Breve introdução à semiótica

Imagem: Jan Van Bizar
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Por SERAPHIM PIETROFORTE*

Conceitos derivados da semiótica, tais quais “narrativa”, “discurso” ou “interpretação”, tornaram-se fluentes em nossos vocabulários

Atualmente, do discurso acadêmico à esfera pública, seja nos debates políticos seja em propostas pedagógicas, o termo “semiótica” vem se popularizando; se isso não ocorre com a semiótica propriamente dita, enquanto estudo da significação, ao menos conceitos derivados dela, tais quais “narrativa”, “discurso” ou “interpretação”, tornaram-se fluentes em nossos vocabulários.

Isso posto, com os objetivos de motivar os leitores a conhecer semiótica, preparamos as seguintes considerações. Não se pretende, obviamente, oferecer um curso sobre a matéria; longe disso, trata-se, isto sim, de apresentar tópicos fundamentais, com vistas a incentivar quem se interessa pelas teorias do signo a prosseguir estudando.

Etimologia da palavra “semiótica”

Valer-se da etimologia para explicar os significados das palavras nem sempre se mostra caminho seguro pois, em regra, a história do vocabulário não coincide com seu entendimento pelos falantes da língua; além disso, devido às semelhanças entre sons e sentidos, vários equívocos ocorrem com facilidade.

Em meio a esses deslizes, semiótica não significa, certamente, “meio olho”. Se assim fosse, seria “semióptica”, pois “ótica” se refere aos ouvidos enquanto “óptica”, aos olhos; no caso, a palavra semiótica deriva do grego sēmeiōtiko, quer dizer, “relacionado aos sinais”, sendo nesse sentido, aproximadamente, que a palavra “semiótica” se utiliza nas ciências humanas do mundo moderno.

A palavra “sinal” se origina do indo-europeu sekw, cujo significado coincide com “apontar, indicar”; tomada em sentido lato, a palavra “sinal” se aproxima dos conceitos de “sentido” e “significação”, ou seja, os objetos de estudo da “semiótica”. Entretanto, para essa introdução se tornar esclarecedora, resta definir, contemporaneamente e de variados pontos de vista, o conceito de significação.

A significação e o signo

A palavra “semiótica”, tal qual a “semântica” e “semiologia”, deriva de “sema”, palavra grega, cujo significado é “sinal”, mantendo-se o sentido do indo-europeu sekw, do qual ela deriva. A palavra grega sema, por sua vez, possui história interessante; sema já significou “sepultura”, ora designou a lápide, quer dizer, a pedra colocada para cobrir o túmulo, passando, assim, a significar “sinal”, no caso, o sinal de haver alguém enterrado sob a laje. Nesse processo, manifesta-se a significação, pois a pedra aponta para outros sentidos além dela mesma, tornando-se, dessa maneira, o significante relacionado, arbitrariamente, aos significados “tumba”, “cadáver”, “morte” (Cornelli, 2011: 173-185).

A palavra “significação” se forma a partir da palavra “signo”, derivada do latim signum, cujo sentido é “sinal”, reportando-se novamente ao indo-europeu sekw; a própria palavra “sinal”, em português, deriva do latim signum, revelando se tratar do mesmo campo semântico. Entretanto, antes de prosseguir com o signo, como definir campo semântico? Tal concepção se vale de metáfora inspirada na geometria; imagina-se, por meio dela, uma extensão formada não por pontos, mas pelos limites conceituais de determinado tema.

Esse tema, por sua vez, constrói-se por meio dos discursos feitos sobre ele; em outras palavras, o tema, enquanto campo semântico, define-se numa rede discursiva, na qual ele ganha significado, inserindo-se, dessa maneira, em determinado meio sociocultural. Isso posto, por definir-se numa rede de discursos, o conceito de signo, longe de ser consensual, gera-se em polêmicas discursivas; definir signo, portanto, equivale a conhecer as polêmicas discursivas delineadoras de seu campo semântico.

Para desenvolver isso, em meio a numerosos teóricos do signo e da significação, mostra-se indispensável conhecer dois pensadores: Charles Sanders Peirce (1839-1914) e Ferdinand de Saussure (1857-1913).

