As mulheres jornalistas no Brasil

Imagem: Brett Sayles
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Por RACHEL MORENO*

Com Bolsonaro, violência contra mulheres jornalistas dispara no Brasil

As mulheres constituem a maioria no exercício do Jornalismo no Brasil. Segundo a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro (Universidade Federal de Santa Catarina, 2012), cerca de 64% dos jornalistas em atividade no país são do gênero feminino, contra 36% do masculino. A síntese desse levantamento, o mais recente disponível, mostra que os jornalistas brasileiros são uma categoria profissional predominantemente feminina, jovem e branca”.

Ampliando o recorte de gênero do levantamento acima, observa-se que as mulheres jornalistas são, em sua maioria, brancas, solteiras, com até 30 anos e praticantes de alguma religião. A pesquisa aponta, ainda, que as jornalistas mais jovens ganham menos que os homens no desempenho das mesmas funções.

Dos resultados do levantamento, infere-se que a presença de negros e negras no exercício remunerado do jornalismo ainda precisa avançar muito, visto que apenas 5,3% se declararam pretos e 18,4% pardos. Já 72% se autodeclararam brancos.

Mães e jornalistas

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) realizou, entre os dias 7 e 17 de agosto de 2020, a investigação “As mães jornalistas e o contexto da pandemia”, com o objetivo de mapear a situação dos profissionais do jornalismo em relação ao exercício cumulativo da atividade laboral , tarefas domésticas e cuidados com as crianças em meio à nova crise de saúde do coronavírus.

Coordenada pela Comissão Nacional de Mulheres Jornalistas, coletivo ampliado formado por 21 representantes de 19 sindicatos vinculados em todo o país, a pesquisa foi um esforço da Federação para compreender os dilemas enfrentados pelas mães jornalistas que, apesar de exercerem uma atividade essencial, além disso, não param de acumular outras responsabilidades. decorrentes da divisão sexual do trabalho, como o cuidado com o lar, filhos e familiares.

Em relação à questão salarial, 57,82% não tiveram alterações salariais e de jornada de trabalho durante a pandemia. No entanto, 11,45% dos participantes afirmaram que tiveram redução salarial de 25% e, ainda, 2,07% tiveram contratos suspensos com base na Lei nº 14.020 / 2020 (derivada da Medida Provisória 936). Dessa forma, 16,4% foram impactados pela legislação que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção de Trabalho e Renda.

Das mães jornalistas, 7,6% estão desempregadas e 15,1% das participantes precisaram solicitar o benefício emergencial, e 5,56% receberam o valor de R $ 600, outros 4,13% o valor de R $ 1.200, destinado amães que são as únicas responsáveis pelos filhos ou chefes de família e 5,41%.  As demais que solicitaram, não receberam.

O problema do aumento da carga de trabalho e o fato de estarem sempre disponíveis para trabalhar como condição do home office, além do fato de realmente se concentrarem nas tarefas domésticas e no cuidado dos filhos, são destacados pelas pesquisas. Com isso, mesmo compartilhando o cuidado, essas mulheres ficam sobrecarregadas com aulas online, alimentação e atendimento domiciliar.

Os relatórios abordam a dificuldade de cuidar de seus filhos durante as aulas remotas; conciliar esta e outras responsabilidades com o trabalho jornalístico; sobre como são cobradas pelo desempenho do trabalho remoto sem ter empatia dos superiores hierárquicos; e também sobre a sensação de ter que estar disponível para o trabalho o tempo todo.

E quem continua a trabalhar presencialmente ou de forma mista, não tem apoio para a situação das classes suspensas e do risco de não ficar isolados.

Um dos principais ítens evidenciados por esta pesquisa é a trajetória, de como a invisibilidade da sobrecarga de gênero penaliza as mulheres, deixando de ser objeto de políticas públicas e ações práticas e eficazes de enfrentamento.

