na formulação de políticas públicas de apoio à transição, dando origem a propostas inviáveis de financiamento, pesquisa e assistência técnica e extensão rural.

Problemas na abordagem da promoção do desenvolvimento agroecológico – métodos

Em sistemas convencionais ou nos orgânicos, há uma lógica centrada em uma ou mais monoculturas. As instituições de pesquisa se dedicam a formular uma “receita” produtiva para cada cultura e hoje já existem inúmeros manuais, da Embrapa, de centros estaduais de pesquisa ou de universidades, mostrando como produzir de forma orgânica alface, feijão, milho, e muitos outros.

Em países onde essa cultura orgânica está mais avançada já existe um mercado importante de insumos orgânicos (fertilizantes, controles biológicos) e que não deixam de reforçar uma uniformidade nos desenhos produtivos. Como já dito anteriormente, os recursos genéticos utilizados nestes sistemas simplificados tendem a ser convencionais ou, se utilizadas variedades crioulas, empregando uma baixa diversidade de variedades.

Este modelo permite a aplicação das abordagens convencionais de promoção do desenvolvimento: o desenho produtivo é formulado nos centros de pesquisa e levado aos agricultores por uma extensão rural que ensina os agricultores como aplicá-lo de maneira bastante uniforme, através de treinamento e visitas de apoio.

Em um sistema agroecológico nada disto existe. Parte-se de outro paradigma, o da diversidade dos desenhos produtivos de cada agricultor, adaptados às condições específicas de cada um: solo, relevo, hidrologia, tamanho, disponibilidade de mão de obra, preferências e habilidades.

Esta diversidade da realidade de cada agricultor impede que se proponha um modelo generalizado a ser aplicado por todos igualmente. E coloca um enorme desafio para a pesquisa e para a extensão rural.

Pesquisa de sistemas produtivos complexos no lugar de pesquisas por produto? Como? Os cientistas teriam que se debruçar sobre a realidade específica de cada produtor para elaborar um sistema ideal para cada um? Inviável!

A questão de como desenhar modelos produtivos para cada agricultor ainda é um grande empecilho no avanço da produção agroecológica. Experiências mundo afora mostraram que esta produção de conhecimento específico para cada agricultor só pode ser feita através de métodos participativos onde o papel do agricultor é essencial. No entanto, a formulação destes métodos ainda está na infância.

Algumas organizações não governamentais de Assistência técnica e extensão rural agroecológica fizeram progressos no desenvolvimento de métodos, mas ainda há muitos problemas a resolver.

Em primeiro lugar, o reconhecimento do papel dos agricultores neste processo esbarra, frequentemente, com um conceito reducionista: a definição da figura do “agricultor experimentador”.

Para as entidades de Assistência técnica e extensão rural este personagem passa a ser o eixo a partir do qual os desenhos produtivos são formulados, com o apoio dos técnicos e dos pesquisadores. Esta opção tem a ver com as restrições em pessoal técnico destas instituições, que optam por concentrar seus esforços em agricultores mais “avançados” (mais inovadores e mais receptivos aos princípios do modelo agroecológico).

A aposta desta estratégia é que os avanços técnicos dos experimentadores produzirão exemplos práticos a serem seguidos pelos “outros”, levando à difusão ampla de um desenho produtivo. No fundo, trata-se do mesmo equívoco de um sistema convencional, a expectativa de que um modelo único vá ser adotado por muitos. É uma opção que ignora a imensa diversidade dos agricultores familiares, mesmo em um território limitado (assentamento, comunidade, distrito, município, bacia hídrica, etc.).

Neste modo de agir as ONGs de Assistência técnica e extensão rural agroecológica apostam em um processo de duas etapas: o desenho de um sistema produtivo adotado por um experimentador e a adoção deste mesmo sistema por outros a quem este resultado é apresentado. A realidade mostra que este processo não funciona. Depois de alguns anos de experimentação com os agricultores “mais avançados”, descobre-se que a adesão aos novos desenhos não acontece de forma ampla.

Há várias explicações para este fato. A primeira são as diferenças entre os inovadores e o público em geral. Isto torna difícil para o agricultor a quem se propõe imitar o experimentador a aplicação da proposta na sua realidade específica. Frequentemente o que ocorre é a adoção de uma ou outra prática, sem que se altere significativamente o desenho produtivo original do “imitador”.

