Contra o terrorismo policial

Imagem: Joel Santos
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Por KARL LIEBKNECHT*

Discurso no parlamento alemão denunciando a repressão policial a uma manifestação de trabalhadores social-democratas em 1910

1.

Meus senhores, é a social-democracia, a classe trabalhadora organizada em 13 de fevereiro deste ano na forma de manifestações de rua, na forma de reuniões em salas fechadas e sob céu aberto, que expressou sua intenção e seu desejo de uma maneira tão poderosa, que coisa semelhante nunca antes foi registrada na história alemã (risos à direita). Senhores, vocês podem rir e podem zombar disso, e ninguém vai acreditar que esses risos e essa zombaria sejam a sério.

Senhores, somente quem participou dessas manifestações pode julgá-las inteiramente, como foram carregadas por uma atmosfera de entusiasmo (risos), por uma atmosfera de idealismo, por uma atmosfera de altruísmo (risos), que deve ter enchido cada pessoa que participou delas de convicção: essa massa de pessoas está pronta para tomar o governo nas suas próprias mãos (risos à direita), essa massa de pessoas não está mais disposta a ser dominada por um pequeno grupo de exploradores e opressores no longo prazo (tumulto. Sino do presidente).

Vice-presidente Dr. Porsch (interrompendo o discursante): Senhor parlamentar, eu devo pedir ao senhor que não use tais expressões.

Eles disseram que sim, senhores (gritos à direita)… Vocês, naturalmente, não são exploradores; eu sempre me refiro apenas àqueles senhores que estão fora da casa.

Essas manifestações de rua ocorreram de maneira esplêndida, não só por causa do tremendo entusiasmo que as conduziu, não apenas no sentido de o governo prussiano ter presenciado nesta ocasião qual é o verdadeiro desejo das massas, conta cuja vontade não se poderia governar no longo prazo; mas também as manifestações de rua eram brilhantes no sentido de que os trabalhadores demonstraram tamanha prudência e autodisciplina que mostram claramente sua maturidade política, mesmo aos olhos de um ministro da polícia prussiano.

Senhores, é sabido que houve tumultos em alguns lugares: em Halle, em Frankfurt, em Königsberg e especialmente em Neumünster, sangue foi derramado. Senhores, sangue se derramou, mas o sangue que ali correu não foi derramado por culpa dos trabalhadores que se manifestavam (gritos à direita), este sangue correu unicamente por culpa das tacanhas forças policiais prussianas (gritos estrondosos à direita). São culpa sua, senhores, esses sacrifícios de sangue; eles são vítimas da má administração da polícia prussiana, da reação prussiana, da reação junker prussiana (risos à direita).

Senhores, essa não é apenas a visão da social-democracia; neste caso, também posso citar novamente outros pareceres. Gostaria de salientar que o Frankfurter Zeitung (exclamação à direita)… Social-democrata, claro, senhores! Costumava ser um jornal de rua não faz muito tempo, então não se falava sobre ele assim. Portanto, o Frankfurter Zeitung tornou conhecida sua visão, muito claramente, da seguinte forma: “Felizmente, a natureza dos acontecimentos de ontem já é tão clara que não é possível frutificar o que aconteceu para fins reacionários, ao menos não em boa-fé”.

Vejam bem, senhores, o Frankfurter Zeitung, que não é um jornal social-democrata, diz que não é possível frutificar o que aconteceu para fins reacionários, ao menos não em boa-fé. Guardem estas palavras para o futuro no debate!

No que diz respeito aos próprios manifestantes de Frankfurt, a noite de ontem trouxe uma manifestação impressionante e digna em favor do sufrágio livre, uma manifestação cuja disciplina deve inspirar mais respeito do que o sentimento geral depois da brutal ação policial do domingo passado. No entanto, os participantes da assembleia não se permitiram ser enganados em cometer quaisquer excessos.

