Ecossocialismo e decrescimento

Imagem: Leo P
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Por JOHN BELLAMY FOSTER*

O consenso científico atual afirma, com absoluta clareza, que a tecnologia, por si só, não haverá de nos salvar, e que precisamos desafiar a hegemonia econômico-política vigente em uma escala revolucionária

A questão do decrescimento

Embora o termo “decrescimento” tenha se popularizado apenas recentemente, a ideia não é nova. Desde pelo menos maio de 1974, começando por Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, a Monthly Review vem insistindo, de forma explícita, na existência concreta dos limites do crescimento; na necessidade de controlar a acumulação exponencial e estabelecer uma economia de estado estacionário a nível global (o que não exclui a necessidade de crescimento nas economias mais pobres).

Como Harry Magdoff e Paul M. Sweezy afirmaram naquela época, “ao invés de ser uma panaceia universal, verifica-se que o crescimento é, ele próprio, uma causa de doença”. Eles diziam que para “parar o crescimento” seria necessário “reestruturar a produção existente” por meio do “planejamento social”. Isto estava associado a uma crítica sistemática do desperdício ecológico e econômico sob o capitalismo monopolista, assim como do uso perdulário do excedente social.

A análise de Harry Magdoff e Paul M. Sweezy deu grande impulso à ecologia marxiana nos Estados Unidos, especialmente nas áreas da sociologia ambiental e da economia ecológica, por exemplo, com The Sociology of Survival: Social Problems of Growth (1976) [A Sociologia da Sobrevivência: Problemas Sociais do Crescimento], de Charles H. Anderson, e The Environment: From Surplus to Scarcity (1980) [O Meio Ambiente: do Excedente à Escassez], de Allan Schnaiberg. O “decrescimento”, nesse sentido, não é algo novo para nós, ele participa de uma longa tradição que atravessa mais de meio século. Nossa edição do “Decrescimento Planejado” apenas procurou avançar o desenvolvimento deste argumento sob as condições de aprofundamento das contradições de nosso tempo.

Contudo, embora a Monthly Review há muito insista na necessidade de que os países ricos migrem para uma economia de formação líquida de capital zero,[1] essa questão se tornou ainda mais urgente nos dias atuais. O termo “decrescimento” tem acordado as pessoas para aquilo que o marxismo ecológico vem dizendo há tempos. Tornou-se necessário, portanto, fornecer uma resposta mais exata sobre o que isso significa de fato.

E a única resposta possível é aquela que os editores da Monthly Review ofereceram há meio século atrás. De modo mais específico, existem dois lados nessa questão. Um deles é o lado negativo, que consiste em interromper o crescimento insustentável (medido em termos de PIB), e o outro é o lado mais positivo, que busca promover uma resposta social planejada ao regime de acumulação capitalista. Nossa edição do “Decrescimento Planejado” procura enfatizar essa resposta mais positiva, uma resposta que só o ecossocialismo pode oferecer.

Para o ecossocialismo, a noção de decrescimento, embora reconhecida como algo necessário nas economias mais desenvolvidas de nosso tempo, onde as pegadas ecológicas per capita são maiores do que aquelas que o planeta pode suportar enquanto espaço de habitação humana, sempre foi vista como parte de uma transição ecossocialista, e não como a essência dessa transição em si. Um caminho de decrescimento, na medida em que seja um caminho de desacumulação, opõe-se diretamente à lógica interna do capitalismo, ou seja, ao sistema de acumulação de capital.

Inclusive, escrevi um artigo chamado Capitalism and Degrowth: An Impossibility Theorem [Capitalismo e Decrescimento: Um Teorema da Impossibilidade], em janeiro de 2011. A natureza da luta exige confrontar a lógica da acumulação capitalista, mesmo enquanto existimos dentro dela. Esse é o caráter histórico da revolução, agora impulsionado por uma necessidade absoluta. A luta pela liberdade humana e a luta pela existência humana tornaram-se hoje uma só luta.

