Bandeirantismo, supremacismo e embranquecimento

Imagem: Johannes Plenio
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Por LEONARDO SACRAMENTO*

Uma última crítica ao idealismo integralista de Felipe Maruf Quintas

Felipe Maruf Quintas escreveu uma “quadrúplica”  à crítica que fiz ao seu texto. Não percamos fio de meada: inicialmente escrevi um texto sobre a interface da crítica de Rui Costa Pimenta e Aldo Rebelo com o protofascismo e movimentos de direita, como o Integralismo; Quintas respondeu, alegando que, por boa-fé, cometi “falseamentos históricos”. Escrevi uma crítica ao seu texto por entender que, no fundo, seus argumentos sincronizavam-se com os de Rui Costa Pimenta e com Aldo Rebelo: a mitificação dos bandeirantes à luz de processos estabelecidos e fomentados pela elite paulistana da década de 1920. Discorri ponto a ponto e, constatei, que a historiografia de Quintas é memorialista, pois reproduz eugenistas como se fosse verdade absoluta e ahistória.

Quintas respondeu com mais memorialismo. Como os argumentos de Quintas não se afiançam no que escrevi, apenas contrapondo fatos e análises com outros fatos, casuísmos e opiniões (doxa), como se se sobrepusessem a uma perspectiva de predileção do autor, o presente texto é o último do debate de minha parte, em virtude do texto do autor estar mais assemelhado aos parâmetros típicos de uma rede social e ao que discorri inicialmente sobre Aldo Rebelo e o Quinto Movimento: um identitarismo branco, no caso dele, de raízes lusófonas, transformado em identidade universal. No último texto de Quintas, encontraremos naturalização do nazismo, da eugenia e do racismo, esse sobre os argumentos relativos à proibição brasileira de imigração de negros em 1921.  Discorrerei sobre essa semelhança ao longo do presente artigo.

O autor resolveu “enumerar as observações conforme a ordem presente na tréplica de Sacramento” – já era hora. Primeiramente ele retorna ao meu primeiro artigo sobre a divisão que fiz entre sertanejos e bandeirantismo como movimento supremacista criado pela elite paulista, o que apontei como o seu pecado original, uma vez que a ignorou. De fato, em nenhum momento me preocupei com o sertanejo no primeiro texto, sendo inteligível uma réplica que se paute no que não pautei. Porém, diz o autor em sua “quadrúplica”: “Demonstrei a ele, então, a existência de São Paulo anteriormente à sua modernização agroindustrial dos séculos XIX e XX e a sua relação não apenas com os bandeirantes/sertanistas, mas com o Brasil, de modo a evidenciar a importância das bandeiras paulistas para todo o Brasil, em sua inteireza histórica”. Ou seja, Quintas voltou ao pecado original.

Perceba que um debate com um objeto definido se faz impossível. Não há objeto. Ele tenta consertar: “Como havia afirmado na minha réplica, é natural que, dada a importância do bandeirantismo, seu legado tenha sido disputado por diferentes grupos sociais e políticos”. O autor, de fato, falou sobre, sem citar quais forças populares, com origem popular, frisa-se, pleitearam o legado bandeirante. Anarquistas, comunistas, sindicalistas, camponeses, operários? Porém, não citou nenhum a não ser três eugenistas da elite paulista, o que corroborou o que escrevi no primeiro texto. O bandeirantismo não foi um movimento popular no século XX, mas construído pela elite paulista com o objetivo de alicerçar um projeto nacional em que ela teria, por ser mais capaz, ascendência sobre as outras elites regionais. Esse é o dado. As únicas fontes positivas dos bandeirantes provêm da elite paulista, imersa no eugenismo e na racialização do embranquecimento. Quintas resolveria esse problema provando que, em algum momento anterior às elites paulistas, nas décadas de 1890 e 1900, por exemplo, tenha existido algum movimento popular de defesa do legado bandeirantes com grande capilaridade na sociedade brasileira, sobretudo entre as camadas populares, mais preocupadas em não serem expulsas dos locais onde residiam, representados no embranquecimento e na construção de centros parisienses nas grandes e médias cidades. Por exemplo, existiram populares abolicionistas defensores dos bandeirantes? Algum dado? Alguma fonte? Algo nas décadas de 1870 e/ou em 1880? Algo que se possa concluir por alguma grande capilaridade entre as camadas populares? Quintas não compreendeu que, aqueles que cita, eugenistas fomentadores do embranquecimento nas décadas de 1920 e 1930, pertencem à elite paulista da primeira metade do século XX, o que corrobora o que defendi no primeiro texto.

Acusa-me de ter afirmado que ele ignora “‘retumbantemente’ o escravagismo e, por tabela, a ‘luta de classes’ entre os escravos e os senhores”. Disse e repito. Vamos ao que escreveu em seguida: “Ele não se dá conta, entretanto, que não foram os bandeirantes os responsáveis pelo escravagismo, tampouco era ou poderia ser a escravidão o modo de produção dominante nas bandeiras”. Vamos ao que escrevi: “Portanto, para o autor, repressão e liberdade constituem-se em uma igualdade na construção da nacionalidade, e não polos antagônicos. Não teria havido luta de classes no escravagismo. Ou, em uma hipótese mais coerente com a sua construção, teria havido, mas dos paulistas contra os portugueses, não dos africanos escravizados contra os escravagistas brasileiros e a Coroa Portuguesa – logo, africanos são secundados, na acepção do autor”. A defesa do autor em seu texto mais recente corrobora o que escrevi, pois não fiz, nesse momento, qualquer relação do bandeirante com o escravismo, mas da relação da negação do africano escravizado com a luta de classes – note que o autor, mais uma vez, omite que os escravizados eram os africanos, preferindo fazer uma defesa apaixonada dos bandeirantes. A luta de classes no escravismo, por óbvio, como lembra Jacob Gorender e Clóvis Moura, era do escravizado contra o escravizador. Para Quintas, a luta de classes de polos antagônicos no escravismo é substituída pela luta pela nacionalidade entre bandeirantes e portugueses, embora os bandeirantes fossem contratados da Coroa Portuguesa nas bandeiras por contrato e por apresamento.

A falácia fica evidenciada nas frases seguintes: “Sendo elas nômades por definição e tendo praticado a policultura de subsistência em pequenos lotes de terra continente adentro, o escravismo, sedentário por definição e tendo sido adotado, sobretudo, em grandes unidades fundiárias voltadas à exportação, era impraticável no regime social das bandeiras”. Cuidado, nomadismo é um conceito muito definido na historiografia e na antropologia, não cabendo aos bandeirantes. Se eram “nômades”, não eram paulistas. Não faz qualquer sentido igualar bandeira a nomadismo. Não obstante, não escrevi que os bandeirantes eram proprietários de escravizados, “mas funcionários, servidores e executores dos proprietários de escravizados nas bandeiras de contrato e de apresamento, substituídos estruturalmente pelos capitães do mato nos séculos XVIII e XIX. Logo, elementos fundamentais da estrutura econômica escravagista”.