Do logos divino à ideoscopia

Embora cuidando, a seguir, das teorias contemporâneas do signo e da significação, compensa recuar alguns séculos para alcançar as ideias de Santo Agostinho (354-430), quem elaborou, a seu modo, uma semiótica. Para tanto, recorre-se a Tzvetan Todorov (1939-2017) em sua obra Teorias do símbolo (Todorov, 1979: 15-54), especificamente, quando se refere ao simbolismo universal baseado no Evangelho de São João e nas célebres considerações sobre o Verbo e a carne; nesse contexto, utiliza-se a palavra “Verbo” para traduzir a palavra grega lógos e, consequentemente, todas as implicações e complexidades que a acompanham.

Em linhas gerais, para muitos intérpretes das escrituras cristãs, o Cristo se identifica com a encarnação do Verbo, todavia, a partir de outros pontos de vista religiosos, o próprio Deus dos cristãos coincide com o Logos, sendo sua carne, justamente, o universo em toda grandeza e com seus mistérios. Dessa perspectiva, o mundo se torna símbolo de Deus na semiótica de Santo Agostinho, estabelecendo-se relações entre os significantes diante dos homens e os respectivos significados sagrados; nessa teoria da significação, os homens entendem as coisas do mundo porque se encontram animados pelo mesmo Espírito Divino expresso na natureza.

As fontes anteriores vindas da Antiguidade e as implicações dessa doutrina da significação se revelam muitas, entre elas, as leis analógicas medievais sobre as correspondências entre as coisas, que ainda vigoram em alguns discursos modernos; segundo tais leis, por exemplo, se há no mundo celeste o Sol, no mundo terreno existe o ouro, no animal, o leão, no corpo humano, o coração etc.; o pensador e médico renascentista Robert Fludd (1574-1637) (Godwin, 1991) e vários poetas simbolistas, leitores de Emanuel Swedenborg (1688-1772), inspiraram-se naquelas teorias (Balakian, 1985: 17-28).

Quando questionadas pelo humanismo e seus juízos materialistas, no entanto, aqueles pensamentos, por se fundamentarem em preceitos religiosos, foram parcialmente abandonados, cabendo não mais à religião ou discursos afins, mas à filosofia responder por quais meios os homens entendem o mundo.

A Crítica da razão pura, de Immanuel Kant (1724-1804), editada em 1781, vem exatamente ao encontro dessa demanda; ainda em linhas gerais, de acordo com ele, a consciência humana não se relacionaria com as coisas do mundo passivamente, porquanto, uma vez regida por categorias próprias e específicas, nela se encaminha, aprioristicamente, determinados modos de conceber a suposta realidade advindos, justamente, dessa tábua de categorias.

A categoria da quantidade, por exemplo, projeta-se no mundo por meio das relações entre os termos unidade vs. pluralidade vs. totalidade, sendo o último a complexificação dos dois primeiros, por suas vezes, termos contrários entre si; a categoria da qualidade se articula em realidade vs. negação vs. limitação; há ainda as categorias de relação e modalidade.

Ora, das variadas contribuições de Kant para o pensamento ocidental, cabe reter, para os conhecimentos semióticos e semiológicos, a noção de atividade da consciência em relação às coisas do mundo. Mediante tal concepção, dialoga-se com o passado recorrendo às categorias do pensamento propostas por Aristóteles (384ac-322ac); ela admite, ainda, ser cotejada com teorias posteriores, tais quais o pensamento fenomenológico de Edmund Husserl (1859-1938) ou a ideoscopia, concebida por Peirce, diretamente ligada às teorias semióticas do signo e da significação.

Edmund Husserl se opõe às ideias da psicologia a respeito da consciência enquanto capacidade cognitiva; para ele, a consciência é um fenômeno e não uma coisa, não cabendo localizá-la no cérebro ou em outras partes do corpo. Nesse fenômeno, semelhantemente a Kant e sua tábua de categorias, não há passividade da consciência, tratando-se, isto sim, de modos de adequação entre a intuição, quer dizer, a capacidade humana de se projetar no mundo, e a significação.

Quanto a Peirce, buscando se diferenciar da fenomenologia, ele propõe a ideoscopia, cuja tarefa, nas próprias palavras, incide na descrição e na classificação “das ideias que pertencem à experiência ordinária ou que emergem naturalmente em conexão com a vida corrente, sem levar em consideração a sua psicologia ou se são válidas ou não-válidas” (Pignatari, 2004: 41-47).