Sem nenhuma preocupação por parte das autoridades (pelo menos até agora) com a regulamentação do escritório central, a equidade no ambiente de trabalho e os rearranjos familiares durante a pandemia, o isolamento deixou mães, jornalistas ou não, à beira da exaustão – que em um futuro próximo pode até se tornar doença e recomendações de afastamento do trabalho.

Muitas dessas mães jornalistas abandonaram seus planos de vida (como estudos e atividades de bem-estar e autocuidado) devido a viagens, trabalho abusivo e intenso, acompanhamento escolar dos filhos e manutenção dos afazeres domésticos.

Acrescente-se a isso a sobrecarga mental advinda do contexto: mesmo quando a mulher divide as responsabilidades do lar e da família com outra pessoa, o trabalho quase sempre recai sobre ela. não sendo capaz de apontar o que deve ser feito, quais contas devem ser pagas, o que deve ser comprado em uma ida para o mercado.

Vale ressaltar também o fato de muitas dessas mães jornalistas serem provedoras de suas famílias: quando isso não acontece no caso das mães solteiras, é porque quem mantém a relação afetivo-familiar e perdeu o emprego, ou ainda é idoso ou incapaz de trabalhar ou mesmo de cuidar de si mesmo

Quando a questão é de sobrecarga, a investigação assume o caráter de denúncia por mapear uma série de abusos ocorridos em ambientes de trabalho em todo o Brasil. As mães jornalistas apontaram a ocorrência de viagens abusivas, excesso de trabalho, aumento de cargos de chefia (mesmo entre aqueles que viram redução de salários e horas), o acúmulo de funções e as frequentes cobranças para contabilização de prazos, plantões (inclusive quem está em teletrabalho) e inúmeras reuniões, bem como as obrigadas a participar de cursos, embora já estejam cuidando de crianças, idosos e afazeres domésticos.

Com Bolsonaro, violência contra mulheres jornalistas dispara no Brasil

O contexto da violência contra a categoria dos jornalistas no Brasil se divide em antes e depois do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Eleito em 2018 na esteira do crescimento da extrema-direita no mundo, utilizando do disparo em massa de desinformação como estratégia política, o mandatário segue à risca a política de Donald Trump de promover a descredibilização da imprensa e incitar sua massa de seguidores a realizar perseguição a jornalistas.

A ofensiva contra o Jornalismo não é um problema pequeno, afinal, a imprensa é parte essencial do funcionamento de uma democracia. Segundo o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em 2020, o presidente da República sozinho foi responsável por quase 41% dos ataques à imprensa no país (175 de um total de 428 casos). No geral, houve um aumento de 105,77% em relação a 2019, ano em que também houve crescimento das violações à liberdade de imprensa no país.

Os ataques em geral (não apenas por parte do presidente) às mulheres também subiram. Foram de 21,7% dos casos em 2019, para 28,44% dos casos em 2020. A maioria dos casos de violência contra jornalistas no país são contra profissionais do gênero masculino (65,34%), que é a tendência geral desde quando a Federação iniciou o levantamento, na década de 1990.

No entanto, na categoria de agressão verbal e ataques virtuais existe uma tendência de alta em relação ao gênero feminino, muito alinhada à postura do presidente Bolsonaro e seus apoiadores. Além disso, em relação aos dados gerais sobre violência de gênero, sempre há subnotificações.

Há um padrão de comportamento do presidente da República, em relação às agressões praticadas contra a imprensa: os casos mais gritantes envolvem mulheres como alvos. A perseguição é sempre mais violenta quando o alvo são jornalistas mulheres, quando o ataque, não raro, ganha conotação sexual.

As declarações machistas, misóginas e sexistas de Bolsonaro servem como ordem aos seus seguidores mais fiéis, que passam a dar continuidade aos ataques através de ameaças e agressões on-line, invadindo a vida privada das profissionais, distorcendo fatos, expondo dados pessoais, ameaçando filhos e pais.

Em julho de 2020, Bolsonaro foi denunciado no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) por seus ataques contra mulheres jornalistas. Organizações da sociedade civil apresentaram 54 casos de ofensivas do governo (o presidente, seus ministros e outros cargos) contra as profissionais da mídia.