Renato Nucci Jr delineia bem esse processo,[1] em texto recentemente publicado, referenciando-se em John M. Monteiro (Os Negros da Terra) e Décio Freitas (Palmares, a Guerra dos Escravos),o qual define “os bandeirantes” como “uma tropa de choque a serviço do colonialismo português, e não outra coisa” em oposição à estrutura contraproducente ao escravismo transatlântico, com predomínio de relações sociais mais comunitárias e experiências sociais dispares, como a poligamia e a poliandria, como lembrou Clóvis Moura.[2] A maneira que se produzia no quilombo “se chocava com o latifúndio escravagista tipo plantation que existia na Colônia”, configurando-se em uma “antítese da apropriação monopolista dos senhores de engenho e da indigência total dos escravos produtores”.[3]Portanto, rompem com a relação entre proprietário e escravizados para a exportação para a metrópole, assim como se tornam contraproducentes para a legitimação da propriedade e da coisificação do africano no modo de produção escravista mediado pelo tráfico privado e estatal de escravizados. Isso é luta de classes, uma antítese que se expressa na reprodução das relações de produção. Por isso os quilombos deveriam ser destruídos, como o foram pelos bandeirantes, “uma tropa de choque a serviço do colonialismo português”. Portanto, além de elementos fundamentais da estrutura econômica escravagista, foram elementos fundamentais do colonialismo português.

Quintas afirma que, “evidentemente, algumas bandeiras participaram do apresamento de negros fugidios e da destruição de quilombos”. Todos os quilombos possíveis, não?! Continuemos: “O que ressaltei, contudo, foi a complexidade do fenômeno. Nem as bandeiras eram “brancas”, nem os quilombos eram “negros” – havia pessoas de todas as cores e origens tanto em umas quanto em outras, como é amplamente conhecido”. O que a discutível composição racial dos sertanejos justificaria a complexidade da existência das bandeiras de apresamento e de contrato é uma incógnita. Para o autor, as bandeiras não eram brancas e os quilombos não eram negros, e estaria aí a complexidade de relativizar as bandeiras de apresamento e de contrato, sobretudo à Coroa Portuguesa (sic!). Sentença ininteligível obedecendo-se a lógica-formal. Cumpre constatar que, no escravagismo brasileiro, os africanos terem sido escravizados fora obra do acaso, e não do comércio de escravizados capitaneados por europeus e por brasileiros brancos do Rio de Janeiro.

Mas lógico que tal construção teria que ter alguma conclusão problemática: “Se o critério de ‘cancelamento’ de todo um grupo histórico, como os sertanistas paulistas, se basear na participação de alguns dos seus exemplares na escravidão comercial transatlântica, teríamos que cometer a infelicidade de condenar, igualmente, os africanos, cujos chefes tribais vendiam seus subordinados para os traficantes de escravos”. Aqui o autor comete um erro que Bolsonaro cometeu: os chefes tribais não vendiam os seus subordinados; aliás, o conceito de subordinação não se aplica em um modo de produção vinculado a tribo. Os lapsos e chistes sob o prisma de uma racialização identitária que o faz racista são muitos, como veremos.

O autor trata o africano como um ser único, o que não faz com os europeus, por óbvio, uma vez que diferencia portugueses dos holandeses e dos “piratas ingleses”. Esse é um dos grandes elementos do liberal-conservadorismo brasileiro que subsidia, inclusive, o bolsonarismo. Ronaldo Vainfas, em 2006, concedeu uma entrevista à Folha de São Paulo que se colocava contra cotas e o pedido de desculpas de Lula a países africanos. Disse: “Essa história de vitimizar a África, ocultando que a África se envolveu no tráfico, é descabida, mistificadora e historicamente frágil. Havia uma cumplicidade enorme dos reis africanos. Os europeus não conquistaram a África e capturaram eles mesmos os africanos para levar para as Américas”. Certa vez no Roda Viva, Bolsonaro afirmou que “o português nem pisava na África”, eram “os próprios negros que entregavam os escravos”. Os dois generalizam o negro e o africano como se fossem uma coisa, uma unidade, sem compreender a diferença entre escravismo consuetudinário, o modo de produção predominante no planeta até então, e o escravagismo mercantil, o que foi trabalhado por Manolo Florentino em Costas Negras. Marx os diferenciou na Acumulação Primitiva, sessão do livro I de O Capital: “a descoberta das terras do ouro e da prata, na América, o extermínio, a escravização e o enfurnamento da população nativa nas minas, o começo da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África em um cercado para a caça comercial às peles negras marcam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos são momentos fundamentais da acumulação primitiva”.[4] Quintas faz apreciação culturalista e conservadora, assim como Rui Costa Pimenta havia feito, devidamente acusado no primeiro texto que publiquei sobre o tema.

O autor reproduz o mantra bolsonarista e português. Aliás, essa interpretação é tipicamente portuguesa, da oficialidade portuguesa, o que deveria ser uma ironia para o nacionalista – ver-se-á que não o é. No livro que publicarei, afirmo o seguinte: “Esse argumento representa uma falácia: trata a África como um todo, como sinônimo de negro. O negro, como demonstra Mbembe (2019), é um produto do capitalismo, e enquanto tal, representa o continente africano no processo de produção e reprodução global de capital. Sinteticamente, o argumento pressupõe sentimento de pertença continental onde não existia Estado-Nação. Baseado nesse argumento, que coexiste com a ultrageneralização do continente e da identificação racial, não é incomum reconhecer a África como um país, aquele lugar que possui negros. O mesmo não é aplicado ao continente europeu. Nas I e II Guerras Mundiais, ninguém em sã consciência defende que a guerra é um produto dos europeus que mataram europeus, ou que alguns europeus aprisionaram europeus em campos de concentração e os mataram bombardeando cidades europeias na frente leste e na frente oeste, e que, portanto, seria um problema europeu que os próprios europeus criaram – embora tenham, de fato, criado, sob a posição privilegiada de impérios neocoloniais. Há o cuidado historiográfico e histórico de distinguir alemães de austríacos, austríacos de suíços, suíços de poloneses, poloneses de russos, russos de franceses, franceses de ingleses, ingleses de italianos”.

Portanto, Quintas estabelece uma ultrageneralização, como se a África fosse um país, um lugar para os africanos ou os negros – confusão feita por Bolsonaro –, supondo uma coesão nacional que não supõe para os europeus, diferenciando-os entre portugueses, holandeses, ingleses e espanhóis nos séculos XVI e XVII. Com essa ultrageneralização, baseada no identitarismo branco e eurocêntrico, passa a fazer sentido que “os próprios negros escravizaram os escravos” (Bolsonaro) e “os chefes tribais vendiam os seus subordinados para os traficantes de escravos” (Quintas). Essa generalização entre os africanos e a não generalização entre os europeus tem a função de conceder protagonismo mitificador aos bandeirantes, como se tivessem sido os primeiros brasileiros, ontologicamente antiportugueses, mesmo que, na prática, se adote o viés memorialista do oficialismo português. Uma racialização de Quintas, feita somente por quem está embebido no “identitarismo branco”, aplicado também aos povos indígenas no parágrafo seguinte, mas não aos judeus cristãos-novos, esses com a especificidade de identidade.

Afirma que “negros alforriados também adquiriam escravos”, o que é verdade. Mas, e a proporção, Quintas? O que isso significa? Onde está a análise? Está a afirmar que, por uma exceção citada de um homem na Bahia, ela seria a regra do modo de produção escravista brasileiro? Memorialistas estão muito próximos da Escola de Annales e da História das Ideias: facilidade de generalizar casos sobre uma incompreensão estrutural das relações de produção, fazendo da exceção uma regra que poderia competir com a regra geral do tráfico de africanos – 5 milhões de africanos raptados para o Brasil, sendo 20% por traficantes portugueses e 80% por traficantes brasileiros, sobretudo os cariocas.[5] Por isso que o autor termina concluindo que “o fenômeno da escravidão é muito mais complexo do que supõe o identitarismo racialista”, o que concordo. Ocorre que o identitarismo luso-brasileiro de Quintas é o “identitarismo racialista” que relativiza o escravagismo sob o mantra da “complexidade” que está longe de compreender.