Uma formulação mais direta da relação entre decrescimento e ecossocialismo foi apresentada por Jason Hickel em um artigo intitulado The Double Objective of Democratic Ecosocialism [O Duplo Objetivo do Ecossocialismo Democrático], publicado na edição de setembro de 2023 da Monthly Review: “Decrescimento (…) é melhor compreendido como um elemento dentro de uma luta mais ampla pelo ecossocialismo e pelo anti-imperialismo.” É uma necessidade, dadas as condições atuais no rico e imperialista centro da economia capitalista. Contudo, ele não é uma panaceia, tampouco forma uma base que, por si só, seja suficiente para definir a mudança ecossocialista.

A Monthly Review de julho-agosto de 2023 foi sobre o decrescimento planejado, mas a ênfase da edição estava na aplicação do planejamento como uma forma de lidar com nossos problemas ecológicos de maneira mais abrangente. Assim, dentro do ecossocialismo, o decrescimento é apenas um reconhecimento realista dos imperativos contemporâneos, centrado nas economias ricas e em suas enormes pegadas ecológicas, com a devida ênfase no planejamento ecossocialista, e não na categoria do decrescimento em si.

Em parte, a popularidade do termo “decrescimento” deve-se ao fato de que ele oferece uma abordagem frontalmente anticapitalista e não pode ser cooptado pelo sistema, como acontece com muitos outros termos. Mas a abordagem geral do ecossocialismo não deve ser articulada apenas em termos negativos, como se fosse meramente uma simples inversão do crescimento capitalista. Em vez disso, ela deve ser vista em termos de transformação das relações sociais humanas e dos meios de produção pelos produtores associados.

Kohei Saito e o materialismo histórico

O primeiro livro de Kohei Saito, O ecossocialismo de Karl Marx, foi uma obra valiosa. Contudo, seu trabalho mais recente, que inclui Slow Down e O Capital no Antropoceno (2022), está errado a respeito das principais teses apresentadas sobre Marx – ainda que, observada em termos mais gerais, a ideia de comunismo de decrescimento seja uma ideia importante.

É verdade que Kohei Saito tem levantado algumas questões fundamentais. Ainda assim, há muito pouco de novo em seu argumento. A ecologia marxiana tem sublinhado a teoria da ruptura metabólica de Marx durante 25 anos. Que Marx tenha defendido o que se convencionou chamar de “desenvolvimento humano sustentável” é algo que tem sido exposto ao longo de todo esse tempo por Paul Burkett, por mim e muitos outros.

Além do mais, também há muito tempo vem sendo enfatizado que a base madura na obra de Marx a esse respeito pode ser encontrada em Crítica do Programa de Gotha e nas cartas (e rascunhos de cartas) a Vera Zasulich — precisamente as fontes em que Saito se baseia, quase que exclusivamente, para alegar que Marx abraçou o comunismo de decrescimento. Nesse sentido, até mesmo o foco da ecologia marxista nas contribuições de György Lukács e István Mészáros já tem pelo menos uma década.

O que pode ser considerado novidade no trabalho mais recente de Kohei Saito não é o conteúdo, mas a forma, assim como o caráter exagerado do argumento que ele defende agora, e que exige a rejeição de grande parte de sua própria análise anterior em O ecossocialismo de Karl Marx. Em seus novos trabalhos, Kohei Saito introduz a noção de que Marx abandonou por completo o produtivismo/prometeísmo que supostamente teria dominado seu pensamento, ao menos de forma latente, até 1867, com a publicação de O capital.

Kohei Saito caracteriza O capital de Marx como um trabalho de transição que incorpora uma crítica ecossocialista, embora ainda sem superar completamente o materialismo histórico, que o próprio Saito identifica com produtivismo, determinismo tecnológico e eurocentrismo. Somente em 1868, segundo nos é dito, Marx teria se envolvido em um ruptura epistemológica, rejeitando inteiramente a expansão das forças produtivas e o materialismo histórico, tornando-se assim um “comunista do decrescimento”.

