Tecnologia e política

Imagem: Sabrina Gelbart
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Por BRUNO MACHADO*

O avanço tecnológico e a produtividade do trabalho são condições objetivas para implantação e sucesso do socialismo no Brasil

A superação do capitalismo e a hegemonia do socialismo no mundo depende de condições objetivas e subjetivas para o sucesso do socialismo sobre o capitalismo na realidade material. As condições objetivas podem ser resumidas como sendo o avanço da produtividade do trabalho ao ponto da redução da parcela de trabalho humano na composição de valor das mercadorias ser tão baixa em proporção a parcela de valor incorporadora pela automação que o capitalismo se torne inviável.

Em outras palavras, a margem de lucro do capital (taxa de exploração do trabalho humano) seria reduzida ao ponto das crises cíclicas do capitalismo se tornarem mais frequentes e duradouras, tornando o capitalismo inviável socialmente, já que a instabilidade dos ciclos capitalistas que se fundam na taxa de mais-valia se tornaria um empecilho a continuidade do aumento da produtividade do trabalho na economia. Entretanto, tal condição de redução da taxa de mais-valia depende também da derrota do imperialismo no âmbito geopolítico, já que o imperialismo e sua busca por trabalho barato e recursos naturais contrabalenceia a redução da mais-valia provocada pelo progresso tecnológico no âmbito nacional. Quando tais condições objetivas forem uma realidade, o capitalismo será um entrave ao progresso da produtividade do trabalho da mesma maneira que o feudalismo foi séculos atrás.

Por outro lado, o progresso tecnológico, como o avanço da inteligência artificial e da computação quântica, que eleva a produtividade do trabalho e, com isso, reduz a taxa de exploração sobre o trabalho (ainda que não reduza a exploração do trabalho no âmbito absoluto) também torna mais próxima a capacidade técnica de planificação da economia, o que eliminará a necessidade do sistema de preços do mercado capitalista, formando um novo tipo de mercado e novas maneiras de formação de preços baseadas na produtividade do trabalho e não mais no lucro.

A União Soviética e seu acelerado crescimento econômico e avanço da produtividade do trabalho demonstrou o potencial de uma economia planejada, contudo, a falta das condições objetivas para o sucesso do socialismo (a produtividade do trabalho global não era alta o suficiente para uma eficaz planificação da economia) e a força geopolítica implacável do imperialismo estadunidense derrotaram o modelo de sociedade soviético.

Atualmente, países como a China e até mesmo alguns países nórdicos como a Noruega já demonstram a capacidade de planificação da economia no âmbito do setor produtivo da economia. Na Noruega, por exemplo, 70% do capital do setor produtivo da economia (que não inclui comércio e serviços) pertence a fundos públicos. Na China, o nível de planejamento da economia é ainda maior e mais complexo, ainda que não tenha descartado a necessidade do sistema de preços do mercado capitalista. Até por que a superação do sistema de preços do capitalismo, que é fundado na busca da elevação do lucro e não a elevação da produtividade do trabalho, depende da hegemonia do socialismo sobre o capitalismo, processo que levará décadas ou séculos para ser concretizado.

Ao contrário do que imaginava Marx, as revoluções socialistas do século XX ocorreram em países periféricos do capitalismo global, não nos países centrais, isso aconteceu porque a exploração do trabalho é mais intensa nos países periféricos, além do fato de que economias periféricas são mais instáveis e passam por crises econômicas com mais frequência e de maior duração do que os países centrais. Por terem menor capacidade militar e econômica do que os países centrais, tais países socialistas foram derrotados pelo imperialismo e sobrevivem com extrema dificuldade e vivem em constante estado de guerra.

Dessa forma, é inevitável que um constante estado de guerra gere governos autoritários como o governo chinês e, até certo ponto, também os governos de Cuba e Coréia. Somente um país que passe pelo aumento da produtividade do trabalho e tenha um poder econômico e militar para enfrentar um cerco imperialista poderá expandir o socialismo pelo mundo até que esse sistema social se torne hegemônico no planeta. Há, em parte dos socialistas, uma expectativa de que a China venha a cumprir esse papel nos próximos dois séculos.

O papel do Brasil nesse século é retomar seu processo de desenvolvimento econômico, iniciado na revolução burguesa varguista na década de 1930 e interrompida pela Ditadura Militar. Entretanto, diferente da conjuntura de 1930, hoje no Brasil não há uma burguesia nacionalista, o que põe sobre os partidos de esquerda, socialistas ou não, a tarefa de promover o desenvolvimento econômico capitalista no Brasil. Do ponto de vista internacional, cabe ao Brasil se colocar do lado das forças geopolíticas que buscam retirar a hegemonia dos EUA no mundo, tanto do ponto de vista econômico quanto militar.

Tal mudança de rumos na política brasileira dependerá não somente de vitórias eleitorais mas de uma forte politização da população brasileira, para que participe ativamente da política nacional com protestos, greves e desobediência civil, ao mesmo tempo em que tenha um nível de consciência de classe que faça com que não caia na engenharia social da burguesia nacional através da atuação da mídia oligopolista (controlada pelo agro e pelos bancos), e em armadilhas de guerra híbrida do imperialismo, como a Lava Jato.

Se revoluções socialistas causam um cerco econômico e militar em países socialistas periféricos, é de se esperar que a implantação de projetos nacionais de desenvolvimento também cause um nível mais brando de cerco do centro sobre tal país periférico que “saiu da linha”. Entretanto, as décadas de duração do último projeto de desenvolvimento econômico brasileiro demonstra a força do Brasil de resistir a pressões internas da burguesia e externas do imperialismo. Ainda que o imperialismo tenha causado o suicídio de Getúlio Vargas, por conta da criação da Petrobras, e o impeachment da Dilma Rousseff por conta do pré-sal, temos capacidade de promover o desenvolvimento da estrutura econômica do Brasil em quatro ou cinco décadas, ainda que após tal período, esse projeto seja derrotado e seja retomada a agenda liberal que desviaria o social-desenvolvimentismo de volta ao neoliberalismo ou, com sorte, a um social-liberalismo.

Com isso, se a politização da classe trabalhadora é uma condição subjetiva tanto para o desenvolvimentismo brasileiro quanto para um socialismo democrático no país, enquanto o avanço tecnológico e a produtividade do trabalho são condições objetivas para implantação e sucesso do socialismo no Brasil. Se tivermos sucesso em retomar um social-desenvolvimentismo no século XXI no Brasil, podemos sonhar com um Brasil socialista para o século XXII.

*Bruno Machado é engenheiro.

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