Um outro ponto que Quintas conclui algo que não disse foi quando constatou que “nenhum processo histórico pode, portanto, ser adequadamente compreendido pelo prisma repressão vs. liberdade”. Ele teria “espécie que um autodeclarado materialista, de verve marxista pela ênfase atribuída à luta de classes, demonize a violência na história e a julgue antes de compreendê-la na totalidade histórica”. O problema, mais uma vez, é que não a demonizei. Eu critiquei o que Quintas escreveu quando afirmou que bandeirantes não eram violentos e quilombolas eram violentos, fundamentando-se em uma citação de Roquette-Pinto, um eugenista que defendia que os negros, seres atávicos, desapareciam em 2012 porque eram dispensáveis à formação brasileira e ao desenvolvimento. Escrevi que “o autor compara os bandeirantes escravizadores e matadores de indígenas com os ‘revolucionários franceses e russos’, confundindo, mais uma vez, assim como fez com os Quilombos, a violência repressora com a violência revolucionária”. Disse que uma pertence aos explorados e outra aos exploradores. O positivo e o negativo são determinados pela luta de classes e pela posição de classe. A dos escravizados era uma; a dos bandeirantes, membros constituintes da estrutura escravagista – não proprietário, de forma determinante, como já expliquei – era outra. Quem dará a positividade ou a negatividade é a luta de classes e a classe. Marx não naturalizou e relativizou a violência repressora contra a Comuna de Paris, salvo engano. Portanto, a afirmação de que “não faz nenhum sentido a diferença que ele estabelece entre a ‘violência repressora’, considerada ruim, e a ‘violência revolucionária’, considerada boa”, seguida por uma indagação, sem sentido, de que “não teria sido o bandeirantismo, formador de um dos maiores países do mundo, um fenômeno revolucionário, transformador, em sentido progressivo, de estruturas sociais”, é outro diversionismo para não registrar uma posição conservadora, próxima do protofascismo e de movimentos de direita.

O autor se mostra tão aturdido com o “identitarismo” exógeno do negro que afirma que considero “a africanidade o único elemento formador do Brasil ou se a despreza completamente, num maniqueísmo nada salutar para a análise científica”. Não entendeu. Afirmei o contrário: a formação nacional é uma construção da classe dominante; logo, não é africana, indígena e/ou negra. Afirmei que é branca, como os eugenistas Roquette-Pinto, Cassiano Ricardo, Júlio de Mesquita Filho, Alfredo Elias Júnior e Manoel Bonfim afirmavam, de ascendência europeia, como decretou Vargas em lei imigratória. Os dois textos, explicitamente, defendem essa tese, sustentados com dados. Mas, como Quintas está em uma cruzada contra os elementos exógenos da “formação mestiça brasileira”, fundamentalmente uma “formação eugênica”, como o autor defendeu ao longo de seu texto – será visto mais adiante –, concluiu que eu defenderia que o africano seria o “único elemento formador do Brasil”. Desconcertante.

Quintas afirma que cometi falácia ad hominem com Roquette-Pinto, mas não demonstrou como. A denúncia de uma falácia precisa ser explicada, como lembrou Aristóteles. Apenas afirmar que alguém cometeu alguma falácia sem explicar é, em si, uma falácia. No texto que o critiquei, expus não somente a sua participação no Congresso Mundial das Raças, em que afirmava que o Brasil não teria mais negros em 2012 (isso é uma contextualização do autor), mas seu pensamento favorável à miscigenação por entender que, dessa forma, o negro desaparecia mais rápido, concomitante à imigração europeia e a mortandade de negros, defendidas abertamente pelo eugenista citado. Quintas deveria se debruçar sobre a contextualização e o pensamento do seu autor de predileção para procurar expor porque considera uma falácia ad hominem. De forma simples e crua, a verdade é que o autor tem como referência um eugenista que apostava no desaparecimento do negro e na promoção da imigração branca para o melhoramento da raça. Pior, usou-o para tentar mostrar que não havia aposta na imigração europeia e no desaparecimento do negro entre a elite paulista. E isso, nem no texto mais recente, foi rebatido – Roquette-Pinto é citado apenas uma vez em todo o longo texto, em uma frase curta e genérica de acusação de falácia.

O autor, em seguida, faz uma indagação surpreendente: “Ora, por que Manoel Bomfim, um grande estudioso da história nacional, não pode ser utilizado como referência, apenas como ‘objeto de estudo’? Por que ele seria um ‘memorialista’ e em que o ‘memorialismo’ seria inferior à chamada ‘historiografia’, se grande parte dessa última foi feita tendo como referências bibliográficas o que Sacramento chama de ‘memorialismo’? Por que Bomfim não pode ser uma referência para demonstrar uma tese, mas Júlio de Mesquita pode?”. Aqui mostra toda a sua confusão conceitual. Primeiramente, historiografia científica é, epistemologicamente, superior ao memorialismo, a construção heroica e mítica de uma elite regional ou nacional, a construção da história por meio de uma coleção de ideia predispostas, erigindo uma história oficial. Segundo, qualquer autor pode ser uado como referência, desde que contextualizado, o que não foi o caso; apenas foi memoriado como fonte absoluta, reproduzindo-se a sua eugenia acriticamente. Terceiro, Júlio de Mesquita Filho, em meu texto, é objeto de estudo, não meio de reprodução de sua memória, como realizada por Quintas com Manoel Bonfim, Roquette-Pinto e Cassiano Ricardo. A análise que fiz foi a de justamente – o objeto inicial – mostrar que ele e o seu grupo foram os responsáveis pela mitificação do bandeirante e pela criação do bandeirantismo como movimento político fincado no supremacismo. O que critiquei em Quintas foi a sua verve em reproduzir integralmente e positivamente um autor da década de 1920 sem contextualizá-lo e, por conseguinte, analisá-lo, o que o faz ter uma perspectiva historiográfica memorialista e anticientífica. Para fazer tal relação, o autor, literalmente, não compreendeu, ou ignorou, o objeto do primeiro texto que produzi, o que dá sentido ao seu apego ao sertanejo do século XVI, completamente ignorado por mim no primeiro texto – insisto, o objeto era a elite paulista da década de 1920.

Quintas é tão memorialista que afirmou que “Sacramento destila todo o veneno originalmente disseminado por Júlio de Mesquita Filho e outros figurões da oligarquia paulista”. A confusão entre objeto e veneração, como possui com os eugenistas, o faz pensar que reproduzo o ideário de Júlio de Mesquita Filho, quando estou vinculando, criticamente e negativamente, o seu pensamento ao de Rui Costa Pimenta e Aldo Rebelo (objetos). Isso é explicito no primeiro texto. Essa afirmação foi a introdução de uma longa exposição que faz de Vargas. Ele cita três obras para provar que Vargas não seriaracialista e pró-imigração branca e europeia. Duas delas conheço bem: A Invenção do Trabalhismo e Dialética da Colonização. Ele não cita nem se referencia em algum dado das obras, apenas afirma que o “suposto fascismo de Vargas é uma mentira liberal há muito desmontada” pelos autores. Seria uma falácia ad hominem?