As mulheres jornalistas seguem organizadas e em luta. Exemplo disso foi o seminário virtual da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadoras com Visão de Gênero e Raça (RIPVG-Brasil), realizado no dia 18 de março de 2021, com o tema “Violência de gênero no jornalismo: saídas jurídicas”. O evento contou com a participação de Denise Dora, diretora executiva da Artigo 19, e Patrícia Campos Mello, repórter especial e colunista da Folha de São Paulo. A mediação foi de Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão. Miriam Bobadilla, coordenadora da Red Internacional de Periodistas conVisión de Género (RIPVG), participou da abertura.

Na ocasião do seminário da RIPVG-Brasil, ficou evidente que a agressividade e a misoginia estão presentes nos ataques contra as jornalistas, constituindo em si um forte atentado à liberdade de imprensa e uma tentativa de retirar as mulheres desse espaço profissional público.

No âmbito da organização sindical, para ampliar o debate sobre as questões de gênero no movimento sindical dos jornalistas brasileiros, a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) criou, em 2017, a sua primeira Comissão Nacional de Mulheres Jornalistas, coletivo que funciona como comissão auxiliar da direção da entidade, sendo integrado por profissionais indicadas pelos Sindicatos filiados à Federação.

Em sua segunda composição (2020), a Comissão Nacional de Mulheres Jornalistas é composta por 21 profissionais, representando 19 Sindicatos. Entre as ações desse coletivo estão campanhas de mobilização por ocasião do 8 de Março (em 2020 e em 2021 – Lute como uma jornalista) e a pesquisa “Mães jornalistas e o contexto da pandemia”, que evidenciou a sobrecarga de trabalho para as mulheres jornalistas.

A seguir, alguns relatos de casos de violência contra mulheres jornalistas no Brasil:

2021

No dia 1º de junho de 2021, Bolsonaro chamou apresentadora da CNN Brasil, Daniela Lima, de “quadrúpede” ao falar com seus apoiadores na porta do Palácio do Alvorada. Ele comentava uma postagem nas redes bolsonaristas que distorceu uma fala da jornalista sobre a geração de postos de trabalho formais, dando falsamente a entender que ela criticava uma boa notícia.

No dia 21 de junho de 2021, em uma cerimônia de formatura da Escola de Especialistas da Aeronáutica (EEAR), o presidente tirou a máscara de proteção contra a Covid-19, intimidou a repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da Globo em São Paulo e mandou a profissional calar a boca.

2020

Em 18 de fevereiro de 2020, aconteceu um dos ataques mais graves de Bolsonaro, envolvendo Patrícia Campos Mello, repórter do jornal Folha de S.Paulo. Falando novamente a apoiadores, o presidente repetiu uma mentira que já havia sido feita por um depoente na CPMI das Fake News e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro: de que a jornalista pode ter “se insinuado sexualmente em troca de informações para tentar prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro”. “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, afirmou o presidente. Exércitos de contas falsas e perfis reais passaram a atacar a jornalista dia e noite em uma das piores campanhas de linchamento do governo.

No dia 20 de fevereiro de 2020, Bolsonaro citou de forma depreciativa a jornalista Eliane Cantanhede em uma livre no seu perfil pessoal de uma rede social.

No dia 26 de fevereiro de 2020, o presidente atacou a jornalista Vera Magalhães por meio de sua conta pessoal no microbog Twitter, atitude que volta a repetir nua live no dia 27 de fevereiro, quando também volta a falar de Patrícia Campos Mello.

No dia 6 de março, Jair Bolsonaro ataca Patrícia Campos Mello no Twitter.

No dia 17 de março, Bolsonaro volta a atacar Vera Magalhães no Twitter.

No dia 17 de maio, a repórter de televisão Clarissa Oliveira, da TV BandNews, foi agredida com uma bandeirada na cabeça por uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro numa manifestação realizada em Brasília.

