César Vallejo

Liubov Popova, Amostra de Tecido Impresso
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por DANIEL BRAZIL*

Comentário sobre as novas edições brasileiras da obra do poeta peruano

Poucos nomes da literatura latino-americana são tão reconhecidos mundialmente e tão pouco divulgados no Brasil quanto o de César Vallejo (1892-1938). Alçado ao nível de poetas como Neruda, Girondo e Huidobro, o peruano semeou a sua vida atribulada com poesia, prosa, teatro e artigos militantes.

A primeira edição completa de seus poemas no Brasil teve a tradução de Thiago de Melo, publicada em 1984. Pelo caráter vanguardista de sua poesia, com elementos formais inovadores, já havia chamado a atenção dos concretistas brasileiros. Uma nova tradução foi lançada este ano, pelas mãos de Fabricio Corsaletti e Gustavo Pacheco (Editora 34). Em 2021 a editora Iluminuras lançou o romance Tungstênio, que aborda a exploração das minas peruanas e a miséria dos trabalhadores indígenas.

A prosa de César Vallejo acaba de ganhar uma edição preciosa da editora Bandeirola. O volume reúne Escalas Melografiadas, narrativas breves escritas na prisão, e Fábula Selvagem, publicadas em 1923. Nesse mesmo ano o autor deixou o Peru e partiu para a Europa. Primeiramente para a França, de onde foi expulso, e depois a Espanha, onde conheceu Garcia Lorca e Rafael Alberti, e se juntou ao movimento antifascista.

Nos 112 dias em que ficou preso em Trujillo, no Peru, acusado de “instigação intelectual”, Vallejo produziu as fantásticas narrativas curtas das Escalas, que levam os sugestivos nomes de Muro Noroeste, Muro Antártico, Muro Este, Muro Duplo e Muro Ocidental, que é composto por apenas uma frase misteriosa. A exceção é o pungente Parapeito, onde um episódio de infância é rememorado de forma… digamos, vallejiana.

Na segunda parte, Coro de Ventos, estão alguns dos mais célebres contos do peruano, onde a loucura parece rondar vários personagens. Mirtha, a bela jovem do conto homônimo, pode muito bem ter inspirado a última obra de Buñuel, Este obscuro objeto de desejo, onde um homem se envolve com uma mulher, que é interpretada por duas atrizes. No conto, todos os amigos do protagonista veem duas mulheres, menos ele, apaixonado. Embora os créditos do filme indiquem que foi inspirado num romance do francês Pierre Louÿs (La femme et le pantin), as ligações poéticas e afetivas do universo buñuelesco com a literatura de César Vallejo não parecem ser apenas coincidência.

Surrealismo? Não no sentido estrito. A literatura do mestiço andino antes mergulha nos mistérios da realidade, no espelho estilhaçado da vida, em que as imagens não formam um todo cartesiano e coerente. Como apontou Mariátegui, “em sua literatura, Vallejo é sempre uma alma ávida de infinito, sedenta de verdade. A criação é nele, simultaneamente, inefavelmente dolorosa e exultante”.

A narrativa Fábula Selvagem, publicada no mesmo ano de Escalas Melografiadas, trabalha justamente com o simbolismo do espelho, que ao se partir começa a transforma a vida do camponês Balta. Ele passa a se sentir perseguido por um estranho visto de relance nos cacos, que pode ou não ser real. Projeção inconsciente, sombra ancestral de um rival que perturbará seu feliz casamento com a chola Adelaida. Descrevendo com detalhes o ambiente rural andino, é a última obra publicada pelo autor em sua pátria. Parte para o exílio no mesmo ano, unindo militância política e poesia numa vida sofrida e miserável, e sempre inconformista.

A escrita de César Vallejo ora remete a Franz Kafka, ora lembra Edgar Alan Poe, e em muitos momentos antecipa o realismo fantástico que se tornaria um estilo da literatura latino-americana. Sua marca mais original é a presença ostensiva da poesia, seja através de imagens, de construções inusitadas ou de adjetivações metafóricas. Cintilam em cada página achados poéticos de alto calibre. Um pastor açoita “as costelas do vento”, o apaixonado abriga-se “sob a unha anil do firmamento”, o chinês aposta tudo nos “belos cubos divinos”, sentimos a “cor das colheitas da tarde limão”. Vallejo se revela um autor profundamente original e surpreendente, nestes tempos tão desprovidos de beleza.