As três obras são abandonadas para a construção de trechos constrangedores de autoria do Quintas, sem qualquer relação com elas: “Mais lamentável e equivocada ainda é a tentativa de enquadrar Getúlio Vargas como um ‘supremacista branco’. Logo ele, que legalizou o samba e a capoeirae profissionalizou o carnaval e o futebol, abrindo definitivamente as portas desse último para os negros!!” Se abriu as “portas”, deduz-se que estavam fechadas, imagino, o que o obrigaria a indagar e discorrer porque estava fechada e Vargas teria sido o homem que trouxe os negros ao lume da nacionalidade. O seu teor persecutório com o negro “exógeno” é tão grande que sobrou para mimquando tentou refutar (sic!) a relação de Getúlio com uma visita oficial de cientistas nazistas: “Que o diga Henry Ford, admirador confesso de Hitler e fundador da Fundação Ford, uma das maiores disseminadoras do racialismo pontificado por Sacramento”. Interessante essa vinculação que o autor faz de mim com o racialismo, julgando que toda a identidade negra é fruto de um complô internacionalista. Lógico, aqui há uma falácia de falsa analogia misturada com uma falácia ad hominem. O que essa afirmação refuta o dado que trouxe de uma tese acadêmica sobre a relação entre Vargas e o nazismo é um mistério. Todavia, reafirma o lunatismo do Quinto Movimento e de Aldo Rebelo.

Recuperemos o que escrevi: “Em 1936, Hitler enviou uma equipe de médicos para aferir a pureza racial dos imigrantes alemães no Espírito Santo. O Estado alemão acreditava que os alemães radicados no estado do Espírito Santo não eram miscigenados por estarem isolados geograficamente, ao contrário dos alemães do sul, que não passaram no selo nazista de pureza germânica. A ideia era estudar se a germanidade não se modificava com o ambiente mais quente. O estudo tinha o objetivo de promover a colonização alemã na África. Os médicos Gustav Giemsa e Ernst Nauck, que foram recebidos com pompa por Getúlio Vargas, concluíram que ‘o Espírito Santo apresenta, em particular, dimensão e possibilidade de reconhecer os pressupostos sobre os quais isso pode ocorrer de forma sensata e de fazer com que as experiências realizadas sejam úteis para a questão de eventuais possibilidades de colonização em alguns países coloniais’”. Além da afirmação que Ford também era nazista – o que esse dado conflita com o fato narrado por mim é um mistério, insisto –, dando a impressão que o autor está afirmando que, como Ford era nazista, todos eram e tudo bem, uma vez seria o contexto da época, afirma que vários “cidadãos alemães” moravam no Brasil – não eram brasileiros?! Eram exógenos?! Vieram por uma política imigrantista de europeus e brancos?! Vargas estaria a privilegiar “cidadãos alemães” sobre “cidadãos brasileiros”?!–, não cabendo a Vargas impedir a entrada da equipe, até porque “não havia nenhum sentido eminentemente racista e eugenista nela”, pois era “apenas um estudo do governo alemão para estudar as condições de adaptação em regiões tropicais de um povo acostumado a um clima frio”.

Constatemos que Quintas ignorou uma tese de doutorado, uma das teses de maior impacto na área na década de 2010. Não há uma referência do autor para sustentar esse pensamento, que conflita uma produção que se debruça sobre a relação entre Brasil e Alemanha no período. É um pensamento meramente e moralmente pessoal. Portanto, negacionista. As suas contestações são meramente opinativas, naturalizando um estudo eugênico no Brasil cujo objetivo era estudar a adaptação da germanidade no clima tropical para criar colônias no continente africano. Ele desconhece o texto, mas afirma taxativamente que “não havia nenhum sentido eminentemente racista e eugenista nela”, embora a justificativa oficial da missão era estudar a transformação racial e a forma como o clima tropical influenciaria negativamente na germanidade. Da naturalização da violência repressora dos bandeirantes, Quintas chega à naturalização de estudos raciais e eugênicos nazistas. Considero coerente, como afirmei na conclusão do último texto que publiquei.[6]

Ao menos, quando o autorconfessa que havia muitos “cidadãos alemães”, deveria confessar que o Brasil teve o maior partido nazista do mundo fora da Alemanha, com um clube da elite paulista proibida para negros – Clube Germânia, hoje Clube Pinheiros, que rivalizava e ainda rivaliza como Clube Paulistano, originalmente da burguesia branca paulistana. Ana Maria Dietrich, autora deNazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil, outra tese de grande impacto da década anterior, afirma que “muito já se discutiu sobre os possíveis alinhamentos ideológicos do presidente Getúlio Vargas com o nazismo. No entanto, o que fica explícito é que durante a década de 1930 houve interesses por trás da relação amigável entre os dois países. Qualquer ruído de ordem para ‘reprimir’ o partido nazista estrangeiro poderia prejudicar tal relação”.[7] Assim o DIP – controlado por Cassiano Ricardo em São Paulo – e o DEOPS ignoravam, por ordem de Vargas, o partido nazista. Um dos pontos tidos como positivos pelo Estado nazista sobre Vargas era a sua luta “contra o comunismo”,[8] com “treinamento de policiais brasileiros pela GESTAPO”.[9] Em outras palavras, Vargas proibia a repressão ao partido nazista, mas perseguia comunistas, eventualmente entregando-os aos nazistas, como fez com Olga Benário.

As considerações opinativas de Quintas continuam ao afirmar que confundo “eugenia” com “racismo”. Segundo ele, educação eugênica “dizia respeito a uma educação voltada para o aperfeiçoamento da saúde, da higiene e das condições materiais de vida dos jovens”, apenas. Já houve uma naturalização da eugenia com a naturalização do estudo eugênico-racial da equipe médica nazista. Todavia, para o autor, prova da naturalização dessa concepção de eugenia seria a União Soviética, que também teria sido eugênica (“presente inclusive na URSS”). Para fundamentar a sua tese, ele oferece um link. No link, há um pequeno texto, que, acredito, não deve ter lido.

O pequeno texto, escrito por Per Anders Rudling, inicia-se da seguinte forma: “a história intelectual da eugenia na União Soviética desenvolveu-se de maneira bastante diferente do que em outros Estados europeus. Em comparação com muitos de seus estados vizinhos, sua história foi curta, limitada principalmente à década de 1920”. No início do texto já se anuncia que a eugenia na URSS não se desenvolveu como nos Estados europeus e, portanto, americanos, uma vez que as referências da eugenia, como Lombroso, era compartilhada entre europeus e elites americanas, todas brancas e fincadas na “ascendência europeia”.

Segundo o texto, a eugenia fora apoiada pelo Comissariado do Povo para a Saúde e Educação porque foi projetada como um projeto modernizador. Segundo o autor, isso aconteceu porque “a ciência racial soviética foi amplamente liderada por homens que foram educados e foram produto do final da era imperial”, os quais foram “fortemente influenciados pela antropologia racial alemã e seguiram módulos semelhantes para estabelecer grupos sanguíneos e características ‘raciais’ e físicas para definir e categorizar as populações”.Portanto, segundo o historiador, na década de 1920, a eugenia seria levada a cabo por antigos quadros do czarismo. Rudling pondera: “no caso soviético, seria necessário fazer uma distinção bastante clara entre antropologia racial e eugenia. Em muitos países europeus, o conceito de eugenia e higiene racial veio a se fundir, enquanto na URSS eles foram mantidos separados”. A eugenia foi abandonada na URSS e ficou uma “ciência racial”, na qual se acreditava que, no comunismo, as raças desapareciam junto com as classes e as nações. Isso significa que “a eugenia aplicada, por outro lado, como conceito, teve uma curta história na URSS, limitada a meia dúzia de anos na década de 1920” (grifos meus), sendo “proibida” no momento que se implantavam “vários programas de esterilização” em “vários estados europeus e norte-americanos”. Conclui o autor que, “como a eugenia estatal foi abandonada em sua infância, é difícil falar sobre uma era pós-eugenia na Rússia e em outros estados sucessores soviéticos”.

