Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Nenhum empreendedor estará propenso a adquirir capacidade produtiva nova a menos se isto lhe assegurar perspectivas de lucro
No fim da minha primeira aula na disciplina eletiva “Finanças comportamentais para planejamento da vida financeira”, oferecida na Unicamp, deixei a seguinte pergunta no ar. Pedi para os alunos da Economia a responderem, no início da aula seguinte, para uma nova colega, vinda da arte cênica. Capacitação profissional gera emprego?
Eu tinha exposto: houve maior massificação do ensino superior, alcançando cerca de 8,7 milhões de estudantes em 2020, sendo 78% em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas pagas, ¾ em cursos noturnos. Eram 5,6 milhões de matriculados em cursos presenciais e 3,1 milhões à distância (36% do total). Em torno de 2 milhões alunos estavam matriculados em Universidades públicas, sendo quase 2/3 em Federais.
De acordo com o Censo de 2010, 9.501.162 pessoas tinham o diploma universitário, sendo 8.979.706 graduados, 451.209 com mestrado e 70.247 com doutorado. Entre 2011 e 2014, a cada ano os concluintes eram em torno de um milhão; entre 2015 e 2020, passaram à média de 1,2 milhão por ano.
No entanto, em dez anos de acompanhamento, somente 40% dos ingressantes em 2011 concluíram seu curso de ingresso, 59% desistiram e 1% nele permaneceram. Cerca de 37% dos ingressantes desistiram de seu curso de entrada até o fim do 3º ano.
A Education at a Glance 2021 compara as participações das pessoas na faixa de idade 25-34 anos com Ensino Superior na PIA (População em idade ativa) de cada país do G20. O Brasil com 24% só supera a África do Sul com 15%. Está abaixo do México (25%), Colômbia (30%), Argentina (40%). Esta tem a mesma proporção média do G20, abaixo dos 45% da União Europeia. Os Estados Unidos têm 52%, Rússia 62%, Canadá 64% e Coreia 70%. É uma razão do nosso atraso em desenvolvimento cultural-científico.
As 27,4 milhões de pessoas de todas as idades (e não apenas na faixa 25-34) com ensino superior completo no Brasil representavam 16% da PIA em 2021. Somadas àquelas com ensino médio completo ou superior incompleto, representavam 52% dela, ou seja, pouco mais da metade frente às pessoas de baixa escolaridade.
No início de sua série temporal, em 2012, a PNADC anunciou 15,659 milhões pessoas com ensino superior completo. Na força de trabalho, eram 13,116 milhões e 12,643 estavam ocupadas, sendo 10,374 milhões em trabalhos formais.
Apenas 473 mil estavam desocupados, por isso, a taxa de desocupação com essa escolaridade superior era apenas 3,6%. No ano seguinte, caiu para 3,2% e em 2014 se elevou para 3,7%. No entanto, aumentou pelas depressões (2015, 2016 e 2020) e recessões. Em 2021, quase dobrou o percentual (7,1%) dos graduados desocupados.
Daí se justifica aquela questão: capacitação profissional gera emprego? Houve aumento da oferta de graduados em ensino superior, mas não aumentou a demanda por empregá-los. Qual é (são) a(s) causa(s) do aumento da oferta de empregos?
A “pegadinha” da pergunta está no impulso de um leigo em economia ou um ortodoxo responderem de acordo com “mundinho girando em torno do próprio umbigo”: – “Sim, quanto mais eu estudar, mais chances terei de me empregar”. É ½ verdade! Ou ½ mentira?
Iniciarei a aula seguinte com análise das respostas dos alunos. Aí as compararei com a do Chat GPT. A resposta da IA (Inteligência Artificial) foi: “A capacitação profissional pode ajudar a gerar emprego de várias maneiras. Aqui estão algumas delas:
Aumento das habilidades e conhecimentos: a capacitação profissional aprimora os indivíduos, tornando-os mais qualificados e competitivos no mercado de trabalho. Isso pode levar a melhores oportunidades de emprego e a um salário mais elevado.
Adaptação às mudanças no mercado: também pode ajudar os trabalhadores a se adaptarem à introdução de novas tecnologias ou mudanças nas demandas dos empregadores. Isso pode torná-los mais atraentes para os empregadores e ajudá-los a manter seu emprego atual ou encontrar um novo emprego.
Empreendedorismo: a capacitação profissional também pode ajudar a desenvolver habilidades empreendedoras e levar (i) à criação de novos negócios e (ii) à geração de empregos para outras pessoas.
No entanto, é importante lembrar: a capacitação profissional por si só não é garantia de emprego. É necessário haver demanda por trabalhadores qualificados no mercado de trabalho e oportunidades de emprego disponíveis para a capacitação levar à geração de empregos.