A edição especial do espanhol Antonio Merino para Escalas Melografiadas e Fábula Selvagem serviu de base para a edição da editora Bandeirola. A tradução é de Ellen Maria Vasconcellos, e contou com um iluminador prefácio de João Mostazo (“A Literatura em que o ético, o poético e o político se complementam”), que situa com precisão César Vallejo na história e no panorama literário mundial.

*Daniel Brazil é escritor, autor do romance Terno de Reis (Penalux), roteirista e diretor de TV, crítico musical e literário.

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Luiz Roberto Alves Daniel Brazil Celso Frederico Michael Löwy Marcelo Guimarães Lima Lincoln Secco Eleonora Albano Paulo Fernandes Silveira Ari Marcelo Solon Airton Paschoa Tadeu Valadares Juarez Guimarães Alexandre de Lima Castro Tranjan Dennis Oliveira Gilberto Lopes Luiz Marques Bento Prado Jr. Yuri Martins-Fontes Leonardo Boff Rodrigo de Faria Gilberto Maringoni Luis Felipe Miguel Rubens Pinto Lyra Leda Maria Paulani Leonardo Sacramento Elias Jabbour Valerio Arcary Samuel Kilsztajn Francisco Pereira de Farias Paulo Capel Narvai João Feres Júnior Thomas Piketty Vladimir Safatle Eugênio Trivinho Bruno Fabricio Alcebino da Silva Remy José Fontana Alexandre de Freitas Barbosa Luiz Bernardo Pericás André Singer Gabriel Cohn Jean Pierre Chauvin Ricardo Fabbrini Priscila Figueiredo Daniel Afonso da Silva João Adolfo Hansen Marilena Chauí André Márcio Neves Soares Milton Pinheiro Eleutério F. S. Prado Ronald León Núñez Henry Burnett Paulo Sérgio Pinheiro Michael Roberts Bernardo Ricupero Everaldo de Oliveira Andrade José Micaelson Lacerda Morais Paulo Nogueira Batista Jr Afrânio Catani Gerson Almeida João Lanari Bo Jean Marc Von Der Weid Ricardo Abramovay Vinício Carrilho Martinez José Geraldo Couto João Paulo Ayub Fonseca Osvaldo Coggiola José Machado Moita Neto Marcos Silva Francisco de Oliveira Barros Júnior Alexandre Aragão de Albuquerque Plínio de Arruda Sampaio Jr. Igor Felippe Santos Lucas Fiaschetti Estevez Heraldo Campos Ronald Rocha Salem Nasser Kátia Gerab Baggio Bruno Machado João Carlos Loebens Rafael R. Ioris Henri Acselrad Fernão Pessoa Ramos Fernando Nogueira da Costa Berenice Bento Manuel Domingos Neto Slavoj Žižek Matheus Silveira de Souza Luiz Eduardo Soares Sandra Bitencourt João Sette Whitaker Ferreira Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Ladislau Dowbor Tarso Genro Denilson Cordeiro Caio Bugiato Celso Favaretto Luiz Renato Martins Benicio Viero Schmidt Eduardo Borges Lorenzo Vitral Carla Teixeira José Dirceu Marilia Pacheco Fiorillo Otaviano Helene Antônio Sales Rios Neto José Luís Fiori Paulo Martins Annateresa Fabris Marcus Ianoni Jorge Branco Daniel Costa Marcelo Módolo Boaventura de Sousa Santos Marjorie C. Marona Luciano Nascimento Ricardo Antunes Francisco Fernandes Ladeira José Raimundo Trindade Luiz Werneck Vianna Flávio R. Kothe Liszt Vieira José Costa Júnior João Carlos Salles Mário Maestri Atilio A. Boron Eliziário Andrade Ricardo Musse Manchetômetro Ronaldo Tadeu de Souza Eugênio Bucci Luís Fernando Vitagliano Flávio Aguiar Carlos Tautz Walnice Nogueira Galvão Maria Rita Kehl Érico Andrade Vanderlei Tenório Julian Rodrigues Chico Whitaker Anselm Jappe Claudio Katz Antonio Martins Tales Ab'Sáber Valerio Arcary Antonino Infranca Leonardo Avritzer Dênis de Moraes Alysson Leandro Mascaro Andrés del Río Mariarosaria Fabris Fábio Konder Comparato Sergio Amadeu da Silveira Marcos Aurélio da Silva Luiz Carlos Bresser-Pereira Andrew Korybko Chico Alencar Michel Goulart da Silva Armando Boito Renato Dagnino Jorge Luiz Souto Maior

NOVAS PUBLICAÇÕES