Portanto, o autor utilizou uma fonte, na prática não utilizada em seu texto, apenas oferecendo o link (tentativa de falácia ad hominem com a URSS, procurando construir a ideia de universalidade para a eugenia), que diverge da construção de seu pequeno e único parágrafo, com uma citação jogada, que provaria que a URSS teria tido grande experiência no eugenismo. Pelo contrário, ela proibiu. Quando Vargas implantava a eugenia racialista, na década de 1930, na URSS estava proibida por lei. Além de provar o contrário, mesmo que o argumento se fundamentasse em algum dado decente, a URSS ter sido eugênica não provaria que Vargas não conciliou eugenia com racismo. Seria, mais uma vez, uma falácia da falsa analogia. Na prática, o autor está defendendo o que defendeu com o nazismo: como todos eram eugenistas, “inclusive” a “URSS”, tudo bem Vargas ter sido também. Perceba que é o mesmo argumento para a naturalização da violência bandeirante, um grande e generalizado discurso sobre a naturalização da violência da repressão, transformando-a, por meio de uma visão conservadora, em agentes pacificadores e construtores de uma nacionalidade aplicada, talvez, na zona sul do Rio de Janeiro, excetuando-se as comunidades formadas, majoritariamente e predominantemente, por negros. O fato extraído do texto de Quintas é uma tentativa de falsificação, um “falseamento”, como disse.

Mas por que Quintas tenta adulterar uma fonte? Para tentar provar que os Decretos promulgados por Vargas nada tinham com o eugenismo e a racialização europeia. Se o Decreto n. 7.967/45 permitia a imigração com o fim de “preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia”, dois meses depois do término da II Guerra Mundial, diz Quintas que Vargas não queria defender que “Brasil seria e deveria se manter ‘europeu’, mas, sim, que possuía ascendência europeia”. O fato de apenas europeus terem entrado em seguida no país, ou brancos de outros continentes (ou considerados brancos na racialização brasileira, como sírios, judeus e libaneses), foi mera coincidência. A bem da verdade, preservar e manter na composição étnica da população as características “mais convenientes” da “sua” – palavrinha mágica –“ascendência europeia” tornou-se uma necessidade de o Brasil … se “manter ‘europeu’”. O argumento de Quintas é tão incompreensível que é difícil de explicar. Mas, por que Vargas não escreveu: preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes das suas ascendências africana e europeia? Por que não colocou “ascendência africana”, se, supostamente, Vargas não era supremacista, se não queria preservar e “desenvolver” – outra palavrinha mágica, pois desenvolver significa, segundo o Aurélio, aumentar e expandir – a “ascendência europeia” na “composição étnica da população”? Por que o termo “ascendência africana” não foi para no Decreto? O argumento de Quintas é, no mínimo, estúpido e típico de uma rede social. Não há qualquer parâmetro lógico-formal, o que faz sentido, pois é uma característica de uma concepção negacionista. O Decreto, por óbvio, impunha uma restrição para a imigração de não brancos, permitindo a imigração exclusiva de brancos (“ascendência europeia”). Esse é o fato!

Depois ele acusa que suprimo o artigo 3º do Decreto, como ele fez com o artigo 18º da Lei de Terras, que suprimiu quando tentava argumentar que a Lei de Terras não contribuiu para a construção da política imigratória europeia. Não suprimi, não citei porque não fazia parte do objeto daquele momento no texto: a construção de uma legislação embranquecedora da população. Contudo, vamos ao artigo. De fato, houve a limitação de estrangeiros, em um momento que já havia entrado mais de 2 milhões somente no estado de São Paulo, como demonstrei no texto anterior. Essa legislação, como Quintas escreveu, veio de uma legislação específica de 1933. Contudo, para ser mais preciso, veio de uma legislação de 1930 – para contribuir –, o Decreto Presidencial n. 19.482, de 12 de dezembro de 1930. Essa legislação fora criada em virtude da crise de 1929, gerando um alto índice de desemprego. O próprio Vargas alega nos considerandos da lei: “CONSIDERANDO que as condições financeiras em que a revolução encontrou o Brasil reclamam medidas de emergência, capazes de, melhorando a situação, permitir o prosseguimento da sua obra renovadora e reconstrutiva; CONSIDERANDO que a situação econômica e a desorganização do trabalho reclamam a intervenção do Estado em favor dos trabalhadores; CONSIDERANDO que uma das mais prementes preocupações da sociedade é a situação de desemprego forçado de muitos trabalhadores, que, em grande número, afluíram para a Capital da República e para outras cidades principais, no anseio de obter ocupação, criando sérios embaraços à pública administração, que não tem meios prontos de acudir a tamanhas necessidades; CONSIDERANDO que somente a assistência pelo trabalho é recomendada para situações dessa natureza, porquanto não vexa nem desmoraliza os socorros; CONSIDERANDO, também, que uma das causas do desemprego se encontra na entrada desordenada de estrangeiros, que nem sempre trazem o concurso útil de quaisquer capacidades, mas frequentemente contribuem para aumento da desordem econômica e da insegurança social; CONSIDERANDO, ainda, que os recursos financeiros ordinários não permitem ao Governo praticar, por si só, a aludida assistência (grifos meus)”.

Vejamos. O primeiro considerando afirma que as “condições financeiras” exigem “medidas de emergência” que desenvolveriam os condicionantes econômicos para “permitir o prosseguimento da sua obra renovadora e reconstrutiva”. O segundo considerando informa que a crise gerou uma “desorganização do trabalho”, reclamando por uma intervenção do Estado; essa desorganização seria o “desemprego forçado de muitos trabalhadores”, que se dirigiram para “a Capital da República”, causando “embaraços à pública administração”. Mas, o que causou o desemprego, segundo Vargas? A “imigração desordenada de estrangeiros”. Opa, temos mais uma confissão de uma política imigratória de europeus e brancos até a data que estipulei? Ao que tudo indica, sim. O que causou a sua interrupção? Em um primeiro momento, a crise de 1929, como explicita a Lei. Em um segundo momento, a entrada do Brasil na II Guerra Mundial. Ou seja, fatores externos e estruturais foram responsáveis pela interrupção ou diminuição da política estatal de imigração europeia e branca. Porém, mesmo assim, dezesseis anos, Vargas não deixou de constar e registrar a necessidade de “preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia” (grifos meus).

Getúlio e Júlio de Mesquita Filho tiveram grande proximidade até 1937, sobretudo para a construção da legislação de combate aos comunistas. Irene Cardoso, em A Comunhão Paulista, registra essa proximidade não somente em alianças, mas em editoriais do jornal, resultando na construção da Universidade de São Paulo, em 1934. Ou seja, acomodou-se após 1932 com Getúlio, em que o denominador comum foi o anticomunismo e a “aliança com os setores mais intransigentemente reacionários”, o que significou dar “cobertura a toda a sequência de ações de Vargas (estado de sítio, estado de guerra, desrespeito a imunidades parlamentares, prisões e perseguições arbitrárias e violentas)”.[10]Júlio de Mesquita Filho era um anticomunista e viu em Vargas uma solução para o avanço das forças revolucionárias, assim como o Estado nazista, o que Vargas cumpriu com eficiência, diga-se de passagem.