Retomando a etimologia, a palavra “ideoscopia” se forma pelas palavras gregas idea, cujo significado se aproxima, no caso, do conceito de pensamento em sentido lato, e skopéo, significando olhar; trata-se, portanto, da observação das relações entre as coisas do mundo, o pensamento e os modos de expressão das coisas e dos pensamentos, cujo processo, para Peirce, explica-se por meio da definição de signo.

Contudo, antes de prosseguir, vale a pena considerar o estatuto da significação na história humana, porquanto, embora se mencionem apenas oito pensadores, a importância de Aristóteles, Agostinho, Fludd, Swedenborg, Kant, Husserl, Peirce e Saussure justifica o vivo interesse do tema. Do ponto de vista histórico e discursivo, tais autores não representam apenas ideias particulares; considerando-se as circunstâncias histórias, ou melhor, as relações de trabalho, as ideologias e culturas vigentes em cada época, eles expressam pensamentos coletivos, gerados em polêmicas discursivas.

Nessas polêmicas, as relações entre a humanidade, o mundo e o sentido assumem, na história do pensamento humano, variadas características; isso se verifica da religião à filosofia, da metafísica ao discurso científico, da arte à política.

Dessa maneira, longe de ser tema trivial, fruto de discussões banais, as questões da significação ocupam o cerne do pensamento humano, permitindo identificar o fenômeno da significação com o advento dos hominídeos em nosso planeta e, por conseguinte, da própria vida.

A semiótica de Charles Sanders Peirce

Para Charles Sanders Peirce, a mediação entre o homem e o mundo se descreve por uma lógica, chamada por ele semiótica, baseada nos signos, em princípio, grandezas formadas por referente, interpretante e fundamento; na teoria, os três conceitos se definem mutuamente, não havendo predominância nem pressuposição de um em relação aos demais.

Seria equivocado, quando se explica a significação, considerar o mundo objetivo das coisas preexistindo aos humanos para, em seguida, tais coisas se converterem em pensamentos, os quais, por fim, expressam-se nas linguagens humanas; tais processos não correspondem, respectivamente, aos conceitos de referente, interpretante e fundamento, embora possam ser, eventualmente, relacionados a eles.

Deve-se considerar que o referente não se confunde simplesmente com as coisas do mundo; nem o interpretante equivale ao pensamento enquanto fenômeno centrado em si mesmo, logo, autossuficiente; nem sequer o fundamento coincide com imagens, palavras ou sons utilizados para expressar coisas e pensamentos, os quais existiriam independentemente das devidas referências.

O referente, efetivamente, define-se enquanto tudo aquilo que se apresenta ao conhecimento; para explicar como isso acontece, Peirce, em sua semiótica, propõe a articulação entre o sujeito conhecedor e o objeto cognoscível segundo a lógica formada pelos três termos, com o signo e a significação se definindo, exatamente, na relação triádica.

O modelo se mostra bastante complexo; nas articulações da tríade proposta, surgem tipos distintos de signos – ícones, índices, símbolos; remas, discentes, argumentos; sin-signos, quali-signos, legi-signos –, que, por suas vezes, articulam-se entre si em novas combinações. Além disso, devido ao interpretante se apresentar ao conhecimento, isso faz dele objeto cognoscível, ou seja, o interpretante se torna referente, inaugurando-se novas relações semióticas, chamadas por Charles Sanders Peirce “semiose infinita” (Peirce, 1977).

Por fim, em seus desenvolvimentos, a semiótica de Charles S. Peirce, inicialmente uma antropossemiótica, isto é, uma semiótica restrita à significação humana, desdobra-se na zoosemiótica, na fitossemiótica e, inclusive, na fisiossemiótica, semióticas cujos objetos de estudos são, respectivamente, a significação animal, a significação vegetal e a significação entre os seres inanimados, por exemplo, partículas elementares, átomos, estrelas e demais grandezas cósmicas (Deeley, 1990: 69-123).

A teoria do signo de Ferdinand de Saussure

Embora Charles S.Peirce e Ferdinand de Saussure sejam teóricos da significação e do signo, as correspondentes formações, objetivos e propostas teóricas diferem sensivelmente, não cabendo aproximações entre eles sem os devidos cuidados. Saussure não foi filósofo; seus trabalhos principais se dedicam às áreas de linguística histórica – especificamente, os estudos do indo-europeu –, além de ser considerado o fundador da linguística estrutural.