Há dois problemas básicos nisso. Primeiro, Kohei Saito não é capaz de fornecer uma única evidência de que Marx, em seus anos finais, tenha se tornado um comunista do decrescimento, no sentido de rejeitar a expansão das forças produtivas. Saito também não é capaz de fornecer evidências de que Marx tenha sido prometeico e eurocêntrico em sua obra de maturidade na década de 1860 (ou mesmo antes disso), considerando que prometeísmo seja entendido enquanto produção como um fim em si mesma, e eurocentrismo como a noção de que a cultura europeia é a única universal. Não existe absolutamente nada que fundamente tais alegações.

O fato bem conhecido de que Marx enxergava possibilidades coletivistas/igualitárias na comuna camponesa russa (mir) é consistente com sua visão geral de desenvolvimento humano sustentável. Contudo, não há justificativa para interpretar que ele acreditasse que uma revolução na Rússia Czarista – um país ainda muito pobre, subdesenvolvido e predominantemente camponês – pudesse ocorrer sem a expansão das forças produtivas.

Segundo, retratar Marx como um comunista do decrescimento é um anacronismo histórico. Marx escreveu numa época em que o capitalismo industrial existia apenas em um pequeno canto do mundo, e, mesmo naquele tempo, o transporte em Londres, centro do sistema, ainda estava na fase dos cavalos e charretes (sem desconsiderar as primeiras ferrovias). Não havia como Marx prever a economia de mundo cheio atual,[2] nem o significado que o “decrescimento” assumiria no final do século XX e início do século XXI.

Assim, a análise de Kohei Saito em seus trabalhos mais recentes é útil basicamente pela controvérsia que gerou, e pelo renovado foco sobre essas questões que seu trabalho tem fornecido. Nesse processo, ele nos ajuda, indiretamente, a avançar. Ainda assim, é importante aplicar o método de Marx ao analisar as condições históricas alteradas do presente, e, nesse sentido, o fato de Saito descartar o materialismo histórico não ajuda.

“Decrescimento” e “desacumulação”

 “Decrescimento” é um termo evasivo, assim como o próprio “crescimento”. Este último reflete o modo (frequentemente irracional) como o PIB é calculado sob o capitalismo, expandindo a contabilidade capitalista tradicional, baseada em um sistema de exploração, para o nível nacional ou mesmo global. O problema real é a formação líquida de capital zero, ou seja, a instauração de um processo de desacumulação.

Isso já foi compreendido há muito tempo pelos economistas marxistas ecológicos, assim como por economistas ecológicos não marxistas, como o falecido Herman Daly.[3] O crescimento, como demonstrado pelos esquemas de reprodução de Marx, está baseado na formação líquida de capital. Reconhecer isso é sublinhar que o problema está no sistema de acumulação de capital.

O decrescimento, e o desenvolvimento humano sustentável de um modo mais geral, não podem ocorrer sem planejamento, o que permite que nos concentremos nas necessidades genuinamente humanas e nos abre todo tipo de novas possibilidades, antes bloqueadas pelo sistema capitalista. O capitalismo funciona ex post [posterior ao fato], através da mediação do mercado; o planejamento é ex ante [anterior ao fato], permitindo uma abordagem direta à satisfação de necessidades, alinhando-se àquilo que Marx chamou de “hierarquia das (…) necessidades” em Notes on Adolph Wagner.[4]

O planejamento democrático integrado, operando em todos os níveis da sociedade, é o único caminho para uma sociedade de igualdade substantiva e sustentabilidade ecológica, assim como para a sobrevivência humana. Os mercados ainda existirão, mas o caminho a ser percorrido exigirá, em último caso, o planejamento nas áreas de produção e o investimento controlado pelos produtores associados.

Particularmente este é o caso em uma emergência planetária como a que vivemos hoje. Como já mencionei anteriormente, Magdoff e Sweezy argumentavam, desde maio de 1974, sobre a importância fundamental de parar o crescimento nas economias ricas, dada a crise ecológica planetária, mas que isso precisaria ser abordado de uma forma mais positiva, em termos de uma reestruturação planejada da produção como um todo.