Como se amplia a escala dos processos de transição agroecológica na prática das ONGs de ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL?

O que acontece nas experiências da assistência técnica e extensão rural agroecológica mais avançada é uma disseminação de práticas desenvolvidas por grupos de experimentadores, mas ignorando o universo dos produtores mais próximos que não se incorporaram ao processo desde o início. As entidades e os movimentos a elas associados passam a propagandear os resultados dos primeiros grupos em públicos mais amplos e buscando voluntários para a formação de novos grupos. Frequentemente o que acontece é ficarem para trás todos os que não aderem espontaneamente ao processo.

Para dar um exemplo hipotético e simplificador, mas muito próximo da realidade, se na primeira investida a entidade de Assistência técnica e extensão rural reúne 10 famílias em uma comunidade de 30, ao expandir o processo ela não se preocupa com os 20 “resistentes” à proposta, mas vai buscar em outras comunidades quem está disposto a aderir. Se há poucas comunidades com aderentes em um município, a busca se alarga para municípios vizinhos. O resultado é a criação de um mosaico de agricultores participantes da transição agroecológica, diluídos em uma maioria de não aderentes. Aumenta-se a escala em termos de números de participantes e do tamanho da área do território alvo da estratégia de ampliação da transição agroecológica.

A meu ver, esta estratégia deixa de analisar o porquê da não adesão de tantos e o porquê da adesão da minoria, o que permitiria traçar estratégias dirigidas a ganhar os “resistentes”, adensando os processos coletivos de transição. Em vários momentos este autor encontrou nas entidades de Assistência técnica e extensão rural certo fatalismo e a aposta em uma hipotética adesão futura, uma espécie de determinismo histórico.

A dificuldade é admitir que o desenho produtivo agroecológico de cada um é distinto e que vai cobrar uma experimentação específica para cada caso. Isto significa admitir que a distinção entre ‘inovadores” e “seguidores” é falsa. Todo agricultor, no seu nível e na sua realidade específica, é um experimentador e deve ser tratado como tal.

Esta constatação implica em um modelo de experimentação que não pode ser individual, mas coletivo. Os processos de experimentação coletiva implicam na organização de grupos de agricultores com sistemas produtivos semelhantes e com problemas similares. Note-se bem que se trata de sistemas com características e problemas comuns, mas com uma inevitável variabilidade a ser respeitada e contemplada na experimentação coletiva.

Há todo um processo de avaliação e diagnóstico dos agroecossistemas de cada um que permitem que, enquanto coletivo, os agricultores participantes possam compreender as raízes de seus problemas e os elementos que condicionam as suas soluções. Eles não serão idênticos para todos os participantes, mas as trocas de informação e de conhecimentos entre eles e entre os técnicos de assessoria, permitirão a cada um olhar seus próprios sistemas de forma mais aprofundada.

As discussões sobre as práticas capazes de superar os problemas identificados e diagnosticados permitirão aos grupos selecionarem técnicas a serem testadas em cada propriedade, adaptando-as a cada realidade específica. Estes testes ou experimentações realimentarão o esforço coletivo com novas informações a partir da prática de cada um, a avaliação dos resultados e a correção das práticas em novos testes.

É claro que estes grupos (de vizinhos tanto quanto possível) não são compostos por agricultores com a mesma capacidade de inovação ou adaptação. Mas estas diferenças não se constituem em problema na medida em que a construção do conhecimento aplicado por cada um é objeto de trocas no coletivo, servindo de suporte para as decisões de cada participante.

O papel da entidade de Assistência técnica e extensão rural, neste processo, é o de animador da dinâmica de produção coletiva de conhecimento e de adaptação a cada caso, além de alimentarem o debate com informações sobre os princípios da agroecologia aplicada e sobre técnicas específicas não conhecidas dos participantes.

Algumas ONGs de Assistência técnica e extensão rural adotaram esta abordagem por algum tempo, mas acabaram por derivar para a difusão ampliada de práticas mais simples e generalizáveis, sobretudo pela pressão dos financiadores. Estes últimos, sem entender a complexidade da agroecologia e dos métodos da sua promoção, passaram a cobrar resultados rápidos. Isto é ignorar que a abordagem participativa leva a processos paulatinos de câmbio dos sistemas produtivos que se aceleram na medida em que mais e mais grupos de agricultores se engajam na produção coletiva de conhecimento.