Quintas registra a minha crítica ao seu apego à ideia do nascimento da Nação como uma construção luso-brasileira. Diz ele que não teria “defendido o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves como o modelo ideal de organização nacional a única forma em que o dito ‘nacionalismo luso-brasileiro’”. Porém, no próprio texto, para tentar explicar que fazia sentido Vargas decretar uma política imigratória que preservasse exclusivamente a “ascendência europeia”, afirmou que o Brasil possuía sim “ascendência europeia, o que é inegável, a menos que Sacramento queira refazer o mapa-múndi e convencer o leitor de que Portugal não faz parte da Europa”. Grande e profundo argumento! (sic!) Vamos recuperar o que escrevi. Quando discorria sobre Cassiano Ricardo e sua compreensão sobre nacionalidade, quando foi signatário do Manifesto Verde-Amarelo, que resultou em duas dissidências, o Integralismo e o Bandeirismo, afirmei que a reprodução acrítica do autor, sem qualquer análise contextual e conjuntural, reproduzia a compreensão protofascista de Cassiano Ricardo, reproduzindo, por conseguinte, “um nacionalismo ‘antijacobino de raízes naturalmente luso-brasileiras”, o que foi, ipsi litteris, o que Quintas escreveu para  justificar a promulgação do Decreto de Vargas que permitiu exclusivamente a entrada de imigrantes que preservassem a “ascendência europeia” da população brasileira. Quintas é um paradoxo em pessoa.

O autor parece ter ficado bastante desconcertado com a crítica que realizei sobre como ignora a produção científica a partir de 1950. Fiz a seguinte afirmação sobre o seu memorialismo: “Porém, vamos aos fatos: o autor, doutorando, está defendendo que todas as produções científicas desde 1950, inaugurado por Roger Bastide e Florestan Fernandes, com Brancos e Negros em São Paulo, estão erradas. E a questão aqui não é o fato de ele ser doutorando e não doutor, mas de pertencer à comunidade científica e negar uma vasta produção, como as de Octavio Ianni, Clóvis Moura, Petrônio Domingues, Viotti da Costa, Guerreiro Ramos, Robert Conrad, Abdias do Nascimento, Thomas Skidmore”. Para tentar provar que não ignora, apesar de ter ignorado, citando apenas eugenistas que acreditavam no embranquecimento como instrumento de melhoramento do brasileiro (Roquette-Pinto, Cassiano Ricardo e Manoel Bonfim), cita Roger Bastide, para quem “a colonização brasileira destruía fronteiras e reunia em relações fraternas, em doce camaradagem, as cores mais heterogêneas e as civilizações mais díspares” (grifos do autor). Faz o mesmo com Guerreiro Ramos. Porém, repitamos o que escrevi para não deixar dúvidas: “o autor, doutorando, está defendendo que todas as produções científicas desde 1950, inaugurado por Roger Bastide e Florestan Fernandes, com Brancos e Negros em São Paulo, estão erradas”. Inaugurar significa começar, segundo o dicionário Aurélio. E é o sentido que dei.

Um exemplo simples da necessidade de contextualização é a sua explicação sobre a necessidade de importação de mão de obra europeia para o Brasil, utilizando-se de alguns autores, como uma necessidade da industrialização. Hoje se sabe que as indústrias até 1888 utilizavam-se de mão de obra de africanos escravizados e livres. Há uma farta literatura sobre isso, o que resultou na posição das bancadas mineira e carioca no Congresso Agrícola de 1878 sobre a utilização de mão de obra nacional, refutada pela bancada dos paulistas, que defenderam a imigração europeia para embranquecer a população. Esse dado foi ignorado em duas oportunidades.

Segundo Quintas, essa necessidade justificaria a proibição da imigração de mão de obra negra norte-americana, em 1921 (discorrida no texto anterior): “naturalmente, nessas condições, foram preferidos os trabalhadores europeus, mais acostumados à rotina de trabalho assalariado que se instaurava no Brasil, assim como se recusaram propostas impositivas da parte dos EUA, como do Brazilian-American Colonization Syndicate, para usar o Brasil como válvula de escape das tensões raciais que lhes era inerente, com consequências imprevisíveis para o Brasil e das quais o Tio Sam jamais se responsabilizaria”. O autor naturaliza a justificava da lei que proibia a imigração de “negros”, assim como os artigos dos jornais e a defesa do nacionalista Coelho Neto. Simplesmente naturalizou para concordar com Cincinato Braga e os autores da época que os negros norte-americanos “trariam consequências imprevisíveis para o Brasil” (palavras de Felipe Maruf Quintas). Quintas é um racista! Não há outro termo a ser utilizado. Ele reproduz integralmente a fala dos defensores do projeto que proibia a imigração de negros, alegando que somente os europeus poderiam vir ao Brasil, pois os imigrantes brancos não trariam consequências “imprevisíveis”, mas somente os negros norte-americanos. Está aí um dado inconteste de um defensor da imigração como melhoramento da “mestiçagem brasileira”. O “imprevisível” significa que a constituição racial brasileira precisa de previsibilidade, como um bom eugenista defendia na década de 1920. Está aqui uma confissão: a necessidade de previsibilidade, em que negros norte-americanos seriam imprevisíveis e brancos italianos e alemães não. Se os negros “traziam consequências imprevisíveis” por serem racistas contra os brancos brasileiros, como defendeu Coelho Neto e Cincinato Braga, por que os brancos europeus não trariam “consequências imprevisíveis”? Não seriam racistas contra os negros? Ou pouco importa, porque seriam negros… Diante de tal afirmação com predileção pela imigração europeia e branca, produz-se a conclusão que vincula o Quinto Movimento com o racismo contra o negro e o elemento africano, devendo, assim como acreditavam os eugenistas da época, serem subsumidos, ou como acredita Aldo Rebelo, serem repelidos da “formação mestiça brasileira”. É só racismo disfarçado. Negros “trariam consequências imprevisíveis para o Brasil”, brancos não! Uma explicitação do fundamento racializado dos argumentos de um eugenista disfarçado. Perceba, quem escreveu foi o cérebro e as mãos de Quintas. Não cabe culpar os outros pelo que escreve.

Para tanto, cita Caio Prado Júnior, para quem “o progresso da imigração no último quartel do século será rápido. […] mas se este progresso do trabalho livre foi em grande parte condicionado pela decadência do regime servil, inversamente ele acelerará consideravelmente a decomposição deste último. […] a presença do trabalhador livre, quando deixa de ser uma exceção, torna-se forte elemento de dissolução do sistema escravista”. Expliquemos, mais uma vez, como se faz uma contextualização. Na historiografia contemporânea, apreende-se Caio Padro Júnior como um intelectual que realizou uma excelente obra sobre a transformação do Brasil-colônia em uma plataforma agroexportadora, como elemento constitutivo do capitalismo. Todavia, sabe-se, contextualizando-o, que Caio Padro Junior, como todos os autores dessa época, acreditava que a substituição do negro pelo branco era necessária porque o negro seria limitado cognitivamente. No caso de Caio Padro Junior, seria em virtude de ter vindo de uma região com pouco desenvolvimento, o que teria sido transmitido aos descendentes escravizados, a despeito das primeiras indústrias utilizarem mão de obra escravizada e todos os trabalhos específicos no século XIX serem empreendidos por africanos livres e escravizados (escravizado de ganho). Afirma Caio Padro Junior: “Não esqueçamos que o escravo brasileiro era em regra o africano boçal recrutado entre as nações de mais baixo nível cultural do continente negro. Os povos negros mais cultos são os do Sudão, isto é, regiões situadas ao norte do Equador onde o tráfico se proibira desde 1815”.[11] Sabe-se que os africanos provenientes de Benin dominavam a metalurgia, o que fora fundamental para a produção de açúcar no Nordeste e a indústria extrativista de minérios, tecnologia que os portugueses e os sertanejos paulistas não dominavam.