A crítica do decrescimento

Cédric Durand, em seu artigo Living Together,[5] e Branko Milanovic, em Degrowth: Solving the Impasse by Magical Thinking [Decrescimento: resolvendo o impasse pelo pensamento mágico] teriam um ponto se a questão fosse o “decrescimento capitalista”, que, como eu já disse, representa um teorema da impossibilidade. No entanto, as próprias mudanças necessárias para o enfrentamento das crises ambientais e sociais de nosso tempo estão relacionadas a mudanças nos parâmetros que definem o capitalismo. Assim, as tentativas de criticar o decrescimento, insistindo que ele reduziria o aumento da “produtividade” (medida estritamente em termos de valor agregado capitalista), expressam simplesmente um raciocínio circular.[6]

As verdadeiras questões sempre foram as seguintes: aumentar a produtividade com que finalidade, para quem, a que custo, exigindo que nível de exploração e medido por quais critérios? Qual é o sentido de aumentar a produtividade da extração de combustíveis fósseis se isso aponta para o fim da vida na Terra como a conhecemos? Quantas vidas, perguntava William Morris no século XIX, foram tornadas inúteis ao serem compelidas a produzir bens inúteis e destrutivos em níveis cada vez mais altos de “eficiência”?

Além disso, simplesmente não é verdade que o crescimento econômico seja necessário para aprimorar a produtividade quando considerada em termos de aumento real, ou seja, aumento da produção por hora de trabalho, ao invés de aumento da “produtividade” medido simplesmente como crescimento do valor agregado ao PIB, que é uma concepção muito estreita e enganosa — ou até mesmo circular. É perfeitamente possível gerar melhorias qualitativas incessantes na produção, reduzir o tempo de trabalho por unidade produzida e, assim, aumentar a eficiência em um cenário de formação líquida de capital zero, particularmente em uma sociedade de orientação socialista.

Nesse caso, as melhorias na produtividade seriam utilizadas para satisfazer uma maior variedade de necessidades sociais, ao invés de servirem à expansão econômica para o enriquecimento de poucos. Elas seriam orientadas prioritariamente ao valor de uso. As horas de trabalho poderiam ser reduzidas, de modo que os benefícios da produtividade seriam compartilhados, e as capacidades humanas em geral aumentariam.

A posição da revista Jacobin e de Matt Huber

A Jacobin é atualmente a principal revista da esquerda social-democrata nos Estados Unidos, e o argumento de Matt Huber segue na mesma linha. A social-democracia, ao contrário do socialismo, sempre se apresentou como uma “terceira via”, na qual os [conflitos] irreconciliáveis entre capital e trabalho (e também entre o capitalismo e a Terra nos dias de hoje) poderiam, supostamente, ser reconciliados por meio de novas tecnologias, aumento de produtividade, regulação de mercados, organização do trabalho formal e um Estado de bem-estar social (ou ambiental) capitalista. Contudo, a estrutura básica do sistema permaneceria intacta.

A ideia é que a social-democracia pode organizar o capitalismo melhor do que o liberalismo, e não que ela irá confrontar a lógica fundamental do sistema. Huber, em seu livro, adiciona a essa mistura a modernização ecológica capitalista, de um jeito que não difere muito da modernização ecológica liberal, como representada pelo Instituto Breakthrough, mas, no seu caso, ele inclui os trabalhadores da eletricidade organizados.

Essa perspectiva tem definido consistentemente a abordagem da Jacobin quanto às questões ambientais, geralmente opondo-se ao ecossocialismo e, de forma mais ampla, ao ambientalismo. Em novembro de 2017, escrevi um artigo intitulado The Long Ecological Revolution [A Longa Revolução Ecológica] na Monthly Review, onde questionei a abordagem fortemente ecomodernista da Jacobin a esse respeito, incluindo trechos do autor Leigh Phillips, que, em seu livro Austerity Ecology and the Collapse-Porn Addicts (2015) [Ecologia da Austeridade e os Viciados em Pornô do Colapso], foi tão longe a ponto de sugerir que “o planeta pode sustentar 282 bilhões de pessoas (…) utilizando toda a terra(!)”, além de outros absurdos similares.