No dia 16 de junho de 2020, Jair Bolsonaro, em uma live no seu perfil pessoal de uma rede social, chamou a jornalista Thaís Oyama de “essa japonesa”, referindo-se à com desdém à etnia da jornalista que escreveu um livro sobre ele.

Há, ainda duas relatos de jornalistas mulheres agredidas por Bolsonaro em entrevistas coletivas, porém seus nomes não foram identificados: no dia 18 de março, quando ataca uma jornalista que lhe pergunta sobre a Covid-19, e no dia 23 de março, quando uma profissional lhe questiona sobre a popularidade do então ministro da Saúde, Henrique Mandetta.

2019

No dia 10 de março de 2019, Bolsonaro usou sua conta no Twitter para compartilhar informação falsa sobre a repórter Contança Rezende, então no jornal O Estado de S.Paulo. Um site bolsonarista havia trazido uma postagem de um blog francês que atribuiu falsamente à ela uma declaração contra o senador Flávio Bolsonaro. Quando o conteúdo distorcido já circulava, via redes sociais, Bolsonaro bombou a informação, promovendo um linchamento virtual presidencial da jornalista a seus milhões de seguidores.

No dia 16 de maio de 2019, ele atacou a repórter Marina Dias, da Folha de S.Paulo, que lhe perguntou sobre os cortes no orçamento da educação. Visivelmente irritado por conta de manifestações de estudantes e professores, vociferou: “Primeiro, você, da Folha de S.Paulo, tem que entrar de novo numa faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. É isso que a Folha tem que fazer e não contratar qualquer uma ou qualquer um para ser jornalista, para ficar semeando a discórdia e perguntando besteira por aí e publicando coisas nojentas”.

Um helicóptero da Força Aérea Brasileira foi usado para transportar parentes e amigos do presidente da República para o casamento de seu filho em maio de 2019. Diante de uma pergunta da repórter Talita Fernandes, da Folha, sobre o caso, Bolsonaro declarou: “Com licença, estou numa solenidade militar, tem familiares meus aqui, eu prefiro vê-los do que responder uma pergunta idiota para você. Tá respondido? Próxima pergunta”.

Em julho de 2019, durante um café da manhã com correspondentes estrangeiros, Bolsonaro foi questionado sobre o fato de a jornalista Miriam Leitão e de seu marido, o sociólogo Sérgio Abranches, terem sido desconvidados de uma feira do livro em Jaraguá do Sul (SC) após pressão de grupos de extrema direita. Passou a atacá-la, chegando ao ponto de dizer que a tortura que ela sofreu durante a ditadura militar, fato fartamente documentado, era mentira. Tanto Miriam Leitão quanto a jornalista Vera Magalhães são alvos sistemáticos do bolsonarismo.

Tal situação não parece muito diferente da acusada pelas mulheres brasileiras

Somos 52% da população (e 56% é composta de negros). Estamos sub-representadas em espaços “sérios” (como o telejornal), segundo pesquisa da Unesco, realizada a cada 2 anos em 10 países.

No Brasil, estamos presentes em apenas 18% dos casos (compare com a nossa participação na população), e sistematicamente como vítimas ou testemunhas. Quando se trata de um especialista, geralmente o homem fala. Assim como as mulheres, em geral, acumulam mais 4 anos de estudo em qualquer profissão.

E as mulheres negras são ainda mais sub-representadas.

A violência de gênero tende a ser naturalizada na mídia, exceto quando um dos acusados é famoso, quando o fato passa a ser espetacularizado. Em nossa “grande mídia”, por exemplo, a reportagem do jornalista na ONU não foi divulgada.

Tempos de pandemia

Em tempos de pandemia, diminuíram os negócios e aumentou o custo de vida. O Brasil voltou ao mapa da fome. E o desemprego atingiu mais particularmente as mulheres – que hoje representam 39% dos chefes de família. A violência contra as mulheres também aumentou nesses tempos.