O século XIX foi marcado, no campo das ciências da linguagem, pela linguística histórica, caracterizada pela concepção de mudança das línguas e por seus agrupamentos em troncos linguísticos; segundo aqueles pensadores, as línguas mudam com o passar dos tempos em função de leis fonéticas precisas, cujas determinações permitem a reconstrução de gramáticas e vocabulários, possibilitando, por meio de comparações, traçar graus de parentesco entre diversos idiomas.

Dessa maneira, agrupam-se as línguas latinas, helênicas, germânicas, eslavas, celtas, védicas etc. no trono indo-europeu; concebem-se outros troncos, por exemplo, o tronco afro-asiático, no qual se agrupam as línguas semíticas; segundo os especialistas, a tese mais brilhante da época foi a teoria de Saussure a propósito das vogais do indo-europeu. Seguindo a tradição de seus professores e colegas, Ferdinand de Saussure conheceu profundamente várias línguas, suas semelhanças e diferenças; tais conhecimentos permitiram a ele formular uma teoria sobre a significação.

Nas teorias do signo, a presença do objeto, referente ou coisa permanece constante; em todas elas, inclusive na semiótica de Peirce, o signo se articula à referência. Para Saussure, porém, um signo se define em relação a outros signos, e não em relação às coisas; isso precisa ser explicado cuidadosamente, pois vai de encontro ao senso comum a respeito do funcionamento da linguagem.

Em linhas gerais, não é difícil aceitar que há coisas no mundo, que se pensa nelas e utilizam-se palavras e outros signos para comunicar tais coisas e pensamentos. Saussure, no entanto, distanciando-se de reflexões filosóficas sobre as relações entre o homem, as linguagens e o mundo, concentra seus estudos em estruturas fonológicas e morfossintáticas com vistas a pensar a história interna das línguas, quer dizer, as transformações nas estruturas linguísticas capazes de possibilitar a reconstrução do indo-europeu e das línguas derivadas dele.

Parece, para quem desconhece linguística, haver relações diretas entre palavras e coisas, entretanto, além das dimensões fonológicas e morfossintáticas, há nas línguas dimensões semânticas, referentes à significação, as quais também variam de língua para língua.

Nas línguas românicas português, espanhol, italiano e francês, os pares de palavras irmão e irmã, hermano e hermana, fratello e sorella, frére e soeur se encontram sistematizados por meio da categoria semântica masculino vs. feminino, não cabendo, para a formação do vocabulário nas quatro línguas, a categoria da idade velho vs. novo. No húngaro, contrariamente, além da categoria da sexualidade, torna-se pertinente a categoria da idade, gerando-se, na sistematização do mesmo campo semântico, as quatro palavras bátya – irmão mais velho, öccs – irmão mais novo, néne – irmã mais velha e húg – irmã mais nova; diferentemente daquelas línguas românicas e do húngaro, no malaio há apenas a palavra sudarà, sem remissões ao sexo nem à idade (Pietroforte, 2002: 85-87).

Dessa forma, a partir de poucos dados, verifica-se que o sentido das palavras depende das relações entre o significante fonológico e o significado semântico, mas depende, ainda, das relações entre uma palavra e as demais palavras da mesma língua; dito de outro modo, a significação depende antes do valor linguístico, isto é, da sistematização das palavras por meio de categorias semânticas específicas em determinada língua, do que das relações entre palavras e coisas.

Conhecedor em profundidade de numerosas línguas e de suas transformações históricas, Ferdinand de Saussure percebeu essa propriedade da significação linguística, determinada tanto pela relação entre significantes e significados na formação de signos específicos, quanto pela relação entre tais signos e os demais signos do mesmo sistema deles (Saussure, 2012: 158-170). Para o autor, reiterando, a língua é um sistema de signos verbais, que, por sua vez, compartilha a existência social com sistemas de signos de outras ordens – ou seja, sistemas formados por signos não-verbais –; consequentemente, concebe-se a ciência geral dos signos, a semiologia, cujo ramo responsável pela análise dos signos verbais seria a linguística (Saussure, 2012: 47-49).

A semiologia

Em sua vida, Ferdinand de Saussure não desenvolveu a semiologia; quem a levou a cabo foi principalmente Roland Barthes (1915-1980), cujo livro Elementos de semiologia (Barthes, 1992) se mostra, praticamente, a primeira sistematização dos procedimentos analíticos da nova ciência. Em linhas gerais, trata-se da aplicação das dicotomias de Saussure, deduzidas a partir da linguística, aos demais sistemas de signos, tornando-se necessário conhecê-las para compreender minimamente os princípios da semiologia.