No artigo coescrito por Huber e Phillips para a Jacobin em março deste ano, Kohei Saito’s ‘Start from Scratch’ Degrowth Communism [O Comunismo de Decrescimento “a partir do Zero” de Kohei Saito], os autores rejeitam o referencial das fronteiras planetárias apresentado pelo atual consenso científico, que busca demarcar os limites biofísicos da Terra como um lugar seguro para a humanidade. No quadro de referência das fronteiras planetárias/Sistema Terrestre, as mudanças climáticas representam apenas uma de nove fronteiras,[8] e a transgressão de qualquer uma delas põe em risco a existência humana.

Na direção oposta, Huber e Phillips adotam uma posição praticamente idêntica àquela do economista neoclássico Julian Simon, autor de The Ultimate Resource (1981) [O Recurso Final], pioneiro na propagação da ideia de excepcionalismo humano total, segundo a qual não existem limites ambientais reais para a expansão quantitativa da economia humana que não possam ser superados pela tecnologia; que é possível haver crescimento infinito em um planeta finito. Com base nisso, Simon foi reconhecido o mais proeminente apologista antiambientalista do capitalismo de seu tempo.

De acordo com essa visão, a tecnologia seria capaz de resolver todos os problemas, independentemente das relações sociais. De modo quase idêntico, “os únicos limites verdadeiros e permanentemente insuperáveis que enfrentamos”, alegam Huber e Phillips de forma reducionista, “são as leis da física e da lógica” – como se os limites biofísicos da vida no planeta não fossem relevantes. As mudanças climáticas, de acordo com essa visão, são apenas um problema temporário a ser resolvido tecnologicamente, e não um problema que envolve relações sociais (ou mesmo relações ecológicas).

Para os marxistas, no entanto, as relações sociais e a tecnologia, embora diferenciáveis entre si, estão entrelaçadas de maneira indissolúvel e dialética. Uma visão que nega a crise planetária, recorrendo à promessa de um deux ex machina tecnológico e ignorando, ao mesmo tempo, os limites históricos e ecológicos, está em conflito com o materialismo histórico, o ecossocialismo e a ciência contemporânea – todos os três.

O consenso científico atual, como representado pelo Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas da ONU – mais especificamente pelo posicionamento dos cientistas, e não pelos governos envolvidos no processo – afirma, com total clareza, que a tecnologia, por si só, não haverá de nos salvar, e que precisamos desafiar a hegemonia político-econômica vigente em uma escala revolucionária. Nesse momento, estamos no limiar de um aumento de 1,5°C na temperatura média global, e um aumento de 2°C não estará distante se não agirmos rapidamente.

Hoje, seis das nove fronteiras planetárias já foram ultrapassadas, com a probabilidade de serem ultrapassadas ainda mais. Esta trajetória, no entanto, pode ser alterada. Já temos todas as tecnologias necessárias para enfrentar a crise planetária, contanto que sejam feitas as mudanças necessárias nas relações sociais existentes. Mas é aí que está o problema.

De forma polêmica, Huber e Phillips rejeitam o decrescimento como uma estratégia retrógrada, mesmo quando organizada sobre uma base ecossocialista planejada. Em vez disso, eles argumentam que a acumulação líquida de capital pode continuar indefinidamente se for ‘esverdeada’ e houver reconciliação entre capital e trabalho, e entre capital e a Terra, seguindo uma linha ecomodernista. Na melhor das hipóteses, isso pode ser visto como a abordagem do Novo Acordo Verde ou como um keynesianismo ecológico.