E, como os recursos para as políticas públicas de acolhimento de mulheres vítimas de violência diminuiu, sabe-se que os dados estão subestimados, até porque, após denunciar o agressor (o mais frequente é o marido), ela vai voltar para a mesma casa, para viver com seu agressor …

Assim, os pedidos de medidas de proteção aumentaram 14% no 1º semestre de 2021 no Brasil; Medidas negadas também crescem (A cada hora, foram solicitadas 45 medidas de proteção em 2021. Números indicam que os pedidos motivados pela violência doméstica diminuíram no início da pandemia, mas voltaram a crescer mais tarde. Vítimas afirmam que, quanto maior o tempo de convivência e a crise da situação econômica, píora a situação, com os agressores dentro de casa.)

Sabe-se também que apenas no primeiro semestre de 2021, período em que o país viveu a segunda onda da pandemia Covid-19, cerca de 152 mil medidas emergenciais de proteção (UMP) foram deferidas em 24 Unidades da Federação.

Isso significa que aproximadamente uma medida cautelar de urgência foi emitida a cada doze minutos no país, no primeiro semestre deste ano, pelo Tribunais de Justiça –um crescimento de 15% em relação ao mesmo período do ano passado.

Feminicídios/violências/agressões contra mulheres

Observa-se no mês de junho de 2021 especialmente o aumento de vítimas adolescentes e na faixa etária acima dos 40 anos. no mês de julho observa-se o aumento na faixa etária de 20 a 29 anos, bem como um maior número de notícias sem dados sobre a idade das vítimas. ao todo, nesses 3 meses (maio, junho, julho), 126 feminicídios.

Relação entre violência de gênero e violência sexista contra jornalistas

No dia 8 de março de 2021, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicou o relatório intitulado “Jornalismo contra o sexismo”, que revela a abrangência dos riscos de violência sexual e de gênero enfrentados por mulheres jornalistas e seu impacto na sociedade.

O jornalismo pode ser uma profissão perigosa. Mas ser mulher e jornalista muitas vezes significa correr um risco duplo: os perigos inerentes à profissão aumentam os riscos de ser exposta à violência sexual ou de gênero. A pesquisa “Jornalismo versus Sexismo” * revela a abrangência dessa realidade.

Dos 112 países onde os jornalistas responderam ao questionário elaborado para este relatório, 40 foram considerados perigosos ou muito perigosos para as mulheres na profissão. O perigo não está apenas à espreita das jornalistas em ambientes clássicos do jornalismo, ou em novos campos virtuais, na internet e nas redes sociais, mas também onde deveriam sentir-se seguros, nas suas redações.

Três anos após a publicação de uma primeira reportagem que revelou as dificuldades enfrentadas por jornalistas, homens e mulheres, que cobrem temas relacionados aos direitos das mulheres, a RSF lança um novo levantamento baseado, sobretudo, na análise das respostas a um questionário enviado ao seu funcionários, correspondentes em todo o mundo, além de jornalistas especializados em questões de gênero.

“Temos a obrigação imperiosa de defender o jornalismo com todas as nossas forças, em face de todos os perigos que o ameaçam, e as agressões sexuais e baseadas no gênero e a intimidação estão entre esses perigos”, escreveu o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, no prefácio. para o relatório. É inconcebível que o jornalista corra um risco duplo e tenha que se defender em uma frente adicional, uma frente, aliás, múltipla porque está localizada tanto fora quanto dentro das redações ”.

Entre os jornalistas, as especialistas em direitos das mulheres e aqueles que cobrem esportes ou política são os mais vulneráveis ​​à violência. A jornalista saudita Nouf Abdulaziz al-Jerawi, presa por denunciar o sistema de tutela masculina de seu país, foi torturada com choques elétricos e abusado sexualmente durante sua detenção.

No Brasil, a jornalista Patrícia Campos Mello pagou caro por sua investigação sobre o uso ilegal de recursos privados pelo presidente Bolsonaro para financiar campanhas de desinformação. Ela foi alvo de uma campanha de cyberbullying extremamente violenta depois que Jair Bolsonaro e seus filhos eletivos a acusaram de ter “extorquido” informações em troca de favores sexuais.