A época de Ferdinand de Saussure coincide com a consolidação dos estados nacionais europeus; se os poetas e romancistas românticos tematizavam o nacionalismo e o nascimento dos próprios países, os linguistas, imersos na mesma época, estudavam os troncos linguísticos, buscando pelas origens das línguas, das culturas e das sociedades modernas.

Dessa maneira, quando há ênfase dos estudos nas transformações dos sistemas linguísticos, define-se, segundo Saussure, a linguística diacrônica, quer dizer, a análise das línguas ao longo dos tempos; contrariamente, quando o estudo se concentra nas relações internas de determinado sistema de signos, isoladamente do tempo, define-se a linguística sincrônica. Essa primeira dicotomia, diacronia vs. sincronia, remete à próxima dicotomia língua vs. fala.

Todo ouvinte atento percebe o quanto as falas das pessoas diferem umas das outras, pois cada um possui seu timbre de voz, os sotaques próprios dos lugares em que vive, o vocabulário da terra natal, da classe social, da profissão; além das características individuais, cujas motivações parecem, majoritariamente, psicológicas, cada falante herda as variantes de região, estrato social, faixa etária e situação discursiva do idioma, sociolinguisticamente determinadas.

Apesar das diferenças dos falares, no entanto, todos os falantes do mesmo idioma se entendem, justamente, porque a língua se concebe enquanto forma abstrata e geral, da qual emanam todas as falas concretas e específicas. Consequentemente, o estudo de qualquer língua, sejam mudanças e variações seja a estrutura, começa por se concentrar nessa forma geral e abstrata, a partir da qual se sistematizam variações, estimam-se mudanças e descreve-se a estrutura.

Uma vez proposta, a dicotomia língua vs. fala encaminha a dicotomia significante vs. significado, utilizada na definição de signo e essencial na definição de língua. Para Saussure, vale lembrar, a língua é um sistema de signos, formados pela relação entre imagens acústicas, isto é, formas fonológicas, e conceitos, formas semânticas, respectivamente significantes e o significados, cujos sentidos se fazem mediante relações entre os signos do mesmo sistema verbal, conforme se expõe anteriormente.

Por fim, a dicotomia paradigma vs. sintagma. Se as línguas se descrevem mediante sistemas de signos, necessita-se determinar as regras regentes desses sistemas; para tanto, Ferdinand de Saussure propõe as relações associativas, aquelas estabelecidas entre todo signo e os demais signos na formação do sistema, e regras de combinação entre tais elementos na realização da língua. As primeiras constituem as relações paradigmáticas, nas quais um signo se define em relação aos demais por meio do significante, do significado ou de ambos.

No Curso de linguística geral, Ferdinand de Saussure utiliza a palavra “ensinamento” para exemplificar a proposta: (i) por meio do significado, esse signo se relaciona com “aprendizagem” ou “educação” e, inclusive, com os termos contrários “ignorância” ou “embrutecimento”; (ii) por meio do significante, com “lento” ou “elemento”; (iii) por meio do signo morfológico do radical, com “ensinar” ou “ensinemos”; (iv) por meio do signo morfológico do sufixo, com “desfiguramento” ou “armamento” (Saussure, 2012: 174-175).

Figuras de linguagem tais quais rimas, aliterações e assonâncias se estabelecem nas relações paradigmáticas entre significantes, enquanto metáforas e metonímias, por meio do significado.

Quanto às regras de combinação entre os elementos linguísticos, Saussure as denomina regras sintagmáticas. Em linhas gerais, se os signos são morfológicos, há regras lexicais para os combinar na formação de palavras; se os signos são lexicais, há regras sintáticas para combinar as palavras na formação das frases. Em português, segundo Mattoso Câmara (1904-1970) (Câmara, 1986: 65-71), os verbos se alinham no sintagma (radical) + (vogal temática) + (modo e tempo) + (número e pessoa), por exemplo (am)+(á)+(va)+(mos), (am)+(á)+(sse)+(mos) ou (am)+(a)+(rá)+(s); ainda em português, as palavras se alinham no sintagma frasal (sujeito) + (verbo) + (complementos verbais).