Já Celso Furtado desenvolveria esse argumento afirmando que a escravidão teria entorpecido o africano. Escrevera o seguinte em seu capítulo “O problema da mão de obra”, de Formação Econômica do Brasil: “Cabe tão-somente lembrar que o reduzido desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a segregação parcial desta após a abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país”.[12]Segundo o economista, “quase não possuindo hábitos de vida familiar, a ideia de acumulação de riqueza é praticamente estranha”, pois “o trabalho para o escravo” era “uma maldição e o ócio o bem inalcançável, a elevação de seu salário acima de suas necessidades – que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo – determina de imediato uma forte preferência para o ócio”. Aprofundando a sentença de Caio Prado Junior, a quem o problema se devia ao “africano boçal”, para Celso Furtado o problema seria o entorpecimento que limitaria, cognitivamente, o negro ao trabalho assalariado. Nenhum deles discute a ampliação do mercado industrial de reserva como objeto central, ou o que, exatamente, o imigrante europeu traria de conhecimento técnico que seria determinante ao desenvolvimento industrial, mas sim o problema do “africano”, uma mão de obra não ideal.

Florestan Fernandes e Roger Bastide desenvolvem o conceito de Celso Furtado para a ideia de “desajustamentos sociais e econômicos”.[13] Para os autores, apesar dos ofícios abrirem espaços para os homens livres e alguns escravizados, haveria um desajustamento do negro para com o trabalho, do ponto de vista educacional, que teria justificado a imigração. Para justificar essa tese, analisaram jornais da época, dentre eles, a Província de São Paulo, que se tornaria O Estado de São Paulo, jornal escravocrata da família Mesquita, que afirmava que “os escravos, como a maioria dos caipiras, fogem ao trabalho”.[14]É consenso, como trazido por Juremir Machado da Silva, que o jornal era escravocrata, antiabolicionista e embranquecista, pois desconfiava do trabalhador nacional.[15]Hoje há a crítica (análise) à forma inapropriada pela qual os autores incorporaram a fonte primária, sem contextualizar o dado da posição do jornal, pró-imigração europeia.[16] As três teses já existiam na República Velha para justificar a imigração exclusivamente branca, pois somente os brancos e europeus, mesmo vivendo em regimes semifeudais, analfabetos em italiano (língua que, na prática, inexistia na época, pois os idiomas regionais predominavam sobre o italiano oficial) e a grande maioria nunca tivesse visto uma máquina industrial, como os italianos do sul, submetidos à produção de subsistência, teriam habilidade para industrialização. As três teses possuíam o modelo etapista de transição do feudalismo para o capitalismo, do camponês para o proletariado, a despeito dos dados hoje abundantes de utilização de mão de obra escravizada no surto industrial de 1880.Pressupõem que o trabalhador se forma antes do capital, o que, se fosse verdade, impossibilitaria a acumulação primitiva. Vinculam mecanicamente imigrante branco com trabalho assalariado, quando a classificação do trabalhado assalariado se dá quando um trabalhador é despossuído dos meios de produção, obrigando-a a vender a sua força de trabalho, o que já ocorria em 1887 nos canaviais paulistas com negros que fugiam e vendiam a sua força de trabalho para outro cafeicultor. Lógico, por seu turno, vinculam mecanicamente negro com escravidão. Apregoam uma etapização da formação do modo de produção capitalista, como se o trabalhador assalariado estivesse que ser culturalmente formado, como se o camponês estivesse naturalmente pronto ao assalariamento quando da acumulação primitiva inglesa, ignorando a violência estatal da acumulação primitiva para a formação da classe trabalhadora assalariada e para a constituição das leis populacionais tipicamente capitalistas. Como lembra Marx, é o Estado que produz violentamente os elementos constitutivos do capitalismo, inclusive a força de trabalho, da subsunção formal (violenta) à subsunção real. No caso brasileiro, o Estado inseriu o elemento racial na sua formação – é disso que trata os dois textos anteriores. Não obstante, Quintas concorda com a tese de Celso Furtado: “Concordo com ele [Sacramento] quanto à infelicidade e ao absurdo do abandono dos negros nativos no pós-Abolição, relegando-os a uma posição marginal onde prevalecia a inaptidão” (grifos meus). Mas era o escravizado que realizava todo e qualquer trabalho manual, do simples ao mais complexo! Não importa, eram “inaptos”, não aptos. A tese de Quintas não é aceita no ambiente acadêmico há trinta anos, no mínimo. Está preso na posição de Celso Furtado, que é apenas uma posição citada em um ensaio. O autor não a desenvolve, apenas a pressupõe, de forma racialista, portanto, pois é uma tese que existia na República Velha, configurando no famoso “serviço de preto”, termo para designar a “inaptidão” de negros para trabalhos mais complexos.

Isso significa que os três são inválidos, como Gilberto Freyre, que discordava de Caio Prado Junior sobre a boçalidade do africano que veio ao Brasil? Não! Significa que os autores devem ser analisados, não apenas reproduzidos, como uma história das ideias, uma história memorialista que objetiva reproduzir interesses e visões pessoais, como a de justificar a não imigração de negros como elementos “imprevisíveis” à nacionalidade – identitarismo branco.

Hoje se sabe que, de 1884 a 1888, houve uma crise generalizada na lavoura paulista em virtude da luta insurrecional do africano no campo,[17] fazendo com que a elite paulista promovesse a imigração europeia apenas a partir de 1885 e 1886, após a introdução da Lei do Sexagenário, que subvencionava com o orçamento federal “a colonização por meio do pagamento de transporte de colonos que forem efetivamente colocados em estabelecimentos agrícolas de qualquer natureza” (§ 3º, art. 2º).A Lei do Sexagenário foi, na prática, uma lei de financiamento de imigração europeia. No livro que publicarei, também trago alguns elementos sobre a ideia equivocada de relacionar imigração com abolicionismo, à luz de dados de Jacob Gorender: “o crescimento entre 1854 e 1886 da população escravizada no Novo Oeste foi de 235%. Enquanto havia 20.143 escravizados que produziam 305.220 arrobas de café em 1854, 67.036 escravizados trabalhavam sobre 4.720.733 arrobas de café em 1886. No Oeste antigo (Campinas), respectivamente nos mesmos períodos, havia 40.506 escravizados para 491.397 arrobas de café e 52.952 escravizados para 3.008.350 arrobas de café. No Vale do Paraíba, havia 33.823 escravizados para 2.737.639 arrobas de café e 43.361 escravizados para 2.074.267 arrobas de café, respectivamente”. Os fatores não estavam, em si, na mão de obra. A produtividade estava, sobretudo, na forma de trato com a terra, a produção e os elementos constitutivos do solo – por isso a expansão do café no Novo Oeste em detrimento da região de Campinas e, sobretudo, do Vale do Paraíba, com aumento da mão de obra escravizada. As cidades paulistas tiveram aumento significativo de mão de obra escravizada até 1885, quando perderam o controle da lavoura e utilizaram o dispositivo de financiamento de imigração europeia e branca da Lei do Sexagenário, inicialmente inaugurada na Lei de Terras. Viotti da Costa[18]e Robert Conrad[19]mostram que a mudança de posição dos paulistas se deu apenas de 1886 em diante: a famosa “conversão dos paulistas”, os últimos a defenderem, como bancada, a manutenção do escravagismo. Gorender,[20] por sua vez, mostra que a imigração deslanchou em 1886, com o subvencionamento criado pela bancada paulista na Lei do Sexagenário. Em 1886, ingressaram 16.036 imigrantes europeus em São Paulo; em 1887, 32.112, aumento de praticamente 100%. No ano seguinte, a quantidade de imigrantes pulou para impressionantes 92.086. O mesmo ocorreu com as alforrias (§ 3º, Art. 1º, da Lei do Sexagenário), uma indenização, e com a contratação por assalariamento de africanos que fugiam, sendo comum a contratação por outros fazendeiros.