Ainda no Brasil, cerca de cinquenta jornalistas esportivos lançaram o movimento #DeixaElaTrabalhar para denunciar a prática de beijos forçados por torcedores durante a cobertura ao vivo de eventos esportivos. Na França, cerca de 40 jornalistas do diário esportivo L’Equipe se reuniram para apoiar seus colegas após revelações de assédio em editoriais esportivos.

Em seu relatório, a RSF também examina o impacto dessa violência no próprio jornalismo e como, na maioria das vezes, o trauma sofrido leva ao silêncio e reduz o pluralismo de informações. Além do estresse, angústia e medos, a violência sexual e de gênero leva jornalistas a encerrar temporária ou mesmo permanentemente suas contas nas redes sociais (consequência apontada por 43% dos participantes da pesquisa RSF), quando eles próprios não se autodenominam -censor (48%), mudar de especialidade (21%), ou mesmo demitir-se (21%).

Para reduzir essa violencia, RSF inclui em seu informe uma série de recomendações dirigidas a jornalistas. redações e governos.

Violência online contra mulheres jornalistas

As jornalistas constituem um dos grupos de mulheres particularmente afetados por esta forma de violência de gênero. Não apenas as mulheres jornalistas e mulheres trabalhadoras de mídia estão mais expostas a ataques online do que seus colegas do sexo masculino, mas nos últimos anos “elas experimentaram um aumento nos insultos, assédio e assédio online”. Os ataques online contra jornalistas femininas assumem características específicas relacionadas ao gênero e geralmente são misóginas por natureza e sexualizados em seu conteúdo. Esse tipo de violência leva à autocensura e “ataca diretamente a visibilidade das mulheres e sua plena participação na vida pública”.

A UNESCO destacou que as formas mais frequentes de violência online contra mulheres jornalistas e profissionais da mídia incluem monitoramento e perseguição, publicação de dados pessoais, trolagem, difamação ou desqualificação e ódio viral. Várias organizações da sociedade civil também enfatizaram a prevalência de atos de “espionagem eletrônica de mulheres jornalistas e defensoras de direitos humanos na região … [com o objetivo] de controlar, silenciar, intimidar ou extorquir mulheres que desafiam o status quo”.

O tipo de questão abordada por mulheres jornalistas também é um fator relevante na prevalência da violência online contra elas. De acordo com o Secretário-Geral das Nações Unidas, “[as mulheres] que cobrem temas como política, direito, economia, esportes e direitos das mulheres, gênero e feminismo correm risco especial de serem vítimas de violência on-line. Enquanto jornalistas homens também são abusados ​​online, aqueles cometidos contra jornalistas mulheres tendem a ser mais sérios ”. Essa tendência também foi observada pela UNESCO.

Segundo enfatizaram diversos relatos recentes de organizações da sociedade civil da região, “a violencia por meios electrónicos não é algo novo nem único nas plataformas” senão uma manifestação a mais dos padrões de violência e discriminação baseada em gênero que se registram na região.

Desta forma, a violência online “é uma extensão de uma situação estrutural de violência sistemática perpetrada por parceiros, ex-parceiros, amigos próximos, estranhos e até mesmo instituições governamentais e outros atores relevantes”. Ao mesmo tempo, a violência online se traduz e realimenta várias formas de violência de gênero em espaços não virtuais.

Em seu novo relatório sobre violações registradas desde o início de 2021, a RSF observa um aumento nos ataques

Os dados são quase estonteantes. Durante os primeiros seis meses de 2021, o número de ataques do chefe de estado brasileiro contra a imprensa aumentou 74% em relação ao segundo semestre de 2020. Entre janeiro e junho deste ano, Jair Bolsonaro atacou a imprensa 87 vezes, o que faz dele o principal predador de um sistema onde seus filhos também têm um lugar. No mesmo período, Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro, foi o autor de 83 ataques à imprensa (um aumento de 84,4% em relação ao segundo semestre de 2020), enquanto Eduardo Bolsonaro, deputado federal, atacou a mídia nacional 85 vezes – um total elevado, embora apresente uma queda de 41,37% em relação ao final de 2020, quando foram cometidos 145 ataques.