Pois bem, se tais dicotomias permitem descrever os sistemas verbais, uma ciência geral do signo, construída nos mesmos princípios, partiria não apenas da aplicação da dicotomia significante vs. significado nas demais linguagens, mas também da aplicação das outras três dicotomias na descrição dos sistemas. Basicamente, essa é a metodologia de análise da semiologia; em Elementos de semiologia (Barthes, 1992), Roland Barthes desenvolve exatamente tal proposta, com os capítulos do livro fundamentados nas dicotomias de Ferdinand de Saussure.

Para exemplificar brevemente a análise semiológica, recorre-se, semelhantemente a Roland Barthes, à culinária e à semiologia da alimentação. Atualmente, tanto a feijoada quanto o sarapatel, podendo-se dizer o mesmo da cozinha à base de cogumelos, pertencem à alta culinária; os primeiros se tornaram, inclusive, pratos típicos e celebrados da cozinha brasileira.

Todos, porém, por se constituírem das sobras preteridas em meio a partes macias e saborosas dos animais de corte ou da natureza dos fungos e vegetais, foram considerados, no passado, alimentação de menor qualidade, permitindo-se traçar valorizações sincrônicas e diacrônicas.

Quanto à dicotomia língua vs. fala, própria para analisar as relações entre as abstrações do sistema e as ocorrências concretas, uma vez estendida a quaisquer abstrações, possibilita-se descrever variações, por exemplo, da culinária dos sanduíches; afinal, tanto o cachorro-quente estadunidense, feito com salsicha, mostarda e pão, e o brasileiro, feito com os mesmos ingredientes anteriores acrescidos de ketchup, maionese, batata-palha, purê de batata e molho vinagrete, tornam-se variações da mesma forma geral e abstrata.

No domínio do signo, nenhuma comida significa apenas alimento; sobre todas elas se projetam conotações culturais: (a) as menções à feijoada ilustram isso, porquanto a análise diacrônica coincide com a análise das valorizações culturais mediante a significação; (b) embora considerada comida vulgar, há, atualmente, chefes especializados em sanduíches artesanais; (c) os animais de corte se analisam, na linguagem dos açougueiros, em função das qualidades culinárias da carne, correlacionadas a pratos específicos, aos quais correspondem consumidores separados em classes sociais, isto é, carne de pescoço para o proletariado e filé mignon para a pequena burguesia.

Por fim, qualquer cardápio apresenta a sequência sintagmática ritualizada das práticas alimentares, melhor dizendo, a ordem na qual os alimentos se consumem, e as possibilidades de escolha, quando elas existem, em cada etapa. No ocidente, o sintagma dos restaurantes costuma se realizar em entrada, prato frio, prato quente, sobremesa e café, e o paradigma, formado pelos pratos disponíveis em cada fase, dependendo das especialidades da casa; assim, se for cantina, os pratos quentes são massas, se for churrascaria, são carnes.

Além da semiologia, desenvolvida diretamente a partir das ideias de Saussure, há outras teorias da significação inspiradas nelas, destacando-se entre tantas, devido ao escopo analítico, a semiótica narrativa e discursiva proposta por Algirdas Julien Greimas (1917-1992) e levada adiante por colaboradores, tais quais Jean-Marie Floch (1947-2001), Dennis Bertrand (1949) e José Luiz Fiorin (1942).

A semiótica de Algirdas Julien Greimas

Para compreender as concepções da semiótica proposta por Greimas sem se perder em pormenorizações, sem dúvida pertinentes, vale a pena escolher um texto para, valendo-se dele, descrever o processo de significação chamado percurso gerativo do sentido. Para tanto, eis o poema A montanha pulverizada, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987):

Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.

Era coisa dos índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é sua vista e contemplá-la.

De longe nos revela o perfil grave.
A cada volta de caminho aponta
uma forma de ser, em ferro, eterna,
e sopra eternidade na fluência.

Esta manhã acordo e
não a encontro.

Britada em bilhões de lascas
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões
no trem-monstro de 5 locomotivas
– o trem maior do mundo, tomem nota –
foge minha serra, vai
deixando no meu corpo e na paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa.