O aprofundamento desta metodologia participativa de produção do conhecimento agroecológico e sua sistematização é algo que vai ser fundamental para qualquer esforço de massificação da transição agroecológica.

As dificuldades no salto da escala experimental para a aplicação na propriedade.

Um outro elemento problemático tem que ser incluído nesta equação. A questão está na forma como os agricultores realizam os seus experimentos e como levam seus resultados para seus sistemas produtivos.

É muito comum que os testes realizados pelos experimentadores sejam feitos em pequena escala e que as várias técnicas sejam incorporadas em um microssistema produtivo que vai se complexificando. Alguns agricultores buscam levar cada resultado dos micro experimentos para um subsistema de sua propriedade ou mesmo para o conjunto, conforme o caso. Mas a maioria (até onde a minha experiência permite dizer) acaba criando um sistema agroecológico complexo em pequena escala, distinto de seus sistemas tradicionais ou convencionais, deixando o aumento de escala para um momento posterior, quem sabe com o desenho produtivo já formulado.

Tanto num caso como no outro, há um problema importante a ser resolvido: como aplicar uma prática aprovada em pequena escala em um espaço ampliado da propriedade? As entidades de Assistência técnica e extensão rural tem deixado este problema para ser resolvido pelos agricultores, deixando de perceber a complexidade desta etapa. É por esta razão que se encontram tantas propriedades com desenhos agroecológicos complexos em pequenos espaços à parte dos sistemas produtivos existentes, muitas vezes com soluções engenhosas que o agricultor não consegue generalizar. Em muitos casos, o salto da experiencia micro para a adoção em toda a propriedade ou em um subsistema depende de recursos financeiros e este é o próximo problema que vamos abordar.

Como financiar a transição para a agroecologia?

Os sistemas de financiamento através do crédito bancário, tornados mais acessíveis pelo PRONAF foram incapazes de se adaptar às condições específicas dos processos de transição agroecológica.

A matriz orientadora destes créditos é totalmente centrada nos conceitos convencionais da agricultura dita “moderna”: centrada em um produto operado em monocultura, utilizando sementes recomendadas pelas empresas e centros de pesquisa e desenvolvidas para reagirem ao uso de adubos químicos, no uso de controles químicos de pragas, invasoras, fungos, patógenos, no uso de mecanização pesada.

Para um projeto de crédito ser aprovado por uma agência bancária ele tem que estar conforme às recomendações dos centros de pesquisa agronômica. Apesar de se ter conseguido alguma flexibilização destas normas em alguns lugares, de forma geral os bancos resistiram a dar financiamentos para as práticas agroecológicas. No limite eles aceitaram projetos do tipo orgânico simplificado, apenas trocando os insumos convencionais pelos orgânicos, mas mantendo a orientação voltada para o financiamento de um produto apenas e nunca para o sistema produtivo como um todo.

Após muitas tratativas com os técnicos do PRONAF foi elaborada uma proposta alternativa de crédito intitulada o PRONAF Sistêmico, mas que nunca chegou a ser operada. Esta proposta tinha como meta superar a atribuição de crédito por produto para passar a financiar a propriedade como um todo.

A proposta de uma modalidade de crédito voltada para a transição agroecológica (PRONAF Agroecologia) mostrou os limites da compreensão dos técnicos governamentais sobre o conceito de agroecologia. Para aceitar o financiamento os bancos passaram a exigir que o agricultor apresentasse um projeto de transição onde ficassem definidas todas as etapas do processo. Cada prática convencional tinha que ser substituída por uma prática agroecológica e as mudanças tinham que ser apontadas ano a ano, até a conversão total da propriedade.

O produtor teria que prever os resultados esperados de cada mudança e calcular custos e benefícios de modo a garantir a capacidade de pagamento do empréstimo. E deu-se um prazo de três anos para que este processo fosse completado.

Como espero que tenha ficado claro na exposição anterior, os processos de transição agroecológica não são homogêneos nem são passíveis de uma formulação antecipada. Como foi dito, a construção de um novo desenho produtivo é o resultado de um processo de construção paulatina onde se testam práticas que vão se somando e complexificando. Exigir um roteiro prévio para a transição é impossível.

