Brasil e China – entre o dólar e o Pentágono

Imagem: Reynaldo Brigantty
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Por BRUNO MACHADO*

A soberania global do dólar e o superpoder regulador do sistema financeiro estadunidense podem estar com seus dias contados

A predominância tecnológica dos EUA sobre a economia produtiva mundial levou a existência de tal poder econômico dessa potência que a deu poder para ditar a sua moeda ao mundo como a moeda internacional. Tendo a moeda que seu Banco Central imprime como a moeda de trocas no mundo, os EUA passaram também a ter seu sistema financeiro como o dono das regras das finanças no planeta. Entretanto, com o avanço tecnológico chinês, o poder econômico dos EUA se vê em risco e a soberania global do dólar e o superpoder regulador do sistema financeiro estadunidense podem estar com seus dias contados.

É evidente que tal dominação econômica depende de um respaldo no poderio militar. As bases estadunidenses espalhadas pelo mundo e seu superpoderoso exército nacional garantem, sempre que algum país tenta sair da linha imposta pelo imperialismo, a dominação econômica através da força, sem intermediários. Acontece que, ao mesmo tempo em que detém o poder sobre a moeda que serve de reserva de valor internacional, os EUA possibilitam o financiamento de sua economia, e particularmente do Pentágono, através das reservas em dólar de todos os países do mundo que detém reservas em tal moeda. Dessa maneira, os países periféricos do capitalismo não apenas são subordinados ao poderio econômico e militar dos EUA, como também os financiam.

O rápido aumento da capacidade militar da China, no âmbito da defesa do seu território, impede, até certo ponto, o uso do poder militar dos EUA para garantir a soberania do dólar em território chinês. Além disso, uma aliança entre China e Rússia coloca em risco essa imposição do dólar e das regras do sistema financeiro estadunidense em diversos países do mundo que venham a se aliar militarmente com Rússia e China. Sem poder utilizar suas bases militares para garantir seu poder econômico desigual no mundo, o imperialismo se vê obrigado a tentar enfraquecer seus rivais russos e chineses através de guerras por procuração e operações de desestabilização política contra esses dois países.

Se não for interrompida por uma guerra, a ultrapassagem do poder econômico chinês sobre o estadunidense inevitavelmente terminará com a hegemonia do dólar em âmbito global, o que enfraquecerá também o sistema financeiro estadunidense e o próprio orçamento do Pentágono. Sem esse forte poder econômico, o poder militar dos EUA será desfinanciado e provavelmente regredirá ao tamanho de um Exército de um país desenvolvido qualquer. Uma economia fortemente dependente do privilégio do dólar e de guerras incessantes não poderá se manter como superpotência por muitas décadas.

Uma nova moeda global, possivelmente lastreada em uma cesta de moedas e em preços de commodities, possibilitará também que países periféricos entrem em rotas de desenvolvimento econômico. Ainda que as potências emergentes da Rússia e da China venham a tentar impedir o desenvolvimento tecnológico dos países periféricos, não terão a mesma capacidade econômica e militar que os EUA tem hoje para impor sua vontade. Isso ocorre porque a Rússia não tem o número de bases militares espalhadas pelo mundo como os EUA tem e a China, sem ser capaz de imprimir a moeda global, não terá o poder econômico e, particularmente financeiro, que os EUA têm atualmente.

Dessa maneira, o processo de substituição dos EUA por China e Rússia como maior potência na geopolítica pode favorecer os países periféricos do mundo, como o Brasil. Principalmente durante o período de disputa por hegemonia entre novos e antigos imperialismos, que poderá servir de brecha diplomática para países emergentes negociarem maiores diretos de fazerem política industrial e financiarem seu desenvolvimento tecnológico sem sofrerem retaliações e até mesmo recebendo transferência de tecnologia e investimentos produtivos dos polos em conflito.

*Bruno Machado é engenheiro.


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