Segundo a teoria do signo de Saussure, a compreensão do poema se daria porque o falante da língua portuguesa conhece o sistema de signos em que ela se define; se isso procede, o poema se forma por signos do vocabulário e da gramática do português, cujo domínio permite a leitura do texto. Dessa maneira, o leitor, por meio dos significantes expressos prosódica e fonologicamente, reconhece os significados, dando conta da dimensão sistemática da língua; entretanto, deve-se considerar, no processo de significação, a dimensão discursiva, responsável pela colocação daqueles signos em narrativas e discursos específicos, no caso, a narrativa e o discurso realizados pelo poeta ao enunciar o poema A montanha pulverizada.

Desse ponto de vista, sob os signos, há processos semióticos, devidamente descritos no modelo do percurso gerativo do sentido, encaminhado pela semiótica de Greimas. De acordo com o modelo, a cena enunciada por meio dos signos possui por base percursos figurativos, isto é, no poema de Drummond, a cena na qual o poeta abre a janela e reflete sobre a serra, sua história e destruição promovida pela locomotiva, metonímia da exploração industrial da natureza; esse percurso figurativo, para fazer sentido, subordina-se a percursos temáticos, gerais e abstratos, no caso, os temas políticos da exploração imperialista dos recursos naturais brasileiros e da ocupação das terras indígenas durante a colonização.

Segundo a semiótica, as correlações entre temas e figuras formam à semântica do discurso, a qual se subordina às categorias, ainda mais gerais e abstratas, das colocações discursivas de pessoa, tempo e espaço, quer dizer, a sintaxe do discurso.

O nível discursivo, por sua vez, subordina-se à narratividade, a qual se descreve pelas relações entre sujeitos e objetos narrativos; no poema, trata-se das relações polêmicas entre o sujeito poeta e a personificação da locomotiva, mediadas pelas junções com o objeto serra, nas quais o primeiro aparece espoliado pela segunda. Por fim, tais relações narrativas se embasam por valores gerados na categoria semântica natureza vs. civilização, organizadora seja da narrativa seja da distribuição figurativa enunciada nos versos (Pietroforte, 2016: 15-24).

Esquematicamente, o modelo configura-se assim:

O plano de expressão e o semissimbolismo

No esquema anterior, percebe-se a ênfase da teoria no plano de conteúdo dos textos, fazendo, dos significados dos signos, a base conceitual para a formação dos percursos figurativos; assim procedendo, os teóricos do percurso gerativo do sentido, nos primeiros momentos da elaboração do modelo, isolam o plano de expressão, considerando o plano de conteúdo independentemente do sistema de signos em que ele se manifesta. Segundo Greimas, o homem é o significado de todas a linguagens (Greimas, 1981;116); dessa perspectiva, o percurso gerativo do sentido descreve, justamente, o processo de significação, propriamente humano, por meio do qual a humanidade se constrói semioticamente, quer dizer, por meio do qual a humanidade dá sentido a si mesma e ao mundo.

Nos discursos poéticos, entretanto, o plano de expressão, por participar ativamente da significação, a despeito de sua constituição semiótica, seja ela verbal, visual etc., inclui-se no percurso gerativo do sentido por meio da teoria do semissimbolismo, outra proposta inspirada nas ideias de Saussure. Para o linguista, no interior do signo linguístico, a relação entre significantes e significados é arbitrária, ou melhor, não há motivação entre o conceito e sua expressão fonológica; entretanto, quando o contrário acontece em determinados sistemas de significação, que dizer, quando há motivação entre o significado e o significante, por exemplo, se imagens de caveiras se associam à morte, ocorre um signo específico chamado símbolo (Saussure, 2012: 105-110).

Isso posto, considerando não mais relações entre significantes e significados no interior dos signos, mas o processo de significação dos signos em percursos semióticos narrativos, discursivos e textuais, admite-se traçar correlações entre categorias semânticas e categorias do plano de expressão; dessa maneira, não se encaminham signos arbitrários nem símbolos motivados, mas correlações entre os planos de conteúdo e expressão, chamadas semissimbólicas, as quais sugerem motivações entre os signos específicos do texto em questão.

No poema de Drummond, citado no item anterior, estabelecem-se correlações entre a categoria semântica natureza vs. civilização, por meio da qual se estruturam a narrativa, o discurso e os percursos figurativos, realizados no plano de conteúdo, e as formas prosódicas, manifestadas no plano de expressão verbal. Nas três primeiras estrofes, quando se efetua a natureza no plano de conteúdo, em termos prosódicos, no plano de expressão os versos são decassílabos; no poema, a seu modo, a estabilidade da natureza, cantada nas três primeiras estrofes, surge correlacionada à estabilidade prosódica.