Além disso, fatores como o contexto global da economia e a política de emprego do governo também desempenham um papel importante na geração de empregos.”
Aprovado! Nota 10? De fato, o Chat GPT foge bem da armadilha mental de pensar o mundo a partir de si, ou seja, da experiência individual vivenciada. Mas só no fim da resposta ele alerta para o contexto macroeconômico e a política pública de empregos.
Esta foi a grande revolução na história do pensamento econômico, realizada por John Maynard Keynes, ao repensar a teoria do desemprego herdada dos economistas (neo)clássicos. o desemprego não era causado pelo fato de os salários serem fixados em níveis altos demais como eles (e os capitalistas) pensavam. Diziam: “se os trabalhadores aceitassem salários inferiores, tornar-se-ia lucrativo oferecer mais emprego”.
Infelizmente, a determinação do nível de emprego não depende de decisões dos trabalhadores. Pior, a casta dos mercadores não consegue empregar, continuamente, todos aqueles trabalhadores e párias com desejo de trabalhar. O modo de produção capitalista não oferece um contrato social capaz de atender a todos em busca de renda.
Em uma economia de iniciativas privadas, são decisões empresariais as determinantes da quantidade de empregos a ser oferecida à classe trabalhadora. Porém, os empreendedores estão sujeitos a expectativas diversas.
Decidem com base em um ou outro cenário futuro, de acordo com cada interesse (e grau de alavancagem financeira ou endividamento) particular, em um ambiente econômico em mutação. As decisões de cada um influenciam as decisões dos demais ao resultarem em contextos dinâmicos.
Não existe planejamento de ação nem controle central. Qualquer resultante macroeconômica é consequência de inúmeras ações individuais descentralizadas, mas interdependentes em termos de estratégias econômicas. Não surpreende a interação de decisões livres dos indivíduos resultar com frequência em consequências irracionais.
A produção de bens e serviços depende de lucro, logo, o emprego só será oferecido se os produtos puderem ser vendidos de maneira lucrativa: isto não depende só dos custos do trabalho? Não, a produção de bens e serviços dependerá, fundamentalmente, da respectiva demanda. Esta implica em gastos monetários – e não necessidade ou desejo.
A necessidade não constitui demanda efetiva exceto caso seja acompanhada de dispêndio. A produção fica aquém do seu potencial – dado pela utilização de toda a capacidade produtiva em termos de mão de obra, máquinas e equipamentos, insumos etc. –, quando a demanda agregada é deficiente. Isto mesmo se a população tiver imensa necessidade dos bens possíveis de serem produzidos.
A demanda de bens e serviços depende do estoque líquido de riqueza próprio de cada agente econômico e do crédito porventura obtido. O fluxo de renda recebido se transforma, imediatamente, em estoque, seja com gastos, seja em aplicações de portfólio – saldos de ativos diversos, inclusive monetários.
Quanto mais sólido for o cadastro patrimonial, maior a facilidade de obtenção de empréstimos. A fonte de gastos é constituída de recursos próprios (inclusive capitalizados) e recursos de terceiros, não somente da renda recebida.
A renda agregada é resultado dos gastos em consumo e investimento. Cada agente consegue sua renda ao atender à procura dos demais. O gasto de um é a renda de outro, isto é, a renda de cada um depende de gastos de outros.
Nem toda a renda recebida é utilizada para gastos. De acordo com as expectativas de um agente econômico (família ou firma), ele poderá querer aplicar parte de seu fluxo de renda recebido para acumular riqueza. Pode ser motivado por precaução, por especulação ou para receber mais renda, por exemplo, via juros ou aluguel.
Dessa forma, ele gasta menos do permitido por seu patrimônio líquido. Isto não geraria problema nenhum se a decisão de acumular capital líquido tomada por uns propiciasse recursos para outros, decididos a imobilizar capital novo, ou seja, a expandir sua capacidade de contratar força de trabalho e produzir mais. O desejo de reter “riqueza não produtiva e não produtível” não seria, então, causa de desemprego.
No entanto, nenhum empreendedor estará propenso a adquirir capacidade produtiva nova a menos se isto lhe assegurar perspectivas de lucro. Se generaliza o desejo individual de uso da renda para aumentar a riqueza particular não representada por produtos novos, isso nada contribui para encorajar os empreendedores a esperar maiores lucros sobre o capital investido na produção, capaz de gerar mais emprego.
Então, as causas do desemprego são várias (e até o Chat GPT pode responder): desaceleração econômica, mudanças tecnológicas, globalização, falta de habilidades e qualificações, demografia, política econômica recessiva etc. Mas ele não soube responder de maneira sintética: o desemprego é simplesmente devido ao fato de a oferta de emprego e a demanda por emprego serem independentes. Muitas vezes, a primeira não responde à segunda…
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Rede de apoio e enriquecimento.
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