O formato mais adequado para financiar a transição agroecológica foi o do chamado PRONAF B, adotado como sistema de microcrédito para os agricultores mais pobres no Nordeste e no Norte. Trata-se de um crédito de tipo anual a ser usado de forma discricionária pelo produtor e que pode ser repetido no ritmo e necessidade definidos pelo agricultor. Este crédito permitiu que os agricultores nordestinos engajados na transição agroecológica ampliassem a aplicação de práticas testadas nos seus processos coletivos de experimentação, levando-as para áreas produtivas mais amplas em suas propriedades.

Entretanto, este crédito deixa de lado o financiamento da experimentação propriamente dita, a qual, apesar de ter pequenos custos, pode ficar prejudicada quando o público é composto pelo setor mais carente da agricultura familiar.

Existem poucas experiências no mundo onde foi testado um modelo de crédito adaptado para a transição agroecológica. As dificuldades são muitas, sobretudo pela natureza da própria transição agroecológica e sua extrema variabilidade.

A prática de financiamento mais promissora, até agora, é a que escapa ao crédito bancarizado, totalmente incapaz de lidar com a diversidade dos projetos de transição agroecológica e conhecida pelo nome de Fundos Rotativos Solidários.

Embora esta experiencia não tenha sido aplicada para a adoção de sistemas mais complexos, ela tem sido de grande sucesso em operações pontuais na transição, particularmente no financiamento de infraestruturas e insumos. O melhor exemplo é o do financiamento dos “quintais produtivos”, também conhecidos como “ao redor da casa” na região nordeste.

A intervenção da assistência técnica e extensão rural agroecológica nestes casos dirige-se ao melhoramento de quintais existentes, visando ampliá-los, diversificá-los e torná-los mais eficientes e resilientes. Também nestes casos a diversidade dos desenhos é grande, mas alguns problemas básicos são comuns e cobram um financiamento.

Em primeiro lugar, qualquer quintal necessita de infraestruturas hídricas para dar o salto de qualidade da transição agroecológica. São muitas as opções técnicas possíveis e de diferentes tipos para cada uso (abastecimento da casa, dar de beber aos animais, irrigação, outros). Além disso, um sistema de quintais diversificado vai exigir o cercamento de espaços para diferentes subsistemas como pastagem, hortas, fruteiras, grãos, outros. E, finalmente, são necessárias infraestruturas de abrigo para diferentes animais (galinhas, porcos, vacas, animais de tração). E armazéns e silos.

Estes sistemas de quintais incorporam diversas plantas e animais que tem que ser comprados, na maior parte dos casos, constituindo um custo que deve ser coberto com algum tipo de financiamento.

Dificilmente uma produtora familiar que se ocupe de um quintal terá os recursos financeiros para cobrir todos estes investimentos e ela vai buscá-los nos FRS. Os fundos não financiam um pacote completo de investimentos, pois são estruturas com parcos recursos de ONGs de apoio e de cotizações dos membros. Eventualmente, ocorreu o uso do PRONAF B. Como a capacidade de pagamento também é limitada, os empréstimos são feitos aos poucos e montar um quintal “avançado” pode levar vários anos.

A vantagem neste sistema é que as agricultoras têm confiança nos fundos, já que são parte integral do seu funcionamento, decidem as regras de operação e monitoram a sua aplicação. Outro ponto positivo é a ausência de burocracia e a simplicidade do acesso. Cada agricultora define o que vai fazer e o que vai financiar, discutindo com o coletivo que pode ajudá-la nas suas escolhas.

É claro que os FRS podem operar com investimentos maiores e encurtar o tempo de implantação de um quintal mais avançado, mas isto depende de recursos de doação para que o fundo possa operar empréstimos e reproduzi-los a medida em que os pagamentos vão sendo feitos. O efeito multiplicador destas doações iniciais é da maior importância pois os FRS podem ir diversificando o tipo de investimentos na medida das necessidades dos produtores.

O que diferencia este modelo do crédito bancário são diversos quesitos: maior autonomia, maior flexibilidade, menor burocracia, maior autoconfiança, menor custo do dinheiro. Frente ao claro bloqueio dos sistemas convencionais de financiamento da agricultura os poderes públicos deveriam testar de forma mais ampla a alternativa dos Fundos Rotativos Solidários.

*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).


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