Cuba – ou a revolução avança ou é empurrada

Imagem: Dimitri Dim
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Por GILBERTO LOPES*

As urgências cubanas não se resolverão com o retorno do capitalismo

“Os Estados Unidos não vão levantar o embargo”. A menos “que Cuba ceda ou venha à mesa para negociar de boa fé”, disse Andy Gómez, diretor aposentado do Instituto de Estudos Cubanos e Cubano-americanos da Universidade de Miami, em entrevista à BBC Londres. “Não vi nenhum embargo econômico durante todos os meus anos de estudo que tenha derrubado um governo”, acrescentou ele. “Mas a pressão que continua sendo exercida sobre Cuba é o resultado que vimos no domingo”, 11 de julho.

O bloqueio

“Qualquer cubano dentro ou fora da ilha sabe que o bloqueio ou embargo comercial e financeiro estadunidense, como queiram chamar, é real e internacionalizou-se e intensificou-se nos últimos anos, e é também um fardo muito pesado para a economia cubana (como seria para qualquer outra economia)”, disse o escritor cubano Leonardo Padura, em artigo publicado em 16 de julho[i].

Uma medida que vem sendo condenada há 29 anos por quase todas as nações do mundo. Na votação mais unânime da história da ONU, foi condenada por 184 votos a dois (EUA e Israel), na última Assembleia Geral, mas à qual Washington não deu qualquer importância.

A destacada jornalista da Televisión Cubana Cristina Escobar falou sobre o bloqueio: “algumas pessoas dizem que o bloqueio é um transtorno, que as dificuldades são nossas, e nada mais. Mas não é retórica política. O bloqueio impede que este país atue no cenário internacional como um país normal, impede ou torna mais caro qualquer exercício de importação de bens básicos para a vida”. “Trump pôs em prática mais 243 medidas, que eliminaram outras fontes de renda, não só para o governo, mas também para o motorista que conduzia os passageiros de cruzeiros em Cienfuegos, ou para o restaurante privado, que viu desaparecer sua clientela”.

E o atual presidente, Joe Biden, deixou tudo isso intacto. Incluindo a proibição do envio de remessas por cubanos no estrangeiro para seus familiares em Cuba. Os Estados Unidos têm jogado como nunca antes em Cuba, disse o jornalista uruguaio Fernando Ravsberg, que é casado com uma cubana e vive no país há mais de 30 anos. Depois de longa experiência com meios de comunicação internacionais, e responsável pelo portal “Cartas desde Cuba”, onde era possível ler algo do melhor jornalismo publicado na ilha, ele teve finalmente suas credenciais suspensas pelas autoridades cubanas. Algum artigo incomodou-os. Mas deu entrevistas por estes dias. “Nunca antes o bloqueio econômico tinha sido aplicado com tanto rigor”, disse ele à estação de rádio uruguaia El Espectador 810.

Cuba perde o turismo com o bloqueio e a pandemia. Ao mesmo tempo, Trump proibiu as remessas familiares. Isto significa a perda de duas das principais fontes de renda em divisas do país, disse Ravsberg. Agora vem Biden e, dado que a outra fonte de renda de Cuba são as brigadas médicas, coloca Cuba numa lista de tráfico de pessoas e ameaça punir os países que contratarem esses serviços médicos, acusando-os de cumplicidade no tráfico de seres humanos. “O bloqueio”, acrescentou a jornalista Cristina Escobar, “não é a única causa dos problemas de Cuba, mas interfere em todas as possibilidades de desenvolvimento. E os seus efeitos não recaem sobre o governo; as consequências do bloqueio e suas privações recaem sobre todos nós”.

Guerra não convencional

“O que está acontecendo em Cuba é muito semelhante ao que os manuais de guerra não convencional descrevem. Têm por base problemas internos e utilizam-nos para executar agendas políticas pagas publicamente por um governo estrangeiro”, acrescentou Escobar.

Padura também falou sobre isto. “Parece muito possível que tudo o que aconteceu em Cuba a partir de domingo, 11 de julho, tenha sido encorajado por um maior ou menor número de pessoas que se opõem ao sistema, algumas delas inclusive foram pagas, com a intenção de desestabilizar o país e provocar uma situação de caos e insegurança”. Mas isso “não diminui nenhum pouco a razão do alarido que ouvimos”. “Um grito que é também o resultado do desespero de uma sociedade que atravessa não só uma longa crise econômica e uma crise sanitária pontual, mas também uma crise de confiança e uma perda de expectativas”.

Talvez nada seja tão importante para Padura quanto a “crise de confiança”. “As autoridades cubanas não deveriam responder a estes protestos com os slogans habituais”, diz ele. “O que é necessário são as soluções que muitos cidadãos esperam ou exigem, uns manifestando-se nas ruas, outros opinando nas redes sociais e expressando seu desencanto ou insatisfação, muitos contando os poucos e desvalorizados pesos que têm em seus bolsos empobrecidos e muitos, muitos mais, esperando em silêncio resignado em filas de várias horas sob o sol ou sob a chuva”.