No total, a equipe da RSF identificou que o “sistema Bolsonaro” foi responsável por 331 ataques à imprensa no Brasil, um aumento de 5,41% em relação ao segundo semestre de 2020. Se os números forem graves, a natureza dos ataques é uniformemente maior

Embora a crise de saúde continue a devastar o país (mais de 550.000 vítimas em 26 de julho), principalmente devido à gestão desastrosa do governo federal, os ataques do presidente e de seus apoiadores contra jornalistas se intensificaram e se diversificaram, chegando por vezes a um nível inimaginável nível de vulgaridade e violência.

Em 21 de junho, durante viagem ao estado de São Paulo, o presidente perdeu totalmente a compostura durante entrevista coletiva e insultou violentamente uma jornalista da TV Vanguarda, filiada ao grupo Globo, que o interrogou por não usar máscara na chegada no local da sua visita. “Cala a boca (…) A Globo é uma imprensa de merda, uma imprensa podre”, gritou Bolsonaro depois de tirar voluntariamente a máscara para responder à repórter.

Questionado no dia 25 de junho sobre suspeita de fraude do governo federal para a compra de vacinas contra a Covid-19, ele perdeu novamente o controle, dirigindo-se à jornalista Victória Abel, da Rádio CBN: você pode renascer! “Na mesma entrevista coletiva, ele pediu aos repórteres que parassem de fazer perguntas estúpidas.

Os ataques também vieram de outros cargos do governo federal. Entre os ministros mais ofensivos estão Onyx Lorenzoni, Secretário-Geral da Presidência da República, e Damares Alves, Ministro da Mulher, Família e Direitos Humanos, com, respectivamente, 18 e 7 ataques registrados no período.

Todas as semanas, no Palácio Presidencial, em Alvorada, fala ao vivo no canal do presidente no Facebook, durante mais de uma hora, sobre temas da sua escolha. Esse ‘ao vivo’, transmitido ao vivo no YouTube, permite que você, sem ficar zangado, fale diretamente ao seu público, divulgue sua retórica anti-imprensa e ataque ferozmente a mídia, e que acredite que “mentem e desinformam” de forma permanente, principalmente sobre o situação sanitária no país.

Dos 24 shows semanais no primeiro semestre de 2021, Jair Bolsonaro atacou a mídia frontalmente em 19 deles.

Neste espaço, Jair Bolsonaro constrói novas narrativas sobre temas polêmicos. Ele brinca descaradamente com os fatos, afirma “suas verdades” e fabrica desinformação para seus próprios interesses e os de seu governo, sistematicamente culpando a imprensa por todos os males do país, as medidas de isolamento social, a organização da vacinação, etc. Em vários deles, por exemplo, ele ofereceu indicações e recomendações para o tratamento precoce contra a Covid-19 e o uso de drogas ineficazes como a cloroquina.

Jornalistas mulheres: continuam os principais alvos

Mulheres jornalistas, como em 2020, permanecem em 2021 como vítimas do machismo primário e grosseiro da família Bolsonaro (concentrando 6,1% dos ataques do presidente e seus três filhos).

No dia 2 de junho, o presidente ligou para Daniela Lima, apresentadora da CNN Brasil e alvo preferencial de seus ataques, como quadrúpede, provocando uma avalanche de ataques misóginos e hediondos contra a jornalista nas redes sociais.

No dia 31 de março, a jornalista da TV Vitória Marla Bermuda foi alvo de campanha de difamação e recebeu ameaças de morte depois que a deputada federal Carla Zambelli, fiel apoiadora de Jair Bolsonaro, a acusou de “manipulação” e “transformação de cemitérios em estúdios de gravação”. em um vídeo.

Patricia Campos Mello, também alvo regular de ataques desde as eleições de 2018, venceu, por sua vez, dois julgamentos, em 21 de janeiro e 27 de março de 2021, condenando, respectivamente, Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro a indenizá-la pelos danos. por sexismo . e comentários degradantes.