Vê-se também que, depois de a polícia ter sido culpada de causar tumultos dessa forma, ela provou – e isso se aplica à polícia prussiana e ao ministro da polícia prussiano – que não está à altura da difícil situação atual. Os únicos que não têm culpa nos incidentes de ontem são aqueles que manifestavam por direitos eleitorais.

Senhores, essas declarações das melhores fontes (risos à direita) e de uma fonte não social-democrata (risos e gritos à direita)… Deus, senhores, é do Frankfurter Zeitung o que li para vocês! (gritos e risos à direita). Senhores, não adianta discutir sobre isso. Vocês imaginam que de alguma forma me fizeram perder a cabeça porque não respondi ao seu discurso? Eu tenho coisas melhores para fazer. Eu também posso mostrar-lhes a Sra. Minna Cauer novamente (gritos à direita). É uma coincidência estranha: assim como ela ocasionalmente estava presente nas reuniões de Ferrer nos motins da polícia em Berlim, ela agora também esteve presente nas manifestações eleitorais em Frankfurt.[1]

Ela viu que as massas se moviam silenciosamente pelas ruas. Mas então os homens montados explodiram nas calçadas. Em seguida, os policiais espancaram os homens e mulheres para fora das casas para onde haviam fugido. Então ela ficou assistindo, enquanto os punhos do policial trabalhavam nas costas de uma criança de oito anos, até que pudesse ir à ajuda do menino (“ouça, ouça!” dos sociais-democratas).

Senhores, foram relatados outros casos de policiais agredindo mulheres da maneira mais cruel. Esta ação contra as mulheres, contra o sexo mais fraco, não é totalmente inédita? De fato, aqueles que levantaram as mãos contra essas mulheres merecem desprezo geral.

Também foi relatado um caso em que um segurança atacou um inválido chamado Köhler. A atenção do segurança foi atraída para o fato de que era um homem doente que não conseguia se mover. Ele deu a resposta: “Deficiente ou não – pra cima dele”. Vários policiais espancaram impiedosamente uma mulher que havia sido jogada no chão (risos tempestuosos à direita). Senhores, o fato de vocês estarem rindo só mostra quão baixa está a sua moral (mais risadas à direita). Qualquer um que não consiga manter a seriedade em tais casos (risadas à direita) mostra claramente que há muito perdeu o direito e a capacidade de, de alguma forma, tomar parte na administração de um Estado moderno.

É o bastante sobre Frankfurt.

2.

Sobre Neumünster eu gostaria também de salientar que, ao negociar sobre este assunto perante a Câmara Municipal de Neumünster, o vereador Nissen teve de admitir que observou o que se passava da varanda com os seus óculos de assistir ópera, sem fazer o mínimo esforço em intervir para prevenir essas lamentáveis ​​ocorrências. A polícia prendeu as massas e causou o derramamento de sangue; o Sr. Nissen descreveu como dever da polícia agir desta forma contra os manifestantes.

Senhores, o Vorwärts, como a social-democracia inteira, certamente não exagerou neste caso … É por isso que podemos justificadamente alegar que o sangue que correu está nas mãos da administração policial prussiana e que nenhuma chuva no céu ameno será o suficiente para lavar esse sangue, esse banho de sangue, da administração prussiana.

Vice-presidente Dr. Porsch (interrompendo o orador): Senhor Deputado, exorto-o à ordem e, ao mesmo tempo, chamo a sua atenção para as consequências de dois apelos à ordem, remetendo ao artigo 48º do Regimento.

A polícia se viu em certa dificuldade com relação a essas manifestações, porque sua versão foi refutada em muitos casos, assim que as manifestações foram objeto de um processo judicial e de forma imparcial. É por isso que a polícia prussiana recentemente fez avanços satisfatórios no campo em que costuma avançar quase sozinha, não no campo da proteção, mas da perseguição à população (gritos à direita).