No entanto, o direcionamento geral deles vai além, representando, na verdade, o excepcionalismo humano total, no qual todos os limites ambientais permanentes associados aos ciclos biogeofísicos da Terra são negados. A principal falha que vejo nessa análise é que ela está disposta a abrir mão do realismo científico e da crítica dialética por conveniência política, resultando em um tipo de reformismo tecno-utópico que, na realidade, não leva a lugar algum, uma vez que se afasta de qualquer confronto sério com o sistema capitalista. Isso dificilmente poderia ser considerado racional quando o problema é um sistema social que agora está ameaçando — não em questão de séculos, mas de décadas ou anos — violar as condições que mantêm o planeta como um lugar seguro para a humanidade. Não há nada de socialista ou ecológico em tais visões.

O que fazer?

A ciência atual afirma que precisamos de mudanças em nosso sistema socioeconômico, na tecnologia aplicada e em toda a nossa relação com o Sistema Terrestre, caso a humanidade não queira, ainda neste século, estabelecer as bases de sua própria e completa destruição. Se as transformações urgentes e necessárias no modo de produção (incluindo as relações sociais) não forem implementadas, veremos neste século a morte e o deslocamento de centenas de milhões de pessoas – possivelmente bilhões – devido às mudanças climáticas.

Além do mais, as mudanças climáticas são apenas parte do problema. Atualmente, despejamos 370 mil produtos químicos sintéticos diferentes no meio ambiente, sendo que a maioria sequer foi testada e muitos deles são tóxicos: carcinogênicos, teratogênicos e mutagênicos. Os plásticos, outra nova entidade na categorização das fronteiras planetárias, agora estão fora de controle, com a proliferação de microplásticos em nível global e até mesmo de nanoplásticos (pequenos o suficiente para atravessar as paredes celulares) no corpo humano. Bilhões de embalagens plásticas estão sendo comercializadas por corporações multinacionais, especialmente no Sul Global. A escassez mundial de água está aumentando, as florestas e a cobertura vegetal do solo, de modo geral, estão desaparecendo, e estamos enfrentando a sexta extinção em massa na história do planeta.

Com seis das nove fronteiras planetárias ultrapassadas, estamos diante de uma ameaça sem precedentes à existência humana. A causa comum de todas as crises planetárias é o sistema de acumulação de capital, e todas as soluções imediatas exigem o confronto com essa lógica de acumulação. A luta, naturalmente, ocorrerá dentro do atual sistema, mas a cada momento dessa luta nos deparamos com a urgência de colocar as pessoas e o planeta à frente do lucro. Não há outro caminho. O capitalismo está morto para a humanidade.

A escala da mudança exigida deve ser medida tanto em termos de tempo quanto de espaço. Hoje, nossa relação com ambos deve ser necessariamente revolucionária e estender-se por todo o mundo. Se teremos sucesso ou não, é algo que não podemos saber no tempo presente. O que sabemos é que esta será a maior luta da humanidade. Nessa situação, não existe “mal menor”. Como Marx disse, numa escala bem reduzida quanto à Irlanda de seus dias, é “ruína ou revolução”.

As oportunidades estão em toda parte. Os obstáculos, em grande medida produzidos pelo sistema atual, também estão. Como Naomi Klein disse a respeito das mudanças climáticas: “isso muda tudo”.[9] Nada pode, nem poderá permanecer o mesmo. E essa é a própria definição de uma situação revolucionária.

O estudo mais concreto e abrangente sobre o que poderia ser feito, de forma prática e nas circunstâncias atuais, é encontrado no livro de Fred Magdoff e Chris Williams lançado em 2017, Creating an Ecological Society: Toward a Revolutionary Transformation [Criando uma sociedade ecológica: rumo a uma transformação revolucionária]. Como disse Noam Chomsky sobre este livro, ele demonstra “que a ‘mudança revolucionária sistemática’ indispensável para evitar a catástrofe está ao nosso alcance.”

*John Bellamy Foster é editor da revista Monthly Review e professor emérito de sociologia na Universidade de Oregon.