Mercenários e anexionistas

Fernando Pérez, um destacado cineasta cubano, juntou-se às exigências que um grupo de artistas fez ao Ministério da Cultura no dia 27 de novembro. Reivindicava uma “nova linguagem”, que “exige liberdade de expressão, inclusão, direito ao dissenso e a participação ativa de uma sociedade civil plural e diversificada”. O tempo passou e as portas permaneceram fechadas”, diz ele. “Quando em 11 de julho muitos desses jovens artistas e cineastas (conheço-os, sei o que pensam e compartilho sua atitude rebelde) se colocaram pacificamente perante o ICRT [Instituto Cubano de Rádio e Televisão] para exigir, mais uma vez, seu direito a serem ouvidos, esse ato é para mim o símbolo da temperatura atual de muitos setores em Cuba: NÃO mais exclusão, NÃO mais imobilismo, NÃO mais repressão daqueles que pensam diferente”, acrescentou ele.

Pérez expressou sua opinião num artigo publicado no portal OnCuba[ii]. Katia del Llano, uma economista que trabalhou durante dez anos como assessora econômica do presidente da Assembleia Nacional, membro do Movimento 26 de Julho que ostenta a medalha de combatente clandestina, também escreveu aí. Militou no partido por mais de 50 anos, e afastou-se há dois anos, por decisão própria, informa o portal. “Há uma escassez de alimentos em Cuba, que se agravou nos últimos meses de 2019, e desde o início deste ano atingiu níveis insuspeitáveis”, disse ele. “O reordenamento monetário, necessário mas inoportuno, complicou ainda mais o panorama econômico, sem que se percebam os benefícios anunciados de tal medida. O aumento dos preços dos bens e serviços, por parte do Estado e do setor privado, ultrapassou em muito o dos salários e pensões. O desaparecimento quase total do turismo provocou uma queda na renda de milhares de pessoas que dependiam desta atividade, direta ou indiretamente”. E, claro, acrescentou, “o recrudescimento do bloqueio, que é a causa da maioria dos nossos males passados e presentes, mas que serviu também, em muitos casos, como justificação”. “A abertura das lojas em Moeda Livremente Convertível (MLC), anunciada inicialmente apenas para eletrodomésticos de alta qualidade”, estendeu mais tarde sua oferta “aos produtos de primeira necessidade, aumentando as diferenças entre os que podem comprar nessas lojas e aqueles que só podem comprar nas lojas ainda mais desabastecidas, que vendem em moeda nacional”. “As dificuldades enfrentadas pela maioria da população cubana não podem ser ignoradas”, disse del Llano. Embora muitas se devam ao bloqueio, muitas outras são “por causa das deficiências, decisões erradas e resistência a realizar transformações ousadas, mas necessárias, por parte dos que lideram, e acima de tudo da falta de esperança no futuro”.

Outra vez, a referência à “falta de esperança”. Como solução, del Llano propõe “analisar estes fatos de forma autocrítica, convencendo as pessoas de que são conhecidas suas dificuldades e adotando medidas para melhorar a situação, especialmente em relação à produção de alimentos, o que uma verdadeira transformação da produção agropecuária provocaria, e a abertura muitas vezes anunciada do trabalho por conta própria para incentivar a criatividade”.

Na sua opinião, “as recentes intervenções do presidente e de alguns ministros mostram uma falta de compreensão do significado das recentes manifestações”. Ravsberg referiu-se também à lentidão com que o governo cubano implementa certas inovações, aprovadas pelas próprias organizações partidárias ou estatais. “O governo cubano avança com uma lentidão terrível na aplicação das reformas que propôs”, disse ele. Demoram anos. “A unificação monetária levou dez anos. A abertura de pequenas e médias empresas foi aprovada há três anos e ninguém ainda pode abrir uma empresa. Isso agrava toda a situação, não liberta as forças produtivas para que as pessoas comecem a ganhar a própria vida”.

“Há quem queira refundar-nos como um país capitalista”, disse Cristina Escobar. “Eles pensam que assim a prosperidade estará pendurada nas árvores e nós seremos uma colônia com uma economia galopante”. Mas, na sua opinião, “o que precisa mudar em Cuba são as nossas urgências, que não se resolverão com o regresso do capitalismo”.

Mas se o que aconteceu em 11 de julho mostrou alguma coisa, é que ou a revolução avança ou é empurrada. É verdade que o cenário não deixa claro para onde. O desafio atual do partido é responder ao descontentamento, ou correr o risco de realizar os objetivos definidos pelo diretor aposentado do Instituto de Estudos Cubanos e Cubano-americanos da Universidade de Miami: o resultado da pressão que Washington continua exercendo sobre Cuba é o que vimos no domingo 11 de julho.

*Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor de Crisis política del mundo moderno (Uruk).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Notas


[i]  O artigo pode ser consultado aqui: https://jovencuba.com/alarido/amp/?fbclid=IwAR2ugJA-pHzTv7tOdix4neQfL7WvJ6ooyp1EJPMn4OMuGY8pJaz2FHUCWYg .

[ii]  O artigo pode ser consultado aqui: https://oncubanews.com/cuba/tres-intelectuales-opinan-sobre-cuba/?fbclid=IwAR35x2uwAv2wtwevFdrrkzXFnBJUli3sacG47LxJpJzfnQUiEXMyClMlYoA.

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