Esses motins e ataques da polícia já foram discutidos em frente às faculdades municipais em Halle, Frankfurt, Neumünster e provavelmente também em Königsberg. Estes são – por mais que os lamentemos – certamente um dos melhores meios de agitação para a social-democracia e, acima de tudo, têm contribuído para aumentar o interesse pela luta eleitoral quase além da conta. Nesta luta, é claro, a social-democracia dispõe de outros meios mais severos, que não se esquiva de utilizar (“Ouça, ouça!”) assim que ela mesma os considerar adequado (“escute, escute!”).

Não estou falando sobre pistolas Browning, metralhadoras e sabres e toda essa violência brutal, mas sobre a nossa agitação que vai deixar a população em um estado de espírito – incluindo aqueles círculos sem os quais não se pode existir – que o governo não poderá mais manter sua posição antipopular em relação ao direito ao voto. Não há a menor dúvida de que, se a situação continuar a evoluir desta forma, se não se assegurar, no momento certo, de que algum bálsamo seja colocado nas feridas das pessoas, e que as necessidades das pessoas sejam satisfeitas de maneira total e suficiente, então os meios da greve em massa também serão usados (“ouça, ouça!”).

O remédio será usado… Senhores, o proletariado ainda está longe de ser enganado, mesmo que vocês e a polícia também usem sua ultima ratio, as armas, os militares, e se tais coisas continuarem, vocês não serão bem-sucedidos contra este ataque das grandes massas do povo, este que, no fundo do seu coração, vocês sabem que abalou consideravelmente sua confiança exteriormente exibida (risos). Sim, senhores, posso lhes dizer que a última tentativa de compromisso eleitoral que atualmente está sendo feita pelos partidos governantes provavelmente só aumentará ainda mais a indignação, e que não há nada mais adequado para jogar lenha na nossa fogueira do que tal atitude por parte da Comissão (sino do presidente).

Vice-presidente Dr. Porsch (interrompendo o orador): Senhor Deputado, foi expressamente decidido não se falar sobre a questão do direito eleitoral. Peço-lhe que cumpra esta decisão da Assembleia.

Senhores, nós, social-democratas, proletariado organizado, não vamos nos permitir ser derrotados, não vamos jogar a toalha. O ataque vai crescer e não retroceder; se tornará cada vez mais enérgico e perigoso para vocês e para todo o governo prussiano, quanto mais tentarem impedir as manifestações e a legítima afirmação do estado de espírito do povo (gritos à direita). Senhores, apelamos à burguesia para que fique ao lado dos social-democratas nestas lutas, nestas manifestações; acima de tudo, apelamos às camadas do proletariado que ainda correm atrás do carro dos partidos governantes (gritos à direita) continuamente a travar a luta lado a lado com o proletariado com consciência de classe, a social-democracia.

Posso também dizer que a grande maioria dos funcionários públicos e os outros funcionários do Estado atual estão cada vez mais reconhecendo que não estão interessados em manter a reação prussiana (exclamações à direita). Funcionários públicos e os outros funcionários do Estado vão se manifestar cada vez mais ao lado dos social-democratas (protestos à direita e ao centro). Senhores, no final das contas, suas últimas armas contra o proletariado – a polícia e os militares – também falharão! (“Bravo!” dos social-democratas).

*Karl Liebknecht (1871-1919) foi deputado na Alemanha e líder do movimento espartaquista.

Tradução: V. Souza, M. Nogueira & P. Mesquita.

Publicada originalmente em <transição.org>.

À medida que se aproxima o 15 de janeiro – dia em que, em 1919, foram assassinados Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht por policiais do governo social-democrata alemão –, publicamos textos que recuperam o legado desses importantes revolucionários.

Nota


[1] Na ocasião da execução do famoso político e educador Francisco Ferrer (1859-1909), protestos foram organizados na França, Alemanha, Itália e outros países. Ferrer, um homem conhecido por toda a Europa, foi acusado de participar do levante na Catalunha (a chamada semana sangrenta entre 26 e 31 de julho de 1909). Apesar de Ferrer não ter participado deste levante, ele foi sentenciado à morte e executado a tiros em 13 de outubro de 1909.


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