Texto estabelecido a partir da entrevista de John Bellamy Foster para Arman Spéth, em Monthly Review, Vol. 76, no. 2.

Tradução: Ricardo d’ Arêde.

Notas do tradutor


[1] Grosso modo, é um indicador econômico que resulta da dedução da depreciação do volume total dos investimentos, sendo a depreciação a compensação do custo de substituir o equipamento fixo desgastado ou obsoleto. No caso, em uma economia estacionária, a formação líquida de capital tende a zero, expressando a tentativa de evitar a acumulação contínua de capital.

 [2] Full-world economy, comumente traduzido como “economia de mundo cheio”. A noção de “mundo cheio” contrapõe-se à de “mundo vazio”, segundo a qual “o ambiente não é escasso, e o custo de oportunidade da expansão da economia é insignificante. Porém, o crescimento contínuo da economia física num ecossistema finito e não crescente irá nos levar à ‘economia de mundo cheio’, na qual o custo de oportunidade do crescimento será significativo” (cf. DALY, H.; FARLEY, J. Economia Ecológica. São Paulo: Annablume, 2016. p. 51).

[3] Herman Daly (1938-2022), co-fundador da International Society for Ecological Economics/ISEE, Herman propunha uma economia de estado estacionário, “descrita pela primeira vez em detalhes no pioneiro Toward a Steady State Economy, e definida como ‘uma economia com estoques constantes de pessoas e artefatos, mantidos em níveis desejados e suficientes por baixas taxas de ‘produção’ de manutenção, isto é, pelos fluxos mais baixos possíveis de matéria e energia desde o primeiro estágio de produção até o último estágio de consumo’”. Ele também teve algum envolvimento com o Brasil, “tanto na vida pessoal – sua companheira da vida inteira foi a brasileira Márcia Damasceno (…) – quanto na acadêmica, tendo sido professor visitante na Universidade Federal do Ceará e participante ativo na Rio-92 e no workshop internacional Meio Ambiente, Desenvolvimento e Política de Governo”, realizado em Olinda e Recife, em abril de 1996. cf. Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, em http://ecoeco.org.br/2022/11/16/celebrando-a-vida-de-herman-daly-1938-2022/

 [4] Notes on Adolph Wagner, encontrado em publicação brasileira como “Glosas marginais ao Manual de economia política de Adolph Wagner”, cf. Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. Ano XII . nov./2017 v. 23, n. 2, em https://www.marxists.org/portugues/marx/1880/11/glosas.pdf

[5] Living Together, uma tradução do CEPAT para o referido artigo (“Viver juntos”), pode ser lida em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/632541-viver-juntos-artigo-de-cedric-durand

[6] Beg the question, uma falácia lógica, raciocínio circular, petição de princípio, i.e., erro lógico no qual a conclusão de um argumento é tomada como premissas que justificam a conclusão.

 [7] O artigo em questão provavelmente se refere ao “The Problem With Degrowth”, traduzido por Priscila Marques para a Jacobin Brasil em https://jacobin.com.br/2024/10/o-problema-do-decrescimento/

[8] Os limites ou fronteiras planetárias designam os limites globais que o planeta pode suportar em termos ambientais, econômicos e/ou sociais, sendo elas 1) as mudanças climáticas, 2) a acidificação dos oceanos, 3) o esgotamento do ozônio estratosférico, 4) os fluxos biogeoquímicos dos ciclos do nitrogênio e do fósforo, 5) a utilização da água doce, 6) a mudança no uso da terra, 7) a perda de integridade da biosfera, 8) a carga de aerossóis atmosférico, e 9) a incorporação de novas entidades, como elementos sintéticos e resíduos nucleares.

 [9] Referência ao livro da autora, intitulado This changes everything: capitalism vs. the climate (2014). Em 2015 foi produzido um documentário a partir do livro, que pode ser assistido em https://www.youtube.com/watch?v=jsXTJihL7Ac


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