Na quarta estrofe, diferentemente, quando se nega a natureza – no verso se diz “esta manhã acordo e / não a encontro” –, o verso decassílabo se decompõe em dois versos, o primeiro, de sete sílabas – “esta manhã acordo e” –, e o segundo, de três sílabas – “não a encontro” –; a quinta estrofe, por fim, forma-se por oito versos sem estabilidades prosódicas, configurando-se, assim, uma estrofe formada por versos livres, que termina correlacionada, no plano de conteúdo, às mudanças decorrentes da civilização, quando se descreve a locomotiva e a consequente destruição da natureza.

Esquematicamente, o semissimbolismo, com o qual se compõem o poema, representa-se desta maneira: (versos decassílabos / natureza) → (verso decassílabo desarticulado / negação da natureza) → (versos livres / civilização). Em termos semióticos, a expressão prosódica do poema se sistematiza na categoria de expressão verbal verso metrificado vs. verso livre, a qual se correlaciona à categoria semântica natureza vs. civilização, conforme o semissimbolismo (natureza / verso metrificado) vs. (civilização / verso livre), acarretando desdobramentos narrativos, discursivos e textuais característicos d’A montanha pulverizada (Pietroforte, 2016: 24-26).

A linguagem cotidiana, contrariamente, não se pauta por correlações semelhantes. Embora toda semiótica verbal se expresse por categorias fonológicas e prosódicas – ou seja, por vogais, consoantes, acentuação tônica e curvas entoativas –, na linguagem coloquial, os efeitos de sentido poético, tais quais, rimas, aliterações, assonâncias e pés de verso, encontram-se neutralizados, ocorrendo eventualmente; nos discursos sociais não poéticos, prioriza-se o conteúdo dos textos, evitando-se, dessa maneira, desvios para o plano de expressão.

O fenômeno do semissimbolismo, frequente nos discursos poéticos, não se restringe às semióticas verbais; nas semióticas plásticas, quer dizer, pintura, fotografia, escultura, arquitetura, história em quadrinhos etc., há semissimbolismos com categorias cromáticas, eidéticas e topológicas, relativas, respectivamente, às cores, formas e distribuição de cores e formas; nas semióticas musicais, há semissimbolismo com categorias de frequência, altura, intensidade, duração e timbre, distribuídas em categorias cronológicas.

Dessa maneira, independentemente do estatuto semiótico do plano de expressão, sempre é possível estabelecer correlações entre as categorias de sua forma e as categorias semânticas das formas de conteúdo; por consequência, as correlações semissimbólicas se encontram, potencialmente, em todos os sistemas semióticos.

O que é semiótica?

 Depois desta breve introdução ao tema, como responder à pergunta? Nos itens anteriores, discutem-se as etimologias e os campos semânticos das palavras signo e significação; conheceram-se, brevemente, algumas concepções religiosas e filosóficas sobre a matéria; estudou-se do logos à fenomenologia, da ideoscopia de Peirce à semiologia de Saussure e, inclusive, a semiótica de Greimas; por fim, sabe-se que, além delas, há outras propostas semióticas, algumas buscando conciliações, outras afirmando posturas contrárias e contraditórias. Nessas circunstâncias, a única resposta possível para a indagação inicial é a conscientização de que se trata, antes de tudo, de polêmicas formadas entre discursos afins.

Dessa perspectiva, declarar que os objetos de estudos da semiótica são o signo e a significação, a bem da verdade, diz pouquíssimo sobre o tema; para melhorar o esclarecimento, deve-se definir signo e significação, e tais definições, conforme se verifica, nem sempre coincidem, tendo em vista concepções distintas nas diferentes propostas.

Por fim, em vez de assumir posições exclusivas sobre o que seria ou não semiótica, a melhor resposta se mostra considerar os conceitos de signo, significação e o próprio conceito de semiótica sendo, justamente, tal polêmica de concepções diversas; semiótica coincide, desse ponto de vista, com o campo discursivo formado pelo conjunto de propostas do que seria signo, significação, semiótica.

*Seraphim Pietroforte é professor titular de semiótica na Universidade de São Paulo (USP). Autor, entre outros livros, de Semiótica visual: os percursos do olhar (Contexto). [https://amzn.to/4g05uWM]

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