O autor reclamou sobre o que discorri sobre o embranquecimento, afirmando que Borba Gato era mameluco e que o bonecão foi construído com “a própria escolha do material, com pedras de cor escura, reforça a mestiçagem cabocla do personagem, em absoluta contraposição à representação pictórica usual de Jesus Cristo, tomada por Sacramento como parâmetro de comparação”. Usei também Tiradentes e os egípcios, registra-se. Inscrevo, apenas, um pequeno material do Museu Paulista, denominado Bandeirante: um personagem em debate, sobre a forma como as pinturas, estátuas e afins dos bandeirantes na cidade de São Paulo são representados.[21]Quintas também, ao analisar dados quantitativos, mostra inexplicável inabilidade. Falei da necessidade de relacionar dados quantitativos absolutos e relativos a fim de se descortinar proporções. O autor escreveu um parágrafo sobre um dado quantitativo em valor absoluto, ignorando o dado proporcional produzido por mim sobre o crescimento da população branca muito acima da população negra. Produzindo-se o mesmo quantum para os brancos, cresceram 4.890%, 3,6 vezes mais do que pretos, fazendo com que saísse de 2,3 brancos para cada negro para 11 brancos para cada negro na cidade de São Paulo. Mas Quintas reclamou da classificação que fiz de negros, juntando pretos e pardos – maldita ONG do IBGE, premiando o “identitarismo antinacional” –, pois fez questão de “registrar o absurdo de enquadrar arbitrariamente, sem qualquer fundamento lógico, os pardos na categoria de negros”, voltando novamente a afirmar sobre a raça de Borba Gato e os bandeirantes. Sem problemas, na proporção somente com pretos, no Censo de 1886, havia 6 brasileiros brancos para cada preto. No Censo de 1940, havia 19 brancos para cada preto, expressando o papel do embranquecimento como Política de Estado. Parece que o dado trazido por Quintas não o ajuda, mas, como expliquei em texto anterior, “a confusão do autor, além de misturar Brasil com São Paulo, é não compreender e/ou desconhecer como se trata dados quantitativos em termos absolutos e proporcionais à luz de coortes e variáveis, o que é simplório no trabalho científico”.

Por fim, Quintas diz que não analisará Karl Monsma, pois é um “norte-americano (…) cuja obra desconheço e, portanto, não será por mim avaliada – pelo menos tem a desculpa de não ser brasileiro e não morar no Brasil a tempo suficiente de conhecer adequadamente essa realidade, caso realmente não a conheça”. O patético argumento, uma outra falácia ad hominem baseada em xenofobia, ignorada para Roger Bastide, cuja citação satisfez o eugenista, traz uma dose de infantilidade. Não surpreende vindo de alguém que considera africano uma nacionalidade e justifica a proibição de imigração de negros (norte-americanos) como uma medida justa para evitar a “imprevisibilidade” à constituição racial brasileira, ignorando o mesmo para a imigração europeia, pois nesse caso haveria uma previsibilidade positiva, como deixa escapar nas linhas e entrelinhas do seu texto. Não esqueçamos o argumento que preservar a “ascendência europeia” como critério único de política imigratória consistiria apenas em respeitar o legado português, esse identificado diferente do holandês e do inglês, sorte que africanos e indígenas não possuem em seu texto. Tampouco o respeito de Vargas com os “cidadãos alemães” e ao partido nazista no Brasil, assim como a vinda de cientistas nazistas, “apenas um estudo do governo alemão para estudar as condições de adaptação em regiões tropicais de um povo acostumado a um clima frio” (sic!). Que pueril! São argumentos típicos de rede social, uma expressão do identitarismo branco tratado como elemento universal. Como considero que Quintas não possui objeto, muda-o ao sabor do humor, como fica patente com a obra de Monsma, docente da UFSCar, pesquisador que desconheceria “adequadamente essa realidade” – ele fez uma pesquisa e Quintas não –, considero, por mim, o debate terminado. Ao menos, os textos serviram para mostrar, com os textos e as confissões de Quintas, a vinculação de Aldo Rebelo com o supremacismo e o protofascimo da elite paulista da década de 1920. A sincronia da saudação para Borba Gato de Quintas, Aldo Rebelo e Rui Costa Pimenta com o grupo 666, grupo neonazista de São Paulo, nada mais é do um grande aperto de mãos entre amigos.

*Leonardo Sacramento é doutor em Educação pela UFSCar e presidente da Associação dos Profissionais de Ensino de Ribeirão Preto. Autor do livro A universidade mercantil: um estudo sobre a universidade pública e o capital privado (Appris).

Notas


[1] Disponível em https://aterraeredonda.com.br/o-medo-da-queda-de-simbolos/.

[2] MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Perspectivas, 2019. Sobre a economia palmaria, ver páginas 202 a 208. Sobre as relações sociais e sexuais, ver páginas 208 a 212.

[3] MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Perspectivas, 2019, p. 203.

[4]MARX, Karl. O Capital: o processo de produção do capital. Apresentação de Jacob Gorender. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. Tomo 1. Volume I. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 285).

[5]FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (Séculos XVIII e XIX). São Paulo: Editora UNESP, 2014.

[6]Disponível em https://aterraeredonda.com.br/bandeirantes-e-bandeiritismos/.

[7] DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O partido nazista no Brasil. Tese defendida ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2007, p. 120.

[8] DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O partido nazista no Brasil. Tese defendida ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2007, p. 200.

[9] DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O partido nazista no Brasil. Tese defendida ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2007, p. 119.

[10] CARDOSO, Irene. A Universidade da Comunhão Paulista (o projeto de criação da Universidade de São Paulo). São Paulo: Editora Autores Associados/Cortez Editora, 1982, p. 18.

[11] PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 43ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 175.

[12] FURTADO, Celso. A formação econômica do Brasil. 12ª edição. São Paulo: Editora Nacional, 1974, p. 140.

[13] BASTIDE, Roger; FLORESTAN, Fernandes. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre os aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 4ª edição. São Paulo: Globo, 2008, p. 72.

[14] BASTIDE, Roger; FLORESTAN, Fernandes. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre os aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 4ª edição. São Paulo: Globo, 2008, p. 74.

[15] SILVA, Juremir Machado da. Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social. 1ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

[16] DOMINGUES, Petrônio. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo pós-abolição. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.

[17]DOMINGUES, Petrônio. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo pós-abolição. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. Ver a sessão Ódio racial no marco da abolição em São Paulo do capítulo I.

[18] COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. São Paulo: Global, 1982.

[19] CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil (1850-1888). Tradução de Fernando de Castro Ferro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

[20] GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4ª edição. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010.

[21] Disponível em http://www.mp.usp.br/chamadas/estamos-aqui-bandeirante-um-personagem-em-debate-pracegover.

 

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