Além disso, jornalistas responsáveis ​​pela cobertura presidencial em Brasília, vítimas em 2020 de ataques violentos e humilhações públicas por apoiadores do governo, também foram atacados e assediados por Bolsonaro nos primeiros 6 meses do ano. Em resposta a uma denúncia feita em 2020 pela RSF e parceiros no Brasil denunciando a vulnerabilidade desses jornalistas, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu parecer no dia 3 de maio, ordenando a adoção de medidas para fortalecer a segurança desses jornalistas.

O Brasil está na 111ª posição no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de 2021 elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras, tendo entrado na zona vermelha do Índice pela primeira vez. Em 2 de julho de 2021, a RSF adicionou o presidente Bolsonaro à sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.

Impunidade?

A juíza Inah de Lemos e Silva Machado, do Tribunal Central de São Paulo, condenou o presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira, 26 de março de 2021, para indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter do jornal Folha de S.Paulo, por crime contra ela , com declarações sexistas em 2018

Por decisão de primeira instância, da qual cabe recurso, o Bolsonaro terá de pagar 20 mil reais.

No final de 2018, Campos Mello publicou um relatório sobre um esquema irregular de disparos de mensagens no WhatsApp nas eleições daquele ano que funcionava com base no uso fraudulento de nomes antigos e CPFs registrados em chips de telefones celulares. A investigação se baseou em documentos e relatórios obtidos de Hans River, ex-funcionário da Yacows, empresa especializada em marketing digital e acusado de envolvimento no esquema. Mais tarde, River mentiu em depoimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito do Fake News

“Ela [Campos Mello] queria um furo. Ele queria me dar um furo a qualquer preço. Já em 2018, ele [Hans] já disse que ia chegar e perguntou: ‘O Bolsonaro te pagou para revelar informações pelo WhatsApp?’ E outra: se você fez notícia falsa contra o PT, menos com menos é mais na matemática. Se vou mentir contra o PT, falo bem, porque o PT só fez besteira.

River acusou a jornalista, sem nenhuma evidência, de ter feito avanços sexuais para obter informações sobre Yacows. As declarações foram negadas pela jornal com base em mensagens de texto e áudio.

Em janeiro deste ano, um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também foi condenado a indenizar Campos Mello. Nesse caso, em trinta mil reais.

Não foi informado se a segunda instância foi bem-sucedida, se ganharam ou perderam e se pagaram.

Salvo o da Biana Santana, que derrota Bolsonaro na Justiça e ganha indenização por danos morais.

A sentença que condenou o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) a indenizar em R$ 10 mil a jornalista Bianca Santana foi confirmada no dia 18 de agosto de 2021, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

P S Esse artigo contou com a colaboração de Samira de Castro, Bia Barbosa, Mabel Dias, Rosely Goffman, Jacira Melo, Carmem Pereira, Marisa Sanematsu e Ana Veloso.

*Rachel Moreno é psicóloga e militante feminista. Autora, entre outros livros, de A imagem da mulher na mídia (Expressão popular).

Referências


https://veja.abril.com.br/mundo/bolsonaro-e-denunciado-na-onu-por-ataques-contra-jornalistas/

http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/MujeresPeriodistas.pdf

https://rsf.org/pt/noticia/dia-internacional-da-mulher-rsf-publica-pesquisa-o-jornalismo-frente-ao-sexismo

https://rsf.org/pt/relacoes/imprensa-brasileira-verdadeiro-saco-de-pancadas-da-familia-bolsonaro-uma-tendencia-que-se

https://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2020/08/PESQUISA-MULHERES-JORNALISTAS-NA-PANDEMIA-WEB.pdf

https://www.cartacapital.com.br/justica/juiza-condena-bolsonaro-a-indenizar-patricia-campos-mello-por-ataque-machista/

https://fenaj.org.br/violencia-contra-jornalistas-cresce-10577-em-2020-com-jair-bolsonaro-liderando-ataques/

 

 

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